domingo, 2 de agosto de 2009

Saramago homenageia Álvaro Cunhal em seu blog

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Pouco mais de quatro anos e um mês do aniversário da morte do dirigente comunista português Álvarou Cunhal, em 13 de junho de 2005, o escritor José Saramago o homenageia com um post em seu blog, publicado nesta sexta-feira (31).

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"O que não conseguimos é iludir esta espécie de sentimento de orfandade que nos toma quando nele pensamos. Quando nele penso", diz o escritor, no texto que o Vermelho reproduz integralmente abaixo:

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"Não foi o santo que alguns louvavam nem o demónio que outros aborreciam, foi, ainda que não simplesmente, um homem.

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Chamou-se Álvaro Cunhal e o seu nome foi, durante anos, para muitos portugueses, sinônimo de uma certa esperança.

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Encarnou convicções a que guardou inabalável fidelidade, foi testemunha e agente dos tempos em que elas prosperaram, assistiu ao declínio dos conceitos, à dissolução dos juízos, à perversão das práticas.

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As memórias pessoais que se recusou a escrever talvez nos ajudassem a compreender melhor os fundamentos da raquítica árvore a cuja sombra se recolhem hoje os portugueses a ingerir os palavrosos farnéis com que julgam alimentar o espírito.

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Não leremos as memórias de Álvaro Cunhal e com essa falta teremos de nos conformar. E também não leremos o que, olhando desde este tempo em que estamos o tempo que passou, seria provavelmente o mais instrutivo de todos os documentos que poderiam sair da sua inteligência e das suas finas mãos de artista: uma reflexão sobre a grandeza e decadência dos impérios, incluindo aqueles que construímos dentro de nós próprios, essas armações de ideias que nos mantêm o corpo levantado e que todos os dias nos pedem contas, mesmo quando nos negamos a prestá-las.

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Como se tivesse fechado uma porta e aberto outra, o ideólogo tornou-se autor de romances, o dirigente político retirado passou a guardar silêncio sobre os destinos possíveis e prováveis do partido de que havia sido, por muitos anos, contínua e quase única referência.

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Quer no plano nacional, quer no plano internacional, não duvido de que tenham sido de amargura as horas que Álvaro Cunhal viveu ainda.

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Não foi o único, e ele o sabia. Algumas vezes o militante que sou não esteve de acordo com o secretário-geral que ele era, e disse-lho.

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A esta distância, porém, já tudo parece esfumar-se, até as razões com que, sem resultados que se vissem, nos pretendíamos convencer um ao outro.

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O mundo seguiu o seu caminho e deixou-nos para trás. Envelhecer é não ser preciso. Ainda precisávamos de Cunhal quando ele se retirou. Agora é demasiado tarde.

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O que não conseguimos é iludir esta espécie de sentimento de orfandade que nos toma quando nele pensamos. Quando nele penso.

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E compreendo, garanto que compreendo, o que um dia Graham Green disse a Eduardo Lourenço: “O meu sonho, no que toca a Portugal, seria conhecer Álvaro Cunhal”. O grande escritor britânico deu voz ao que tantos sentiam. Entende-se que lhe sintamos a falta."

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in Vermelho - 31 DE JULHO DE 2009 - 19h08

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DOIS MOMENTOS, DOIS RETRATOS

DOIS MOMENTOS, DOIS RETRATOS

1 . - Uma "manife" em Évora, num verão quente, nos idos de 1974

Ontem, no comício do PC, ali no Rossio de S.Brás, o Álvaro Cunhal falou na independência dos povos das colónias. (...) Ainda antes do Álvaro Cunhal falar o palco foi abaixo por duas vezes. Uma multidão imensa concentrava se em redor do palco, junto ao Monte Alentejano, agitando se inúmeras bandeiras vermelhas do PC. Em uníssono, a multidão repetia as palavras de ordem, de punho erguido.
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Continua -
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