terça-feira, 6 de maio de 2008

Massacres em Angola - 1961- pontos de vista

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25 de Abril - «olhares» - «entrevistas» - «verdades» (6)
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Esclarecimento de um protagonista
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Comentário de Valdemar Dinis Clemente, que viveu os acontecimentos, com os homens que estavam sob o seu comando.
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Valdemar Diniz Clemente (Cor. Infª Reformado)
Alinhavo estes simples comentários a propósito de um mail recebido em 21 de Abril p.p. do sobre a matéria em epígrafe.
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Caros Camaradas e Amigos
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Tenho vindo, de maneira superficial, a acompanhar estes comentários sobre o início do designado «terrorismo» em Angola, sobre os massacres então ali ocorridos, sobre os primeiros reforços militares enviados e respectivas actuações e, tal como já previa, acabo por constatar os mesmos lapsos ou (no mínimo) omissões que de forma lastimável, incompreensível e inadmissível se têm verificado e repetido, nomeadamente, até em registos de natureza, dimensão e importância qualitativamente muito diferentes já que "se inscreverão na história", tais como publicações e livros diversos - alguns deles (infelizmente) de autores militares -, intervenções avulsas ou contextualizadas nos "media" nacionais, programas e séries de TV em que não deixo de incluir a recente produção da autoria do jornalista J. Furtado.
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Procurarei, assim, e para já exclusivamente no que respeita à questão particular referente às primeiras forças militares enviadas (mobilizadas) para Angola, após a eclosão do conflito (noite de 15/16 de Março de 1961), repor a verdade sobre os factos ocorridos com vista a clarificar os lapsos e/ou omissões acima citados, mais que não seja, como acto de muito respeito e testemunho de veneração por todos aqueles que já não se encontram entre nós, precisamente por, nesse tempo distante mas sempre tão presente, terem dado as suas vidas no cumprimento do nobre dever que só a «condição militar» (especificidade tão incompreendida e tão maltratada, até, tem vindo a ser nestes últimos tempos) obriga. Falo, como é óbvio, dos deveres para com a Pátria, mormente, o do sacrifício da vida, inscritos no Código e no Juramento de Honra do cidadão militar.
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Passemos, porém, aos factos em apreço. A 16 de Março, logo que conhecidos foram pelo poder político, na (então) Metrópole, os sangrentos e criminosos actos ocorridos em Angola na data acima referida, por decisão superior foi determinado o imediato envio para ali, por via aérea em aviões da TAP, da 7ª Companhia de Caçadores Especiais - 7ªCCE (posteriormente denominada 78ª) que se encontrava sedeada no B.C.5 em Lisboa e que muito recentemente havia completado a sua instrução de aprontamento operacional no Centro de Instrução de Operações Especiais - CIOE, em Lamego. A urgência imposta revestiu tal grau que a nenhum seu militar, inclusive aos residentes em Lisboa e na sua cintura, foi autorizada a saída do quartel para contacto e despedida dos seus familiares; houve, nessa tarde, que se proceder à vacinação de todo o pessoal no Institudo de Medicina Tropical, fazer espólios, distribuir novas dotações de fardamento camuflado, distribuir armamento ligeiro e munições aos graduados e receber instruções adequadas à situação.
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Esta subunidade era comandada pelo Capitão de Inf. Abílio Eurico Castelo da Silva, que ao princípio da noite de 16 de Março de 1961, marchou com um 1º escalão da mesma num Super-Constellation da TAP (via ilha do Sal); face à total indisponibilidade de mais qualquer aeronave da respectiva frota, nessa data, só a 18 e 19 de Março, nas mesmas condições, marcham os 2º e 3º escalões da Companhia, sendo este último comandado por mim (Alferes de Infª, cmdt do 1º Pelotão e Adj. do Cmdt.).
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Esta primeira força militar rapidamente encaminhada para o teatro de operações e, normalmente, pouco citada antes quase sempre omitida, até, nas mais diversas referências e descrições, quer faladas quer escritas, àcerca do início do conflito em Angola, ocorre relativamente apreciável tempo antes, ainda, da mobilização de unidades de escalão Batalhão - e acaba por realizar, à semelhança de outras muito poucas sub-unidades para lá mobilizadas ainda antes de 15 de Março de 1961,assim como das também poucas para lá deslocadas na circunstância, missões difíceis em condições perigosas, que exigiram sacrifícios de toda a ordem num ambiente de enorme tensão e de grande e generalizada instabilidade psicológica, por que não dizer mesmo de verdadeiro pânico das populações e de muita preocupação por parte das autoridades civis e militares.
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É, pois, neste quadro que a 7ª CCE cumpre múltiplas missões nos Distritos do Quanza Norte e do Uige, centradas em toda a região dos Dembos (e rio Dange), área das inúmeras e grandes roças produtoras de café, que constituíram os «alvos» preferenciais da barbárie, em pé de igualdade com a quase totalidade das pequenas povoações, algumas das quais sedes de Administrações e de Postos Administrativos, onde, em comum, se desenrolaram os mais traiçoeiros e impiedosos ataques efectuados pelo movimento dirigido por Holden Roberto, designado, então, por "União das Populações de Angola" - UPA.
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Esta intervenção de grande mobilidade sobre os Dembos é realizada pela 7ªCCE (-), já que dois dos seus pelotões foram destacados para garantir a segurança da capital de Distrito do Quanza Norte (Salazar), das povoações de Dondo e de Lucala e da barragem de Cambamba à data em plena construção, e pela 6ª C Caçadores (-) com a qual se verifica idêntico emprego atribuindo-se-lhe a segurança das povoações de Quibaxe, Bula-Atumba, Pango-Aluquem entre outras. Estas forças foram, para o efeito, integradas num Comando de Batalhão (muito reduzido), denominado por "Batalhão Eventual" e cujo comando foi atribuído ao (então) Major de Infª Rebocho Vaz que, até aí, desempenhava as funções 2º Cmdt do RI de Luanda.(Recorda-se aqui que o Ten Inf Jofre Prazeres, morto poucos dias depois, era seu adjunto e pertencia, igualmente, àquele RI).
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Nas acções, inicialmente desenvolvidas, sempre em condições muito complexas e sem o mínimo apoio logístico, por total inexistência de meios, o seu pessoal procede ao levantamento dos hediondos danos cometidos pelo inimigo por toda essa vasta região, tenta a identificação e trata dos inúmeros mortos encontrados, salva e recupera bastantes colonos e nativos (bailundos) assalariados nas roças, que haviam conseguido furtar-se aos ataques (chacinas) fugindo e escondendo-se na mata e noutros locais seguros, dando-lhes todo o auxílio e protecção na desesperada busca de familiares não encontrados assim como na recuperação de alguns bens mais significativos, presta socorros a feridos que surgiram nas mais díspares situações e ajuda as populações a organizar-se em autodefesa nas povoações não atacadas e não abandonadas. Simultaneamente e com frequência, efectivos seus, na exploração de notícias obtidas e na perseguição de grupos inimigos, confrontam-se e travam com eles acções de combate, sobretudo aquando vítimas de emboscadas, por norma, montadas em locais difíceis e preparados com abatises.
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É neste cenário e nestas condições que, decorridos que foram cerca de 15 dias de permanência em Angola, não obstante as inúmeras baixas provocadas ao inimigo, a 7ª CCE contava já, também, com um considerável número de baixas em combate - 7 mortos e 1 desaparecido.
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De entre os mortos figurava o próprio comandante, Cap. Castelo da Silva, chefe que todos, mas todos, os seus subordinados veneravam profundamente e que, por todas as formas, tentavam tomar como exemplo (morto e chacinado com outros militares, em 02 de Abril de 1961, numa emboscada sofrida no triângulo Aldeia Viçosa - Vista Alegre - Cambambe, concretamente em Cólua).
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Figura ímpar nas suas dimensões de Homem e de Militar sobravam-lhe qualidades e virtudes que o tempo - não fosse todo o infortúnio desse nefasto acontecimento - inexoravelmente se encarregaria de conferir os devidos reconhecimento e realce.
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Ocorre de forma inverosímil, injusta e vergonhosa que este Distinto, Valente e Exemplar Militar nem, postumamente, merecedor foi de um singelo louvor.
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O historial pátrio tem inscritos, também, exemplos destes!!
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Valdemar Diniz Clemente (Cor. Infª Reformado)
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NOTA – O autor deste comentário pede a todo e qualquer cidadão e agradece, profundamente, que faça dele a maior divulgação já que, face ao pensamento corrente e dominante nas actuais "elites", tão distraídas, rejeitantes e altamente aleivosas desse passado nacional, o simples conhecimento destes factos assim como de tantos outros da mesma sorte, possa constituir uma salutar lufada de natureza conceptual relativa à Honra, ao Respeito e à Gratidão.
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Por outro lado e da nossa parte, tal gesto representará sempre uma pequeníssima Homenagem ao Cap. Infª A. Eurico Castelo da Silva e a todos os demais militares vítimas dos repugnantes acontecimentos desse período. Este pedido abrange a inserção em blogues que, pela sua estratégia editorial, possibilitem o esclarecimento dos acontecimentos militares de 1961 em Angola e outros semelhantes.
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in PortugalClub
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Notas de Victor Nogueira
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O Editor publica o texto acima reproduzido apenas como um testemunho descontextualizado, que respeita, mas reafirma que os massacres da UPA foram fomentados e financiados pelos Estados Unidos da América durante o mandato do Presidente John F. Kennedy num contexto de exploração de rivalidades tribais acicatadas e da «Guerra Fria»
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O editor relembra que foram os EUA e não a URSS que lançaram as duas bombas atómicas sobre o Japão, para experiências sobre as consequências sobre seres humanos e para amedrontar a URSS, feito que o General Mac Arthur tentou repetir durante a guerra da Coreia, na Presidência do anti-comunista Truman, mas que não repetirá no Vietname, onde, não obstante, a actuação dos EUA foi a de criminosos de guerra e contra a humanidade.
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Aliás toda a política externa dos EUA tem como base a
Doutrina Monroe e a Teoria do Dominó, da autoria de John Foster Dulles prosseguida ou implementada com maior ou menor empenho pelos sucessores do Presidente Eisenhower.
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Está hoje mais  que provado que os EUA advertiram o Governo de Salazar da eclosão da revolta e que este nada fez, para ter um pretexto para iniciar a guerra. A mdsma atitude criminosa que tomou face às cheias de 1967, proibindo o alerta às populações pelo Instituto de Metereologia.
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O editor relembra que o actual Presidente dos Estados Unidos pretende repetir o mesmo e que os EUA se recusam a aceitar colocar-se sob a jurisdição do Tribunal Penal Internacional, continuando a apontar armas contra a Rússia, apesar da queda do Muro de Berlim, da implosão e desagregação da URSS e do «fim» do comunismo e da sua conversão ao capitalismo.
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O editor reafirma que a colonização portuguesa não foi menos violenta e opressiva que a dos outros países, que a esmagadora maioria da população, negra, não gozava dos benefícios da pretensa superioridade da autodenominada civilização cristã ocidental, que não concorda com o terrorismo bárbaro da UPA nem com o terrorismo bárbaro da Força Aérea Portuguesa que tempos antes regara com napalm os camponeses e as suas aldeias, em greve contra a Cotonang.
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O editor, então adolescente, estava lá e assistiu ao horror da chegada dos brancos fugitivos a Luanda e dos massacres indiscriminados praticados pelos brancos e pela OPDCA sobre as populações negras dos musseques ou que descessem à cidade do asfalto.
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O editor compreende os massacres praticados pelas tropas expedicionárias portuguesas em reacção à barbárie da UPA instigada e financiada pelos EUA mas isso não serve de desculpabilização nem justifica branqueamentos da história.
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O editor esclarece que não põe em causa o heroísmo das tropas portuguesas nem o sofrimento dos colonos e das populações negras do mato ou da cidade do asfalto.
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O editor entende que o processo de descolonização deveria ter sido outro, mas responsabiliza em 1º lugar o regime de Salazar e Caetano e quem os suportava, e depois os oficiais do quadro permanente que prestaram juramento de fidelidade e defesa do regime fascista e colonialista, contra os «ventos» da história.
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O editor percebe as razões do senhor Coronel de Infantaria Reformado e não põe em causa uma brilhante e louvável caderneta militar.
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O editor regista as palavras do senhor oficial reformado sobre os «
deveres para com a Pátria, mormente, o do sacrifício da vida, inscritos no Código e no Juramento de Honra do cidadão militar»
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Só que os militares não são apolíticos, não são falhos de inteligência e gozam dos direitos de cidadania e dos deveres de respeito pela Carta das Nações Unidas (e resoluções desta), pela Declaração Universal dos Direitos do Homem e pelas Convenções Internacionais, como as de Genebra ou as que tipificam os Crimes de Guerra ou contra a Humanidade.
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A «Honra Militar» não é um albergue espanhol tal como a palavra Camarada. Infelizmente esta é com aparente indistinção utilizada pelos Militares de Carreira, pela «histórica» Mocidade Portuguesa do «Lá vamos cantando e rindo levados levados sim». pelos socialistas, pelo movimento operário e pelos comunistas.
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Quanto à honra militar, ela cobre tudo. Desde a sedição dos generais e tenentes que estiveram à frente do 28 de Maio, incluindo Gomes da Costa, Mendes Cabeçadas, Sinel de Cordes e Óscar Carmona, como aos oficiais que apoiaram uns Salazar ou Caetano (incluindo os coronéis do lápis azul ou a triste «Brigada do Reumático») e outros, insuspeitos de estarem a soldo de Moscovo, que tentaram apeá-lo muitos com o apoio dos EUA, como o Marechal Óscar Carmona, ou os Almirantes Mendes Cabeçadas e Quintão Meireles, ou os Generais Norton de Matos, Craveiro Lopes, Humberto Delgado e Botelho Moniz, ou que não foram «acéfalos», como os Generais Vassalo e Silva, António de Spínola, Costa Gomes e os «sediciosos» capitães de Abril.
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Em 1961, branco nascido em Angola estava em Luanda e como muitos outros interrogávamo-nos porque éramos obrigados a «estudar» a fundo e com pormenor o Puto e não as plantas, os animais, a história, a geografia ... duma terra longínqua em detrimento da realidade que nos cercava, Angola. Orgulhávamo-nos «infantilmente» de Luanda ser a 3ª cidade de Portugal, com os seus arranha-céus, amplos horizontes e avenidas largas.
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Vivi com angústia o desespero dos brancos durante o funeral dos «agentes da ordem» mortos nos ataques do 4 de Fevereiro e o medo dos sucessivos boatos após o 15 de Março de que os negros dos muceques iam descer à cidade do asfalto para massacrar os brancos ou envenenar os depósitos de água.
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Revoltei-me com as chacinas praticadas pela UPA desconhecendo durante anos os massacres da Baixa do Cassange.
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Vibrei com entusiasmo com a frase de Salazar «Para Angola em Força» e estava entre a numerosa multidão que aclamou com delírio a chegada das primeiras tropas portuguesas a Luanda.
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Vibrei com a tomada e «libertação» de Nambuangongo e doutras povoações. Acreditava na multiracialidade de Portugal, sobretudo em Angola, onde não havia o evidente «racismo» da África do Sul e dos ingleses.
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Não defendia então a independência de Angola nem questionava o regime de Salazar nem a sua figura, apresentado como o homem que salvara a Pátria dos descalabros da «anarqueirada» e «desordem» da I República.
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Por influência materna e paterna, ambos engenheiros técnicos, um civil e outra química, apesar de ou por ser contraditória, nunca acreditei na superioridade dos homens sobre as mulheres e nunca também acreditei na superioridade dos brancos nem na inferioridade dos negros, por estes apresentados como «matumbos» (ignorantes), «crianças grandes», «mentirosos compulsivos» ... Afinal eu convivia com eles e o meu pai não era nem nunca foi racista nem até então o ouvira alguma vez defender ou louvar o regime de Salazar, antes de algum lado me viera a convicção, talvez errada, de que em Angola quem vencera as eleições fora o General Humberto Delgado.
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Nunca ouvi ao meu pai uma palavra de justificação e compreensão pelos massacres indiscriminados perpetrados pelos brancos da OPDCA, em cujas missões e expedições me parece nunca participou ou pelos massacres dos militares portugueses. Proibiu-me terminantemente e sem justificações de me inscrever ou participar na OPDCA. Nunca lhe ouvi dizer que os brancos eram superiores aos negros ou defender a inferioridade destes. Nunca o ouvi tomar partido nem pela UPA nem pelo MPLA.
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Após a invasão de Goa, proibiu-me terminantemente de baptizar com o nome de Nehru o nosso cão, dizendo que esse não era nome para dar a um cão, sem mais explicações.
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Surpreendia-me no entanto que aceitasse com naturalidade e para mim contraditoriamente que o patrão branco desse duas chapadas ao criado negro ou que à mínima falta, mesmo sendo homem adulto, um criado negro fosse levado ao chefe do posto, o «Poeira», para levar humilhantes palmatoadas ou ser mesmo condenado (sem julgamento) a uns dias de trabalho forçado na estrada.
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Mas apesar dos meus 15 anos, com a minha inteligência, comecei a registar todas estas contradições. a tomar conhecimento das chacinas dos brancos sobre os negros dos musseques e dos soldados sobre os negros na sua caminhada heróica para Nambuangongo, e a questionar a hipocrisia e mentira do Portugal tolerante, humanista, não racista do Minho a Timor.
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Como muitos outros brancos de Luanda comecei a questionar o comportamento machão e de auto-convencida superioridade das tropas de elite que eram os paraquedistas e aviadores da FAP, que consideravam que todas as brancas eram presa sua rendidas a seus pés e aos seus encantos. Indignámo-nos com a expedição punitiva que os Paraquedistas fizeram lançando uma granada para dentro da pastelaria Versalhes, frequentada pela «alta-sociedade» local, donde alguns deles tinham sido expulsos pelo gerente face ao sistemático assédio às mulheres brancas. Lembro-me das sirenes das ambulâncias que nessa altura atroaram os ares de Luanda.
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Congratulámo-nos com a sua punição expedita e envio imediato para a frente de combate.
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Lentamente fui criando outra consciência, condenando o tribalismo racista da UPA, o apoio que a esta lhe dava o tio SAM, e tornando-me simpatizante do MPLA. E fui-me distanciando das mentiras e do regime de Salazar. No sétimo ano. no Liceu Salvador Correia, nas aulas de Geografia dadas pelo Reitor, amigo da família e meu, o dr. Armindo Gonçalves, apesar dele navegar na órbita do PPD/PSD, que respeito e cuja morte sinto, mesmo depois do 25 de Abril, apesar de reitor saneado do Liceu de Setúbal, nós defendíamos a independência de Angola e uma das minhas «coroas» de glória foi conseguir que a professora de OPAN (Organização Política e Administrativa da Nação), a «Piriquita», na sequência duma hábil sucessão de perguntas minhas, tivesse de reconhecer que face ao que o obrigatório livro único explanava, do ponto de vista teórico nada distinguia o corporativismo português do nacional-socialismo de Hitler e sobretudo do fascismo de Mussolini.
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Não faço revisões do meu passado nem da história, mas coerentemente continuo anti-racista, tolerante para com todos menos em dar Liberdade aos Inimigos da Liberdade, deixei de acreditar na superioridade da civilização cristã e ocidental e considero todos diferentes /todos iguais. Continuo a acreditar na generalidade dos ideais e princípios até agora teóricos da Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão (1791) ou da
Declaração dos Direitos das Mulheres e da Cidadã (1791 - Olympe de Gouges) bem como na Declaração de Independência das colónias britânicas da América em 1776, a a respeitar os decretos da Comuna de Paris e a Declaração Universal dos Direitos do Homem proclamada pela ONU. Com as mesmas reservas relativamente a esta formuladas por José Saramago.
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Regressado em 1975 com a leva dos chamados «retornados», o meu pai manteve-se anti-racista e não xenófobo, tornando-se mais salazarista que Salazar, anti-comunista mas respeitando a coerência de Álvaro Cunhal («esse nunca enganou ninguém») e tendo um asco profundo pelo que considera um oportunista e traidor - Mário
Soares. Nunca o ouvi defender os métodos de tortura da PIDE, embora ele considere que eu e não ele sofremos «lavagens ao cérebro».
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Viu atentamente a série de Joaquim Furtado sobre a guerra em África e confessou que desconhecia factos aí relatados e que eles (os negros) tinham (alguma) razão. Continua mais salazarista que Salazar, apesar de ser um homem inteligente e culto. Vários ex-soldados insuspeitos de simpatia por Moscovo ou Cunhal, ao encontrarem-me na rua, dizem-me com lágrimas nos olhos: é verdade aquilo que mostram mas muitos fomos obrigados a agir assim por ordem dos oficiais.
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Também tenho amigos que foram oficiais milicianos nas frentes de combate que apesar disso não apoiavam a guerra nem os massacres sobre as populações negras que procuraram evitar.
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Sobre o ambiente cultural em que decorreram a minha meninice e adolescência dou conta em «
Luuanda - Escritores Angolanos lá em casa e não só...» e sobre o meu testemunho presencial do 4 de Fevereiro e do 15 de Março falam «O 4 de Fevereiro e o início da guerra em Angola» e «O 15 de Março em Angola».
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A «memória» que tenho dos militares de carreira nesse tempo, que frequentavam a casa dos meus pais, que foram meus professores ou casados com professoras minhas muito mais cultas e aparentemente (?) submissas é que se tratava de marialvas e machistas de vistas curtas. Reconheço que não posso generalizar porque o 25 de Abril veio mostrar que havia generais ou «capitães» de Abril inteligentes, brilhantes e cultos, como Costa Gomes, Melo Antunes ou Vasco Gonçalves. Com objectivos diferentes, tal como os inteligentes António de Oliveira Salazar (apesar do autismo nas duas décadas depois do fim da II Grande Guerra), Mário Soares (por muitos considerado vendedor de banha da cobra) e Álvaro Cunhal. Ou o empresário António Champalimaud.
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Nas vésperas da minha vinda para o Puto para prosseguir estudos universitários, pela madrugada fora o meu pai disse-me que enquanto estudante, nos idos de 1940, fora contactado para ingressar no PCP mas recusara. Seguiu-se depois um longo discurso, que me não metesse na política, que os comunistas mandavam os ingénuos para a frente sendo estes presos enquanto os comunistas ficavam na sombra e escapavam.
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Ao chegar a Portugal verifiquei que a censura era muito mais férrea que em Luanda, mas que podíamos ler nas entrelinhas ou não do Diário de Lisboa ou do República, da Seara Nova, do Tempo e o Modo, do Notícias da Amadora, do Jornal do Fundão (azul) ou o Comércio do Funchal (rosa), do Encontro (da UEC), para além da imprensa do Movimento Associativo Estudantil. Verifiquei que podíamos comparar o noticiário «ofícial» da restante imprensa e da RTP com as clandestinas, quase inaudíveis e «ruidosas» emissões da britânica BBC, da subversiva Rádio Portugal Portugal Livre ou da mentirosa Rádio Moscovo («A verdade é só uma, rádio moscovo não fala verdade»).
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Apesar disso verifiquei então que a censura cultural era muito mais férrea na Metrópole que em Angola. E quando ia a Luanda nas Férias Grandes verifiquei que em Luanda e seguramente em toda a Angola os meios de comunicação tinham passado a afinar todos pelo mesmo diapasão e que a censura se tornara ainda mais férrea. Era uma autêntica lavagem ao cérebro e de nada servia dizer ao meu pai que estavam todos a ser enganados, que se tratava duma guerra económica e internacionalmente perdida, que a «independência», qualquer que fosse o seu sentido, era inevitável. O meu pai, angolano de coração e adopção, zangava-se comigo e acusava-me de sofrer «lavagens ao cérebro», mas embora hoje seja mais salazarista que Salazar, continua não racista nem xenófabo e acredito me dá a razão que então se recusava a aceitar, nem que seja a contragosto e por meias palavras. E acredito que não colaboraria e continuaria adversário de chacinas e banhos de sangue.
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É a vida e são outras visões, tão isentas e aceitáveis como as do respeitável senhor Coronel de Infantaria na reforma.
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O editor esclarece que a escolha das imagens é de sua responsabilidade.
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Em Tempo -

Os massacres cometidos pela UPA em 15 de Março de 1961, chacinando fazendeiros e bailundos (recrutados no Sul para trabalhar para os brancos, uma "traição" para os povos do Norte), foi precedida por um autêntico genocídio e crime de guerra que foi o massacre das populações da Baixa do Cassanje, em Janeiro de 1961. na sequência do qual milhares de camponeses foram assassinados a tiro pela Forças Armadas ou regadas com napalm pela Força Aérea Portuguesa.

A Baixa de Cassange
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"A operação que pôs cobro à revolta dos camponeses da Baixa de Cassange, em Angola, no início de 1961, terá sido o maior massacre cometido pelos militares portugueses no Ultramar. Mas a verdadeira dimensão desta tragédia que começou com uma greve nos campos de algodão e descambou em bombardeamentos de Napalm permanece desconhecida. Uma história de sangue, exploração e misticismo que marcou o princípio do fim do império colonial.
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A primeira de todas as contrariedades que Salazar encontrou nesses tempos desastrosos de 1961 começa a insinuar-se nos finais do ano anterior, pouco depois da independência do Congo Belga depois designado Zaire e actualmente República Democrática do Congo, país com o qual o Norte de Angola partilha não só algumas centenas de quilómetros de fronteira como também afinidades étnicas e culturais.
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A Baixa de Cassange, uma imensa depressão geográfica, tem oitenta mil quilómetros quadrados na sua maioria cobertos por campos de algodão distribuídos pelos distritos de Malange e da Lunda vigiados por uma escarpa abrupta de seiscentos metros de altura. Possuía então cerca de 150.000 almas e mantido por quase 35.000 agricultores e respectivas famílias, todos eles coagidos a cultivar e vender o algodão à empresa concessionária da zona: COTONANG (Companhia Geral dos Algodões de Angola, SARL.), sociedade de capitais luso-belgas, fundada em 1926. As gentes da Baixa de Cassange, mulheres e crianças incluídas, são retiradas das suas aldeias e obrigadas a cultivar o algodão em terrenos indicados pela empresa. Salários não existem. Os únicos rendimentos dos agricultores aparecem no final de cada campanha, com a venda obrigatória do algodão à COTONANG que estabelece preços reduzidos e frequentemente compra produto de primeira classe a valores de segunda.
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Se alguma cheia ou imprevisto acontece nas lavras que tinham a seu cargo, os agricultores ficam entregues ao seu azar: a COTONANG não os compensava pela perda inesperada de um ano de trabalho nem tão-pouco lhes prestava assistência com fertilizantes ou pesticidas. Se o terreno que cultivavam começar a dar sinais de saturação, os capatazes da empresa forçam-nos a deslocar-se para locais a quinze ou vinte quilómetros das suas cubatas e se os campos junto às aldeias são bons para o algodão os agricultores depois de horas a fio de trabalho árduo vêem-se obrigados a percorrer grandes distâncias até às terras afastadas onde já é permitido que cultivem os seus alimentos. Os camponeses da Baixa de Cassage pouco mais são que escravos.
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Esta zona é uma zona fértil para algodão mas também para as tão temidas actividades subversivas que a qualquer momento ameaçam transpor as fronteiras com o Congo independente. Vindos do país vizinho dois agitadores atravessam um afluente do rio Cuango e instalam-se na Baixa de Cassange em Dezembro de 1960. A mando de quem, isso ficará para sempre no segredo dos deuses: UPA, MPLA ou qualquer movimento congolês. Os dois homens chegados do Congo misturam fervor nacionalista com doses maciças de misticismo e dizem-se mandatados por Maria nome derivado do seu inspirador António Mariano, próximo da União das Populações de Angola (UPA).
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Para receberem a salvadora, as populações são submetidas a rituais de iniciação e levadas a respeitar quinze mandamentos. As armas não abundam e as que existem são obsoletas. Mas os sacerdotes dizem ao seu rebanho para não temerem as retaliações dos colonos porque as armas dos brancos apenas deitam água.
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Greve à Plantação do Algodão
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Janeiro é tempo de começar a plantar o algodão. Em vez disso milhares de agricultores furtam-se ao trabalho, entram em greve, recusam-se a pagar a taxa pessoal anual ao Estado português e dizem que seguem as ordens de Maria mas também de Kasavubu e Lumumba, respectivamente o primeiro presidente e o primeiro chefe do governo do Congo livre.
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Os protestos começam na zona do posto administrativo Milundo das mais isoladas e com menos população branca e logo se alastra a áreas com Tembo Aluma, Xandel, Iongo, Xa Muteba, Tala Mungongo e Luremo. Os camponeses da Baixa de Cassange queimam as sementes fornecidas pela COTONANG, agitam as catanas e as ferramentas de trabalho em marchas pelos caminhos de terra que dividem os campos de cultivo, rasgam as cadernetas de identificação, cortam as estradas, matam animais domésticos, destroem pontes e jangadas nos rios Lui, Cuango e Cambo, atacam lojas e armazéns à pedrada e invadem as poucas missões católicas existentes em toda a região, num rebuliço que afugenta alguns comerciantes.
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Na noite de 12 de Janeiro um capataz mestiço da empresa é assassinado a tiro de zagalote quando tentava atravessar uma sanzala do posto de Milando ocupada pelos amotinados. O alerta está lançado. O enxovalho à autoridade dos brancos não pode continuar. Escreve o inspector Manuel Martins em mais um apontamento confidencial do Gabinete dos Negócios Políticos. "Os indígenas dançavam e continuavam ruidosamente, repetindo o refrão "mueneputu tuge ia gingilis" que significa: "o governo português é merda de passarinho".
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A notícia de distúrbios em Milando chega a Lisboa no dia 12 de Janeiro por intermédio de um telegrama do Governador-Geral de Angola, Álvaro da Silva Tavares. A COTONANG pretende que a sublevação seja rapidamente esmagada e não se conforma com a paralisia das autoridades. A produção algodoeira encontra-se parada. A pedido do Governador-Geral as autoridades civis e militares em Luanda reúnem-se para debater a situação. Conclui-se pela necessidade de ocupar militarmente a região que não se pode protelar por mais tempo. Na madrugada de 4 de Fevereiro quando ainda se ouvem os tiros dos distúrbios de Luanda, os homens de 4ª Companhia de Caçadores Especiais (CCE) embarcam material e viaturas na estação de comboios do Bungo em Luanda, põem-se a caminho de Malange e serão os primeiros militares a chegar à Baixa de Cassange, junta-se à 3ª CCE há muito instalada nesta última cidade e fazem parte do Batalhão Eventual de Malange de que era comandante Camilo Rebocho Vaz.
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Estas duas companhias especialmente a 3ª comandada pelo capitão Teles Grilo provocaram numerosas baixas, "umas centenas de negros" como diria Rebocho Vaz. A este número há que juntar um número nunca determinado de mortos pela acção de aviões da Força Aérea, com a utilização pela primeira vez das célebres bombas incendiárias Napalm.
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Texto de Francisco Camacho (jornalista).
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Fontes: Arquivos PIDE/DGS, Arquivo Oliveira Salazar, Arquivo Histórico Ultramarino, Arquivo Histórico da FAP, Arquivo Histórico Militar, John Marcum, "The Angola revolution", Edgar Cardoso, Presença da Força Aérea em Angola, Camilo Rebocho Vaz, Norte de Angola 1961: "A Verdade e os Mitos", Aniceto Afonso e Carlos Matos Gomes, "Guerra Colonial", Fernando Valença, "A Abrilada de 61".
Nota: Alguns dos factos aqui narrados relativos às condições em que se realizavam as culturas algodoeiras na região foram pessoalmente testemunhados pelo signatário que exercia as funções de Administrador de Posto no Cubango, Distrito da Lunda, nos anos de 1956-1957. Queluz, 2005.05.24. Alcídio Reis Esteves".
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http://pissarro.home.sapo.pt/memorias5.htm
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2 comentários:

Quimbanze disse...

Aconselho a leitura do livro Quitexe 61 - Uma Tragédia Anunciada de João Nogueira Garcia

Podem ser lidos extratos em

http://quitexe.blogs.sapo.pt/

e nos blogues associados.

João Luís Garcia

Victor Nogueira disse...


Eduardo Barrigana disse...
Caro Senhor apreciei o seu Bloque muito.
No entanto a sua descrição dos acontecimentos do "Incidente da Versalhes" não estão corretos. Sou amigo chegado do indivíduo que o tribunal denominou como "Principal presumível culpado" Carlos xxx", soldado paraquedista do BCP21 em Luanda.
A granada não foi mandada para dentro da Versalhes como descreve, nem ficou provado que tenham sido os paraquedistas que a lançaram.
Não fez também menção da provocação (uma sova monumental) dada a um paraquedista, que infelizmente bêbedo, tinha provocado alguns distúrbios dentro da pastelaria na véspera.
O incidente foi provocado na realidade pela intervenção da Polícia que se posicionou em frente da pastelaria.
Os paraquedistas estavam na altura ocupando as mesas disponíveis e provocando os empregados pedindo apenas água.
Quando se aperceberam que havia polícia armada em frente à pastelaris, um outro paraquedista telefonou para a Fortaleza e relatou o que se estava passando.
Em resposta um grupo de paraquedistas armados veio nos Unimogs e fez frente à Policia na rua.
A situação ficou rapidamente muito tensa, tendo então ocorrido a deflagração da granada.
O Processo foi se arrastando em Tribunal, testemunhas morreram, outras saíram de Angola por terem terminado o seu serviço militar, e o processo foi julgado como impossível de resolver.
Este incidente devia ser devidamente esclarecido ou pelo menso os envolvidos ainda vivos deviam dar a sua versão dos acontecimentos.
Muito Obrigado, Eduardo d´ Assunção Barrigana, (ebarrigana@gmail.com)

3 de janeiro de 2018 às 22:51

comentário erradamente em https://daliedaqui.blogspot.pt/2008/05/25-de-abril-olhares-entrevistas.html