quinta-feira, 8 de maio de 2008

Cegueira e Injustiça

Cegueira e Injustiça

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* Ricardo Bargão
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O conservadorismo é das coisas que mais dificuldade tenho em aceitar, pois é por base algo um tanto ou quanto anti-natural; na natureza como na vida, tudo muda constantemente e a realidade tal como a conhecemos hoje é feita de mudança e evolução. Como escreveu o poeta, todo o mundo é composto de mudança e portanto, mudam-se os tempos e mudam-se as vontades.

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A mudança deve no entanto ser um estado de alma, provir de dentro para fora e não, de uma forma puramente cosmética, de fora para dentro. Hoje em dia no entanto, vivem-se tempos conturbados em que a mudança é obrigatória e forçada, normalmente á custa de injustiças, começando sempre pelo lado do mais franco, ou seja, na base da pirâmide social, económica ou de responsabilidades. O exemplo, se é que ainda existe algum, deixou de vir de cima. Ora vejamos: o tabaco, hábito até á bem pouco tempo com enorme aceitação social, passou a ser algo completamente reprovável e em vez de se criarem meios para prevenir e diminuir o tabagismo, criando centros de informação e desintoxicação com as fortunas que o Estado arrecada com os impostos sobre este produto, proíbe-se de forma simples e terminante. Foi assim encontrada a forma mais pratica e barata de tentar acabar com o vício, no revelar de uma veia de enorme cinismo numa sociedade e num estado que lucra imenso com este consumo e que até á bem pouco tempo lhe era quase indiferente ou até incentivado. Seguindo a mesma ordem de ideias, na Semana da Moda Espanhola a decorrer em Madrid, proíbe-se de trabalhar as modelos com peso a menos, tentando assim combater o fenómeno da anorexia/bulimia; em vez de se atacar os designer e produtores de moda que escolhem modelos ultra-magras ou mesmos as agências que as incentivam a perder peso, é mais pratico atentar contra o direito ao trabalho e descriminar os profissionais do sector sem lhes dar oportunidade de se reconverterem. Não é que eu seja a favor do tabagismo ou das modelos de passerelle anorécticas, sou é definitivamente contra as injustiças e os cinismos.

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Nesta ordem de ideias, vi ainda á pouco uma reportagem sobre uma mercearia no Bairro Azul em Lisboa, fundada nos anos 30 e que mantém toda sua traça tradicional: prateleiras em madeira, encomendas pelo telefone e entregues em casa, livro de fiados e outros mimos já extintos na maioria dos estabelecimentos. Na reportagem da SIC, os clientes do referido estabelecimento indignavam-se contra o facto da Câmara Municipal de Lisboa querer obrigar o mesmo a modernizar-se, alterando as suas características tradicionalistas e históricas, mudando entre outras coisas, as prateleiras de madeira, para outras de alumínio ou outro material mais lavável.

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Volto a afirmar que não sou contra a mudança, nem a modernização, nem a higienização, nem contra o cumprimento da lei, antes pelo contrário. Mas será que a CML não tem mais que fazer do que se preocupar com uma micro-empresa num pequeno bairro da capital? Como é que pode estar tão obstinada na remoção de uma simples nódoa, quando existem toneladas de bosta para remover e por em ordem na cidade? Será que a CML á tão cega que não consegue ver que no Bairro Alto, por exemplo, mais de metade dos estabelecimentos estão a funcionar de forma completamente ilegal, sem alvará, sem condições de higiene e sem o cumprimento dos requisitos mínimos previstos por lei? E que apesar disso, abrem novos estabelecimentos ilegais todos os meses, alguns mesmo á porta da Junta de Freguesia da Encarnação?

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Sempre ouvi dizer que o maior cego não é o que não vê, é aquele que não quer ver. Também sempre me ensinaram que a justiça deve ser cega e pelos vistos, já aprendi, que a injustiça também o é.

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