sexta-feira, 9 de maio de 2008

25 de Abril - «olhares» - «entrevistas» - «verdades» (9)

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Na foto - Ramalho Eanes - o «estratega» do 25 de Novembro


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Tenente General Tomé Pinto (1)

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P: Encontrava-se em Angola no 25 de Abril. Gostaria de saber a sua opinião sobre o sucedido nesse território ?

R: Desempenhava as funções de Chefe da 2.ª Repartição do Comando-Chefe de Angola. Era o oficial mais jovem nesse tipo de cargos. Assim, através de oficiais do meu departamento, fui apercebendo-me dos problemas profissionais existentes nas camadas mais novas, verificando haver ligação entre Luanda e Lisboa e vice-versa, nas movimentações do designado Movimento dos Capitães, então ocorridas e muitos dos telefonemas eram feitos do meu gabinete.

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Um desses oficiais e certamente dos mais entusiastas e conhecedor do desenrolar dos acontecimentos, Capitão de Cav.ª Vilas Boas, encontrava-se no estudo da informação (parte externa) e, dentro dos princípios de lealdade, de camaradagem e amizade, que eram seu timbre, íamos conversando sobre o assunto.

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Recordo, também, um indivíduo, cujo nome não lembro, do quadro da DGS, do tipo intelectual - que me ofereceu alguns dos livros proibidos, pois tinha funções de revisor, com vista à censura das publicações -, com quem conversava sobre a situação geral e a necessidade de vir a ser alterada. Numa das ocasiões, até me alertou para que avisasse um capitão, então colocado em Carmona (Uíge), por se estar a exceder na linguagem, havendo um seu adjunto que, por querer mostrar serviço, poderia arranjar-lhe problemas...

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P: Na sua opinião a DGS de Angola não estava muito actuante...

R: Estava mais passiva do que agressiva, nesta questão do Movimento dos Capitães. Depois, fui testemunha de dois ou três, em Tribunal, e fi-lo em consciência. Um deles foi aquele elemento atrás referido que, já na ocasião, era motard, percorrendo a Europa nas suas licenças. Portanto um espírito aberto à renovação.

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Pode dizer-se que, em Angola, existiam duas facções da DGS. Uma mais aberta, de que faria parte o Director São José Lopes e outra, mais virada para a zona urbana, um tanto anquilosada.

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Recordo ainda que, na perspectiva de abertura no meio militar, ter admitido, num briefing, a necessidade de haver uma tomada de posição do poder político central sobre o Ultramar, até 23 de Setembro de 1974, dia da abertura da Assembleia das Nações Unidas, onde já existiam 60 países a considerar Portugal como um país agressor.

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Esta preocupação não era tanto pelo que sucedia em Angola, onde a situação militar estava controlada, diria mesmo, resolvida, mas na Guiné...

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Situação dos movimentos de libertação angolanos

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P: Em termos relativos quais eram os movimentos mais fortes, em Angola ?

R: Os três eram relativamente fracos e sem significado militar.

O mais forte, em termos políticos e com ligações internacionais, era o MPLA. No entanto, no aspecto militar já tinha pouco significado, ficando ainda mais debilitado com as divisões internas, entretanto ocorridas.

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A UNITA estava controlada pela nossa parte, apesar de, em Janeiro de 1974, ter havido uns graves incidentes, quando nos matou 23 militares, no Leste, tendo quebrado o entendimento reinante, sem aviso prévio....

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P: Há quem diga que isso teria sido provocado pelo General Hipólito...

R: Não considero assim. Se bem que ele não tivesse tanta flexibilidade e argúcia, como fora a actuação do General Bettencourt Rodrigues...

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A FNLA tentava algumas infiltrações esporádicas, com cerca de 100 ou 200 elementos mas, com o nosso sistema de informações, conseguíamos detectá-los e, muito dificilmente chegavam ao coração do Norte de Angola. Com esse esquema e utilizando helicópteros, eram detectados e atacados, passados cerca de três dias após atravessarem a fronteira, o que os obrigava a regressar ao Zaire.

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Assim, pode dizer-se que a situação estava sob controlo e sem tendências para a guerrilha crescer, porque o desenvolvimento económico e social era de tal monta, que tornava injustificado esse tipo de actividades. Isto é, os anseios dos angolanos, que estavam contra a situação política, ao assistir àquele crescimento económico-social, acabavam por não ter argumentação, pois que alguns dos objectivos da sua luta estavam a ser alcançados.

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Deste modo, estariam menos dispostos a combater. Para conversar e politizar arranjam-se sempre pessoas, agora para combater e viver com sacrifício é bem mais difícil.

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P: Em relação ao comportamento dos nossos militares...

R: Havia um clima de entendimento, disciplina, confiança, dádiva à missão mas com uma certeza, da maior parte dos militares, de que a mudança política da situação relativa ao Ultramar seria inevitável, a maior ou menor prazo. Daí a minha atitude referida naquele briefing. Não tanto por Angola, mas fundamentalmente pela Guiné, como já referi. Porque, em relação a este território, na arena política internacional, a pressão era muito grande, embora o General Spínola tenha promovido, de forma significativa, o desenvolvimento económico e social. No entanto, dada a pressão internacional, a dimensão do território, a qualificação dos guerrilheiros e os meios materiais que utilizavam, estava criada uma situação complicada para Portugal. Em Moçambique, a conjuntura também estaria controlada e a guerrilha não seria uma ameaça muito consistente. O desenvolvimento económico e social, a fixação das populações, o desenvolvimento do ensino, a formação de novos quadros, a fixação de muitos quadros idos da Metrópole, uma nova mentalidade e entrosamento entre pessoas e populações foi a arma de sucesso a partir de Portugal. O feitiço africano fez o restante.

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Apesar disso a pressão internacional iria agravar-se, havendo necessidade de uma mudança da nossa política externa. Daí, ter-se constado haver contactos para uma aproximação. Mas nós, os militares no terreno, não sentíamos que tal estivesse a acontecer.

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Então, o problema dos capitães, inicialmente apenas relativo às suas carreiras, viria a enveredar pela área política, admito que a partir de Janeiro de 1974. Isso notou-se também em Angola, onde o pessoal, estando atento, acompanhou e deu uma contribuição muito firme para a evolução daquela movimentação...

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Do 25 de Abril aos problemas de Silvino S. Marques

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P: Gostaria agora que referisse o sucedido no 25 de Abril...

R: Com o ambiente social existente, a vida em Luanda e em toda a Angola era agradável... Lembro que a maior percentagem dos efectivos militares já eram de origem angolana.

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Aquando do 25 de Abril, quero referir um aspecto interessante, no referente ao comportamento humano. Até dias antes, a maioria dos oficiais procediam de forma disciplinada e hierarquizada; acontece o 25 de Abril e recordo que, quando o Brigadeiro Oliveira Rodrigues, Chefe do Estado Maior do Comando-Chefe, regressou a Lisboa, apenas estavam dois ou três oficiais no aeroporto militar, à sua despedida, porque, naquele momento, estava chegando ao aeroporto civil, uma delegação de oficiais do MFA. A tendência de estar ao lado do poder e junto dele é tão velha como o homem... salvos raras excepções dos chamados teimosos e/ou de forte personalidade.

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Assistiu-se, assim, a uma rápida evolução descontrolada, com indisciplina em determinadas áreas... Entretanto, fiz algumas reuniões de informação com elementos de vários partidos, incluindo os recém-formados... Ia alertando para a necessidade de haver um comportamento muito ponderado...

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P: Apesar disso, a instabilidade passou a instalar-se em Angola e, nomeadamente, em Luanda ...

R: Claro! A segurança e a confiança existente do antecedente acabou por degenerar em desconfiança. Num determinado dia, aconteceu mesmo uma marcha de soldados naturais de Angola, que desceu desde o Quartel General até à fortaleza do Comando-Chefe, com um qualquer tipo de reivindicação...

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P: Estava a acabar a sua comissão ?

R: Sim. Lembro-me de ter embarcado dois dias antes do Almirante Rosa Coutinho chegar a Angola. O General Silva Cardoso ainda me convidou para continuar lá, dado o conhecimento que possuía do território e populações. Não aceitei por considerar aquela situação muito complexa. Ainda bem que o fiz, face ao que viria a ocorrer posteriormente...


Naquele período apareceram problemas em Cabinda e em muitos outros quartéis...


Um descontrolo completo, que não se chegava a entender. Não havia razões para tal descalabro...


P: Considera que tal terá sido alimentado nesse sentido ?

R: Sim. Pois bastava alguém levantar o braço, para os outros o seguirem... A instabilidade em Lisboa era grande e o slogan nem mais um soldado para as colónias deu os seus frutos. O processo entrou em descomando...

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P: Qual a opinião que tem da actuação do então Major Pezarat Correia ?

P: Era e é um oficial qualificado, sendo um dos militares envolvidos no controlo do pessoal de operações irregulares (Catangueses, TEs, Flechas, etc.) e com quem sempre tive boas relações; mas não imaginava a preponderância, que viria a adquirir em todo o processo revolucionário.

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Lembro-me que, ainda com o General Silvino Silvério Marques, como Governador, no início de uma reunião realizada no Comando-Chefe, correspondente em Lisboa, ao Conselho Superior de Defesa Nacional, onde eu estava, como entidade convidada, para formalmente emitir opinião sobre a situação geral, aparecerem o Pezarat Correia, o Major Teixeira Gil dos Comandos e um outro oficial. Ao abrir a sessão, o General Silvério Marques disse das razões de estarem ali reunidos e estranhou a presença daqueles oficiais pelo que os inquiriu. Disseram ser elementos do MFA e que Lisboa sabia daquela situação.

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O Governador referiu, então, estar a exercer as suas funções com a confiança da JSN e do PR, acrescentado que não sendo seus convidados, deveriam ser expulsos. Mas, considerando que já ali estavam, poderiam continuar a assistir aos trabalhos do Conselho. Aquele General apenas viria a permanecer cerca de um mês, em Angola, à frente do Governo Geral.

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O regresso a Lisboa

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A minha comissão, que terminara em Maio, foi continuada por mais um ou dois meses e em Julho, regressei a Lisboa. Vim a saber que houve oficiais a tentar manter algum controlo naquela situação, como o Brigadeiro Heitor Almendra, o General Gonçalves Ribeiro e muitos outros. Este último geriu de forma eficiente e excepcional o regresso do pessoal civil de origem metropolitana e outro nascido já naquele território, de modo a que, quem quisesse vir, o pudesse fazer. Foi de tal forma que, em poucos meses a população portuguesa aumentou 7%. Foi a grande questão dos retornados e dos seus dramas pessoais.

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No continente também fomos excepcionais na recepção desse pessoal, já que, por exemplo, enquanto os franceses revelaram uma certa incapacidade para resolver o regresso dos seus nacionais aquando da questão argelina, nós conseguimos absorver esse aumento impressionante de população.

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Quem vinha de lá contava-me o que ia ocorrendo, com todos aqueles incidentes entre pessoas e instituições e a desagregação da estrutura do Estado. Poderia ter sido de outra forma ? Talvez sim, talvez não. Todos fomos apanhados um pouco inocentemente na enxurrada em África e, em Lisboa, o descontrolo e a instabilidade não permitiram que o processo, afinal por todos desejado, fosse controlado. Nos tempos de hoje tenho presente a descolonização inglesa e o desmembramento do apartheid, na África do Sul... e felizmente o processo de Macau, que espero nos dignifique e nos honre a todos nós.

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NOTA:

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(1) Entrevista ( 1ª Parte ).

Alípio Tomé Pinto nasceu em 14-1-1936, em Maçores (Trás-os Montes).

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No pós-25 de Abril participou activamente nos acontecimentos que, em 25 de Novembro de 1975, levaram à consolidação da democracia em Portugal.

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Foi Comandante Geral da GNR em 1982/88, onde desenvolveu significativa actividade no âmbito da ordem pública e da reestruturação orgânica e estatuária. Entre outras condecorações foi distinguido com a Medalha de Valor Militar com palma e ferido em combate por duas vezes.

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Era consultor de empresas quando foi entrevistado em 22-12-1997, em Lisboa.


in Portugalclub (realces da responsabilidade do PortugalClub ?).

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Do Livro "Memórias da Revolução" de Autoria do Coronel Manuel Amaro Bernardo.

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