quinta-feira, 8 de maio de 2008

25 de Abril - «olhares» - «entrevistas» - «verdades» (7)

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General Lemos Ferreira (1)

(...) P: Gostaria que abordasse os acontecimentos vividos no 25 de Abril..

R: Regressado da Guiné em Janeiro de 1974 no posto de coronel, fui colocado na Chefia da Divisão de Operações do Estado Maior da Força Aérea, em Lisboa. Aí assisti ao que se passou no 16 de Março de 1974 e ao fracasso que representou, mas não me preocupei muito com o facto, dadas as pessoas que, na época, exerciam a chefia superior das Forças Armadas - Generais Costa Gomes e António de Spínola - que justificavam confiança e respeito, por força do seu passado.

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Quando ocorreu o 25 de Abril, encontrava-me em Angola, incluído numa missão oficial de trabalho do Secretário de Estado da Aeronáutica, General Polleri. Depois de termos contactado os comandos locais das várias zonas, desde o Leste ao Norte, verifiquei que a situação de normalidade se mantinha, tal como a tinha conhecido em 1971. Quis o destino que fosse no último dia da visita e no Negage, a 25 de Abril, que tivemos conhecimento dos acontecimentos de Lisboa.

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Regressados a Luanda sem problemas, constatámos que, quer o Governador, quer o Comandante-Chefe, tinham actuado da melhor forma possível, recomendando calma às populações.

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O Comandante-Chefe fizera mesmo um comunicado afirmando que as Forças Armadas tinham uma determinada missão a cumprir em Angola e que continuariam a cumpri-la, até ser eventualmente alterada por quem de direito. Por estas ou por outras razões, na altura e nos dois dias seguintes, a situação em Luanda aparentava ser completamente normal.

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Entretanto, apesar de ter sido decidido sair desta cidade logo na tarde do dia 26, o avião militar que nos transportaria para Lisboa, um Boieng 707, empanou, pelo que ficámos retidos um dia a aguardar a reparação.

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Curiosamente, o referido avião ainda veio carregado com bombas de aviação, de 500 e 250 libras, oriundas da África do Sul e destinadas à Guiné, onde havia falta deste material, como acontecia do antecedente. Chegados a Bissau, foi necessário esperar umas horas pelo General Bettencourt Rodrigues que tinha sido afastado das suas funções, conjuntamente com alguns oficiais do Comando-Chefe.

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Em acontecimentos a que não assisti, alguns militares teriam invadido aquele Comando e destituído as principais chefias, enviando-as para Cabo Verde num avião Nord Atlas da FAP.

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Assim, facilmente se compreende que o referido General se mostrasse encrespado no seu regresso de Cabo Verde com destino a Lisboa. No avião, durante o percurso, o General Bettencourt Rodrigues acabou por se tranquilizar e desabafar, contando algumas das peripécias menos dignas ocorridas com ele, em Bissau, dias antes.

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Chegado a Lisboa na noite de 27 de Abril, sábado, fui para casa e passei o domingo a ler os jornais atrasados e os do dia, bem como a observar as novas vedetas da Televisão. Apercebi-me estar em marcha, claramente, uma determinada orientação generalizada ao conjunto dos meios da Comunicação Social.

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Apresentado ao serviço na 2.ª feira, continuei a desempenhar as funções de Chefia da Divisão de Operações do Estado Maior da Força Aérea e, nos dias seguintes, fui progressivamente tomando contacto com as novas estruturas e pessoas que iam aparecendo, muitas delas completamente desconhecidas para mim.

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Os problemas na hierarquia das FA

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P: Como se processou a nomeação do Chefe do Estado Maior da Força Aérea ?

R: Na época, o CEMFA era o General Mera, que iria atingir o limite de idade dentro de poucas semanas. Por isso, no interior da Força Aérea, desde há vários meses que se referia ser o General Diogo Neto, quem deveria substituí-lo por ser o militar mais capaz. Naquela altura, este General encontrava-se em comissão de serviço em Moçambique, pelo que quando foi nomeado CEMFA demorou alguns dias a chegar a Lisboa.

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Por isto, quando ocorreu a apresentação pública dos membros da JSN, o General Diogo Neto não apareceu, dado estar ainda naquele território a processar a entrega do seu comando ao seu substituto.

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No decurso da breve cerimónia da posse do cargo de CEMFA pelo General Diogo Neto, aconteceu uma cena infeliz por parte de quem o empossou, (2) porquanto foi proferida uma forte diatribe contra os generais, em geral. Estando presente, pensei que se estava a cometer um erro grave que teria fortes repercussões negativas no futuro próximo.

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P: Isso sucedeu ainda antes do 1.º de Maio ?

R: Sim, a tomada de posse foi anterior a essa data.

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P: O que sucedeu a seguir ?

R: Cerca de um mês e meio depois, por volta dos princípios de Junho, fui convocado para uma reunião alargada, no auditório do actual IDN, presidida pelo General Spínola, em que este já se queixava de estar a ser atraiçoado. Recordei, então, o que se passara no acto de posse do CEMFA, em que se tinha humilhado a hierarquia desnecessariamente.

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De facto, sendo a natureza humana a que é, no contexto da Instituição Militar não se podem ignorar princípios básicos, sem o risco de procederem connosco de forma semelhante ao que possamos ter feito aos outros. Por estas e outra razões, a estrutura hierárquica militar abanou excessivamente no pós-25 de Abril e, durante tempo a mais, não houve coragem para agarrar a situação, com graves consequências negativas decorrentes para o País.

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O 28 de Setembro

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P: Sobre o sucedido no 28 de Setembro e o seu relacionamento com o problema angolano, tem algo a referir ?

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R: Os meus contactos com os elementos da JSN foram muito poucos, pois tratava-se de um órgão com vida curta, por motivos que eram óbvios para mim.

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Neste enquadramento, a luta pelo poder, no interior e exterior da JSN, foi algo que passou ao meu lado, com a circunstância adicional de me encontrar em Angola, desde Agosto até 27 de Setembro, em missão temporária de serviço. Na verdade, fora nomeado pelo CEMFA para cooperar com a Junta Governativa de Angola, no sentido de proceder a um estudo prévio técnico visando o levantamento e o desenvolvimento dos sete principais aeroportos angolanos, bem como a modernização da rede de serviços aeronáuticos e dos sistemas de comunicações, etc.

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Chegado a Lisboa a 27 de Setembro, uma sexta-feira, ao apresentar-me no Estado Maior, verifiquei haver bastante agitação devido à prevista manifestação da maioria silenciosa para o dia seguinte. O General Diogo Neto perguntou a minha opinião e eu disse-lhe que não fazia a mínima ideia, dado o meu afastamento de Lisboa durante as últimas semanas.

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Nessa noite, em Setúbal, onde vivia e vivo, a certa altura apercebi-me que as emissoras oficiais estavam a transmitir somente música clássica e que havia movimentação desusada na proximidade da minha casa.

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Saí para ver o que se passava e constatei estarem a montar barricadas na EN n.º 10, tal como aconteceu em muitas estradas do País. No dia seguinte, deu-se a junção das forças militares aos populares, que pareciam representar os partidos políticos esquerdistas.

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O resto do 28 de Setembro decorreu da maneira que é conhecida historicamente. Recordo, na oportunidade, a invenção da grande quantidade de armas que estariam circulando pelo País, exercendo-se forte acção psicológica e de manipulação sobre as pessoas...

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P: De modo a aterrorizá-las ?

R: Isso por um lado e, por outro, levá-las a acreditar que as barricadas, as revistas às pessoas e outras acções igualmente condenáveis teriam justificação.

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NOTAS:

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(1) Entrevista ( 1.ª Parte )

José Lemos Ferreira nasceu em 23-6-1929, em Portalegre.

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Voou vários tipos de aviões de instrução, de combate e de transporte, quer de propulsão a hélice, quer com motores a jacto, tendo atingido um total de cerca de 11.000 horas de voo.

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Efectuou duas comissões de serviço no Ultramar. Uma na Índia, que terminou por força da invasão pela União Indiana e outra na Guiné, em 1971-74. Promovido a Brigadeiro Piloto Aviador em Agosto de 1974, desempenhou sucessivamente as funções de Director do Serviço de Instrução, Sub-CEMFA para o Pessoal, Sub-CEMFA para a Logística e Administração e CEMFA a partir de Janeiro de 1977. Desempenhou as funções de CEMGFA desde Março de 1984 a Março de 1989.

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É condecorado com a medalha de Valor Militar e a Ordem Militar da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito, entre outras.

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Estava na reforma, quando foi entrevistado em 29-7-1997, em Lisboa.

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(2) Foi o então General António de Spínola, Presidente da Junta de Salvação Nacional.

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Do Livro:

"Memórias da Revolução" uma Obra Histórica de Autoria do Cel. Manuel Amaro Bernardo.

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1 comentário:

Eduardo disse...

Caro Senhor apreciei o seu Bloque muito.
No entanto a sua descrição dos acontecimentos do "Incidente da Versalhes" não estão corretos. Sou amigo chegado do indivíduo que o tribunal denominou como "Principal presumível culpado" Carlos xxx", soldado paraquedista do BCP21 em Luanda.
A granada não foi mandada para dentro da Versalhes como descreve, nem ficou provado que tenham sido os paraquedistas que a lançaram.
Não fez também menção da provocação (uma sova monumental) dada a um paraquedista, que infelizmente bêbedo, tinha provocado alguns distúrbios dentro da pastelaria na véspera.
O incidente foi provocado na realidade pela intervenção da Polícia que se posicionou em frente da pastelaria.
Os paraquedistas estavam na altura ocupando as mesas disponíveis e provocando os empregados pedindo apenas água.
Quando se aperceberam que havia polícia armada em frente à pastelaris, um outro paraquedista telefonou para a Fortaleza e relatou o que se estava passando.
Em resposta um grupo de paraquedistas armados veio nos Unimogs e fez frente à Policia na rua.
A situação ficou rapidamente muito tensa, tendo então ocorrido a deflagração da granada.
O Processo foi se arrastando em Tribunal, testemunhas morreram, outras saíram de Angola por terem terminado o seu serviço militar, e o processo foi julgado como impossível de resolver.
Este incidente devia ser devidamente esclarecido ou pelo menso os envolvidos ainda vivos deviam dar a sua versão dos acontecimentos.
Muito Obrigado, Eduardo d´ Assunção Barrigana, (ebarrigana@gmail.com)