domingo, 7 de fevereiro de 2010

Poema dum funcionário cansado - António Ramos Rosa

Assunto: BONECA DE TRAPOS
Data: 7/Fev 15:44
COMO UMA NOTA DE MÚSICA QUE DE SÚBITO FOGE DE UMA SINFONIA, O SUSPIRO PASSA DO PEITO Á GARGANTA E, LIGEIRO, ENTRE OS LÁBIOS SE ESGUEIRA...AH! SUSPIRO...ESPELHO DO MEU CANSAÇO...SUJEITO DESTA TRISTEZA...OPRIMIDO DO MEU SER, FUGIU... PELA SALA ESVOAÇA FEITO UMA TRAÇA,ESTONTEADO, QUASE CEGO PELA SÚBITA LUZ, MAS FINALMENTE EM PAZ. OLHA PARA MIM EM SURPRESO ESPANTO...QUANTA NOITE...QUANTO PRANTO...BONECA DE TRAPOS LARGADA NO CHÃO, DEIXADA...TROCADA...PEDAÇO DE NADA...ARREMEDO DE SER QUE NEM ALMA TEM....POIS SE A TIVESSE NÃO ERA BONECA...SERIA MULHER, COMO FOI UM DIA.... E ELE SERIA SUSPIRO SIM, MAS DE SENTIDO AMOR. NÃO DE AMOR QUEBRADO...NÃO DE AMOR VENCIDO E NEM TORTURADO... AMOR DOS QUE MATAM O GESTO E A VOZ, JOGAM FORA A ALMA, TOLDAM O OLHAR DE LÁGRIMAS ROUCAS DE TANTO GRITAR,ATIRAM AO AR OS RESTOS QUE FICAM...E É QUANDO SE CAI QUE JÁ NADA SOMOS...BONECA DE TRAPOS... O SUSPIRO RODA, EM CÍRCULOS FECHADOS...NEM SEQUER TEM PARA ONDE IR,MAS NÃO OUVE E NEM SENTE OS GRITOS DE DÔR...AS GARRAS DE UM MEDO QUE É SEMPRE MAIOR...POUSA ENTÃO, CANSADO, SOBRE UM MONTE DE TRAPOS, SEM FORMA NEM CÔR...EM ANEXO UM BEIJO!
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Distribuído por Moranguinho Pereira (hi5)
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POEMA DUM FUNCIONÁRIO CANSADO


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A noite trocou-me os sonhos e as mãos
dispersou-me os amigos
tenho o coração confundido e a rua é estreita
estreita em cada passo
as casas engolem-nos
sumimo-nos
estou num quarto só num quarto só
com os sonhos trocados
com toda a vida às avessas a arder num quarto só
Sou um funcionário apagado
um funcionário triste
a minha alma não acompanha a minha mão
Débito e Crédito Débito e Crédito
a minha alma não dança com os números
tento escondê-la envergonhado
o chefe apanhou-me com o olho lírico na gaiola do quintal em frente
e debitou-me na minha conta de empregado
Sou um funcionário cansado dum dia exemplar
Por que não me sinto orgulhoso de ter cumprido o meu dever?
Por que me sinto irremediavelmente perdido no meu cansaço
Soletro velhas palavras generosas
Flor rapariga amigo menino
irmão beijo namorada
mãe estrela música
São as palavras cruzadas do meu sonho
palavras soterradas na prisão da minha vida
isto todas as noites do mundo numa só noite comprida
num quarto só.
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ANTÓNIO RAMOS ROSA 
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