domingo, 7 de fevereiro de 2010

J.D. Salinger - Muito além do campo de centeio

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Muito além do campo de centeio

por Admin última modificação 2010-02-04 14:50 
O retrato da desilusão juvenil no pós guerra marcou a obra do escritor estadunidense J.D. Salinger; mas quem foi este tipo recluso e misterioso?





04/02/2010

Ligia Ximenes
de São Paulo

Entre os mais jovens, talvez a morte de Jerome David Salinger tenha passado despercebida. Afinal, para os adolescentes que consomem auto-ajuda acreditando que há fórmula para a felicidade, são ultrapassadas as inquietudes do escritor estadunidense que em 1951 pintou o retrato da juventude no cenário pós Segunda Guerra Mundial, ao retratar um dia na vida de Holden Caulfield.
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Protagonista do aclamado romance O apanhador no campo de centeio, Caulfield é um garoto de 17 anos, destes articulados e irônicos que hoje são comuns em vários dos seriados norte-americanos. Ele vive o sonho americano – nasceu em família rica, com dinheiro para matriculá-lo no Pencey, um desses tradicionais colégios preparatórios. Só que, diferente dos meninos dos seriados, ele não está contente com nada.
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Expulso do colégio depois de ser reprovado em quatro matérias, o anti-heroi de Salinger vaga por uma Nova Iorque gelada, às vésperas do Natal, questionando a hipocrisia e os valores do mundo adulto. É um desses meninos que não se encaixa, um pouco como o velho Salinger, que um ano após a publicação de O apanhador se recolhe do burburinho na bucólica Cornish, em New Hampshire.
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Como Caulfield, Salinger também estudou em colégios nos quais se prepara a elite norte-americana. Também, como sua personagem, Salinger foi expulso. Matriculou-se na academia militar de Valley Forge, na Pennsylvania, formando-se aos 18 anos. Depois, viveu alguns meses na Europa, tentando aprender o ofício do pai, um comerciante de artigos de luxo de Nova Iorque. De volta, matriculou-se num curso noturno de literatura e foi lá que descobriu seu talento.
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A outra escola
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Apesar disso, houve um episódio mais determinante para formar o Salinger que conhecemos do que estas aulas de literatura. Aconteceu quando o Japão atacou a base norte-americana de Pearl Harbour, determinando a entrada dos Estados Unidos na Segunda Grande Guerra. Em 1942, Salinger passou a servir ao exército, e, em março de 1944, sua unidade foi convocada a se preparar para a invasão da Normandia. Enquanto esperava a ordem para o ataque, escreveu seis capítulos de um romance que tinha uma personagem muito parecida com o próprio Salinger adolescente.
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Para o crítico literário Paul Fussell, é dessas experiências que vêm a ironia e o completo desprezo de Holden Caulfield pelas coisas que o cercam. Sobre a guerra, aliás, diz o menino em determinada passagem de O apanhador: “Juro que, se houver outra guerra, é melhor me pegarem logo e me botarem na frente de um pelotão de fuzilamento. Juro que não ia protestar”.
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Para além de O apanhador, Salinger se consagraria com uma narrativa direta e fustigante e três outros títulos: Nove estórias(1953), Franny e Zooey(1961) e Carpinteiros, levantem bem alto a cumeeira & Seymour, uma introdução(1963), nos quais são contados pedacinhos da história da família Glass, outra célebre criação salingeriana.
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Obras inéditas?
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Ao longo dos três títulos de Salinger, conhecemos os sete irmãos: Franny e Zooey, os gêmeos Walt e Walter, Boo Boo, Buddy e Seymour, este o primogênito, que na juventude lutou a Segunda Guerra Mundial e depois se tornou professor na Universidade de Columbia. É ele que protagoniza o pungente conto “Um dia ideal para os peixe-banana” e também a personagem principal de Hapworth, 16, 1924, o único título de Salinger ainda não publicado.
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Mas seria Hapwortha única criação de Salinger ainda inédita para a maior parte de nós? A dúvida sempre pairou no ar e, quando se anunciou a morte do autor, começou a especulação em torno de um baú da casa em Cornish [onde passou seus últimos dias] contendo manuscritos inéditos. Quem melhor dá a pista para entender essas décadas de silenciosa reclusão é o próprio autor, em O apanhador no campo de centeio: “A gente nunca devia contar nada a ninguém. Mal acaba de contar, a gente começa a sentir saudade de todo mundo”.
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