quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Contribuições para a reflexão – O capitalismo e a Natureza - Miguel Tiago

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Contribuições para a reflexão – O capitalismo e a Natureza

Fevereiro 1, 2010
Escrito por Miguel Tiago   
01-Jan-2010 - O Militante
A Natureza é o substrato do desenvolvimento e o meio em que se desenvolve a luta de classes. É também na relação com os recursos naturais que se trava uma disputa de interesses de classe antagónicos, na medida em que a utilização desses recursos é uma base fundamental da construção da sociedade humana.
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A actual fase do capitalismo, de evidente aproximação dos seus limites históricos, tem agravado os impactos da exploração capitalista também no quadro da relação entre as sociedades e a Natureza. A apropriação da produção é acompanhada por uma apropriação directa dos recursos, mercantilizando mesmo os bens ambientais, o que bem demonstra o carácter predatório do sistema capitalista e a urgente necessidade de o ultrapassar, na medida em que a Natureza contém o conjunto de recursos finitos que são fundamentais para o desenvolvimento integrado da Humanidade. O seu esgotamento, ou destruição têm implicações directas sobretudo nas camadas trabalhadoras, tendo em conta a elitização galopante do acesso à qualidade de vida e ambiental. A luta dos trabalhadores e dos comunistas é, por isso mesmo, também uma luta em defesa da preservação e da gestão racional dos recursos naturais, subordinando a sua gestão aos interesses comuns e não à acumulação de lucros.
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A actual campanha mediática e política em torno das preocupações ambientais não deve pois passar ao lado das preocupações do Partido, numa abordagem crítica e transformadora. Um dos eixos principais daquilo a que a Resolução Política do XVIII Congresso do PCP descreve como o «dogma ambientalista» é a campanha política em torno das «alterações climáticas». Significará essa nossa análise uma secundarização das preocupações ambientais? Antes pelo contrário, a desmistificação desse «dogma» é a única forma de intervir realmente sobre os problemas que cada vez mais se agudizam na relação capitalismo – Natureza. Esses problemas, traduzidos na delapidação dos recursos e no consequente empobrecimento das camadas trabalhadoras que deles dependem directa ou indirectamente, são fruto de características intrínsecas ao funcionamento do sistema capitalista. Decorre da lei da baixa tendencial da taxa de lucro e das suas contradições internas, a necessidade de o capital (1) continuar permanentemente o seu esforço de expansão – o que é bem sintetizado por Engels quando afirma «[O Capital] tem de permanecer em crescimento e expansão, ou terá de morrer.» (2), permitindo assim a continuidade da sua força motriz: a taxa de lucro. Isso tem implicações muito concretas na gestão de recursos naturais e na sua apropriação, sendo que são, em grande medida, a fonte de toda a matéria-prima ou elementos fundamentais à vida de todos os seres humanos. Nesse caminho de crescimento e acumulação, os bens ambientais tornaram-se mercadorias à luz da perspectiva da classe dominante.
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É neste quadro que se torna decisiva a inclusão das questões ambientais na luta de massas e na luta dos trabalhadores. No actual cenário de crise global da economia capitalista, o próprio sistema é confrontado com um momento de decisões críticas em torno dos paradigmas produtivos, económicos e financeiros que sustentam o capitalismo na sua fase de desenvolvimento actual. Depois de ampla e claramente falhada qualquer consequência positiva visível do Protocolo de Quioto, seria de esperar uma reavaliação dos instrumentos de intervenção por parte dos organismos internacionais, nomeadamente da Convenção Quadro para as Alterações Climáticas (UNFCCC), organismo das Nações Unidas. Ao invés disso, a Conferência das Partes dessa Convenção em Copenhaga assume-se como a clara sucessora de Quioto e Bali, mantendo precisamente os mesmos instrumentos, e centrando a intervenção das sociedades humanas nos aspectos meramente financeiros, sem assumir e, mais grave ainda, mascarando a necessidade urgente de proceder a profundas transformações de natureza anticapitalista..
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É certo que após a explosão da crise económica e estrutural do capitalismo, muitos são os que falam de «novo paradigma» e de «maior intervenção e regulação» do Sistema, acompanhados dos que supostamente promovem o «novo paradigma energético». No entanto, é revelador que sejam esses os primeiros a dogmatizar o funcionamento da economia capitalista como ponto de partida para qualquer «novo paradigma». Na esteira dos ensaios em torno de «sustentabilidade», «desenvolvimento sustentável» (ver Relatório Brundtland (3)), surgem as novas diversões ideológicas do sistema capitalista orientadas no essencial sempre pelo mesmo objectivo central: permitir a continuidade e aprofundamento da apropriação de mais-valias através da exploração do Trabalho. O equilíbrio em que o capital vai jogando estes novos «trunfos» da ofensiva ideológica é, porém, cada vez mais instável, tendo em conta as flagrantes assimetrias na distribuição dos benefícios tecnológicos, dos recursos naturais e da riqueza produzida.
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Chegados a este ponto da História, dos seres humanos e do planeta, torna-se evidente a necessidade de harmonização entre as actividades humanas e a dinâmica da Natureza mas, ainda assim, muitas dúvidas, nomeadamente científicas, persistem sobre as formas e a extensão das influências de cada uma das actividades humanas na Natureza e, particularmente, no clima, sobre o qual recai grande parte do arsenal ideológico do capitalismo. Nesta sua fase de desenvolvimento, no limiar desse «novo paradigma económico e energético», importa essencialmente desmontar as suas contradições inerentes.
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No seguimento do Protocolo de Quioto, da criação dos mercados de licenças de emissão de Gases com Efeito Estufa (GEE), das negociações internacionais, surgem novas ofensivas globais que visam essencialmente apropriar a Natureza e o Meio Ambiente como mercadoria e filão de negócios absolutamente incomensuráveis, por um lado e servir de argumento para-científico de chantagem e de diversão ideológica, por outro. O sistema capitalista busca agora em cenários de alterações climáticas (depois de «aquecimento global» se ter revelado um termo equívoco) o elemento de distracção sobre os reais problemas que se colocam no plano político e económico-social. A solução para os problemas da relação entre o ser humano e a Natureza não reside em alterações de fachada no sistema, mas sim na ruptura radical com o próprio funcionamento do sistema, superando-o historicamente.
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A comunicação social tem desempenhado um papel fundamental na difusão de um dogma ambientalista que, não funcionando como argumento em si mesmo, é revelador das pressões que existem para a criação de uma cultura supostamente científica em torno de um alarmismo e histeria que é contraditada por dúvidas e outros estudos científicos convenientemente escondidos pela comunicação social dominante. É importante ter a consciência de que a Investigação Científica é também um processo social, sujeito a instrumentalização pela classe dominante. Não é descartável o facto de existirem estudos diversos que não reconhecem existência de relação causa-efeito entre a concentração atmosférica de CO2 e a temperatura à superfície da Terra, da mesma forma que devemos ter presente a evidência segura de muitas variações climáticas ao longo da história do planeta, determinadas por factores muito diversos. No que toca ao Árctico, por exemplo, o actual alarmismo deve ser questionado quando olhamos para a série de dados que retrata os mínimos de área de mar gelado e verificamos que não existe uma tendência tão alarmante quanto isso, sendo que o mínimo de 2007 (cerca de 4.200.000 km2) é bem inferior ao mínimo de 2009 (5.249.844 km2)(4). Na verdade, muitos outros dados apontam para uma variabilidade climática do planeta muito significativa ao longo da sua história de mais de 4,6 mil milhões de anos, sem qualquer ligação que comprove dependência relativa às concentrações de CO2.
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A climatologia e a paleo-climatologia não são propriamente ciências simplistas como se tem vindo a tentar fazer crer e não se compadecem com modelações baseadas em «regras de três simples» tão elementares quanto as que deram origem à tese ultrapassada do aquecimento global em «hockey-stick» (a primeira hipótese de subida de temperatura quase como se fosse directamente proporcional às concentrações atmosféricas de CO2). É também urgente denunciar que, ao contrário do que se assume muitas vezes publicamente, o IPCC (Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas) – ainda que constituído por uma vasta rede de investigadores – não é um organismo científico, mas político, do qual não resultam necessariamente conclusões científicas na verdadeira acepção do conceito, ou seja, os relatórios finais do IPCC não são alvo de avaliação independente nem sujeitos a confronto em testes experimentais, como se exige a qualquer trabalho científico para ser validado.
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A mercantilização dos bens ambientais, a diversão ideológica, o branqueamento das responsabilidades de classe são todos efeitos directos da histeria de massas que se pretende agudizar com a generalização do «dogma».
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É, por exemplo, paradoxal que mesmo quando os custos de produção energética são menores cresçam os seus custos finais. Essa relação entre custos de produção e preço revela bem o inquantificável aumento de lucro que as companhias de produção energética obtêm da chantagem ambientalista, importante componente desse aumento de preço, aliada obviamente à pressão especulativa que controla todo o mercado dos combustíveis fósseis com repercussões nos custos da produção e distribuição de energia final. A alteração de «paradigma económico e energético» de que a classe dominante tanto fala é, no essencial, resumida a um conjunto de alterações na produção, mas mantendo perfeitamente intocada a matriz que reside, não na produção mas na organização e posse dos meios de produção, ou seja, no modo de produção. O que está hoje em causa é mais do que saber se a energia pode ou não ser obtida de fontes renováveis e limpas, mas sim até que ponto o capital se apropria da produção energética proveniente dessas fontes. O grau de apropriação capitalista determinará o grau de utilização dessas fontes e dessas tecnologias e é essa barreira que os trabalhadores de todo o mundo devem vencer, sob pena de subsistir, não apenas a injustiça inerente à exploração capitalista, mas também a delapidação da Natureza e dos seus recursos na medida em que constituem, não recursos económicos comuns, mas apenas mercadorias a valorizar e a gerar lucro.
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O mecanismo subjacente ao Protocolo de Quioto e, ao que tudo indica, ao futuro de Copenhaga está longe de ser uma solução para a diminuição da emissão de GEE, mas poderá vir a ser, sem dúvida, um dos mais importantes mercados da actualidade, na medida em que a bolsa de carbono poderá representar a curto prazo um mercado de mais de 700 mil milhões de dólares. Não podemos ignorar que a constituição de uma bolsa de licenças de emissão significa a transferência de riqueza entre diferentes sectores sociais e produtivos, bem como o aumento dos custos do consumo da energia, através da transferência de custos em torno de mecanismos não produtivos (como a transacção em bolsa de licenças de emissões) para o consumidor.
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Com esta política, não só se escamoteiam as reais responsabilidades de classe, como se dão os primeiros passos para a privatização dos recursos atmosféricos, como é o ar que respiramos. É absolutamente inaceitável que a resposta a uma hipotética influência antropogénica no clima seja resolvida com a privatização da atmosfera. Com essa estratégia o capital também encobre os mais graves impactos da poluição atmosférica, que são bastante mais vastos que os que se crêem existir sobre o clima, nomeadamente no que toca à saúde, aos equilíbrios ecológicos, à qualidade das águas e do ar. Pretende a classe dominante que se ignore que o uso dos solos, as impermeabilizações, as desflorestações, a desertificação, são causas muito significativas no que toca às transferências de calor entre atmosfera, geosfera e Sol, assim contribuindo também para a agudização de fenómenos climáticos extremos.
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Abordar as «alterações climáticas» deve, da nossa parte, ser uma tarefa de capital importância desde que desvendemos desde já as «armadilhas ideológicas» que estão montadas na tese catastorfista e da sua origem antropogénica.
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A encruzilhada em que a Humanidade se encontra é a que resulta das limitações históricas do capitalismo e que serão apenas solucionadas pelo poder criativo dos homens e das mulheres, superando a forma de organização social, económica e política do capitalismo e capitalizando todos os meios já hoje disponíveis e os que mais possamos desenvolver no caminho da luta para substituir o capitalismo pelo socialismo, rumo ao comunismo. Não será outra senão essa a resposta que os trabalhadores poderão dar aos grandes problemas que hoje se nos colocam. É essencial, pois, colocar a discussão da relação do Humanidade com a Natureza no espaço a que pertence: no espaço da luta de classes e da disputa do poder político e da posse dos bens e recursos naturais, com a plena consciência de que só o socialismo poderá criar as condições para a construção de uma relação harmoniosa entre a Humanidade e a Natureza.
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Notas
(1) Marx, Karl – O Capital, Vol III, Livro III, Capítulo XV.
(2) Engels, Friederich – Prefácio à Segunda Edição Alemã (1892) de «A situação da Classe Trabalhadora em Inglaterra» (1845).
(3) Relatório da ONU, sob o título «O Nosso Futuro Comum, onde se define pela primeira vez o conceito de «desenvolvimento sustentável».
(4) De acordo com os dados IARC (International Arctic Research Center) – JAXA (Japanese Aeorospace Exploration Agency), com análise de dados no IJIS (sistema de computação da IARC-JAXA), disponíveis em http://www.ijis.iarc.uaf.edu/en/data/index.htm e http://www.ijis.iarc.uaf.edu/en/home/seaice_extent.htm
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“O Militante” – 304 – Jan/Fev 2010
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