sexta-feira, 16 de maio de 2008

25 de Abril - «olhares» - «entrevistas» - «verdades» (17)


Pergunta: Depois chegou o Rosa Coutinho...

R: Ele era um homem obscuro. Foi a alma negra daquilo tudo.

Ten-Coronel Capelão João Diamantino (1)

P: Onde estavas a prestar serviço, aquando do 25 de Abril?

R: Encontrava-me em Angola, donde regressei em Dezembro/74.

P: Qual era a situação nesse território, quando ocorreu aquele golpe?

R: Estava apaziguada. Aquilo que era seguro antes do 25 de Abril, deixou de o ser depois desta data. Antes, quando me deslocava de Carmona (Uíge) para Luanda vinha sozinho num jeep, sem qualquer problema. Depois, a segurança passou a ser menos responsável...

Por exemplo, naquela cidade o MPLA entrou com armas e bagagens e ocupou o hotel, colocando uma sentinela à porta. A UNITA também montou uma sede. Julgo que a FNLA não chegou a entrar, pelo menos enquanto lá estive.

P: Entretanto tinha recomeçado a actividade de guerrilha?

R: Tiros não, mas passaram a colocar minas. Ocorreu uma cena com os militares da Mucaba, em que este pessoal foi solicitado para ir buscar uma mulher grávida da população local. No regresso, uma mina matou essa mulher e o cabo condutor da ambulância. Então os militares ficaram revoltados e queriam actuar contra os dos movimentos. Lá tive que ir, como capelão da Zona Militar, apaziguá-los.

P: Entretanto vieste cá de férias...

R: Sim, no mês de Maio. Apercebi-me que era uma vergonha o que sucedia no Continente. No Fundão, um irmão meu ainda foi perseguido....

Na zona de Castelo Branco faziam manifestações do MRPP e da UDP. Normalmente quando surgia uma manifestação, aparecia uma outra contra, com a maioria do povo, havendo naturalmente incidentes e confrontos.

P: E o PCP não actuava ?

R: Não era visível, mas pressupunha-se que estaria por detrás.

P: Voltáste, entretanto a Angola...

R: Sim. Em Junho de 1974 já se notava um certo temor, alguma instabilidade e irresponsabilidade. Se alguém apanhasse um tiro, não apareciam os responsáveis.

P: Depois chegou o Rosa Coutinho...

R: Ele era um homem obscuro. Foi a alma negra daquilo tudo.

Uma pessoa que poderá esclarecer o sucedido é o General Tomé Pinto, que se encontrava em Luanda. A insegurança já grassava na capital...

NOTA:

(1) Entrevista( 1.ª Parte )

João dos Santos Diamantino nasceu em 26-9-1932. Padre católico, foi incorporado nas Forças Armadas em 1959. Como tenente fez uma comissão em Angola até 1970.

Depois, de regresso ao Continente, foi colocado como capelão da EPA, em Vendas Novas. Promovido a capitão em 7-12-1970, viria a fazer uma segunda comissão em Angola: 1972 a Dezembro de 1974.

Após passar, de novo, pela EPA, foi nomeado capelão da RMS, em Évora, sendo promovido a major em 9-12-1976.

Encontrava-se na situação de reforma, quando foi entrevistado em 29-1-1996, em Évora.

Só lamento que a Instituição Militar, posteriormente, não tivesse força para verificar quem agiu com tanta falta de isenção nesses tempos conturbados...

Ten-Coronel Capelão João Diamantino (1)

P: Depois do 28 de Setembro a situação agravou-se ?

R: O Rosa Coutinho mandou desarmar os brancos, incluindo as pistolas de defesa pessoal...

P: Quando é que isso ocorreu ?

R: Em Outubro ou Novembro.

P: Os brancos começaram a sair de Angola, devido à insegurança ?

R: Sim, muitos o fizeram. Mas também lá ficaram bastantes, iludidos com as promessas feitas de que poderiam permanecer. O que não se concretizou, como se sabe...

P: Estás convencido de que o Rosa Coutinho fez pender a balança para o lado do MPLA, em desfavor dos outros movimentos?

R: Absolutamente. Não tenho dados concretos para provar isso. Mas que foi assim não tenho dúvidas.

P: Os brancos estavam mais ligados à UNITA ?

R: Julgo que não o estariam em relação a nenhum dos movimentos. Encontravam-se naturalmente ligados a nós.

Mas a maior desgraça do sucedido resultou para o povo angolano, que não será unificado se não tiver um elemento aglutinador e que eram os portugueses.

O país chamado Angola não existia há séculos atrás. Naquele território falavam-se cinco línguas. Foi criado pelos portugueses, incluindo as fronteiras...

P: Regressáste a Portugal, em fins de 1974...

R: Sim. Em 21 de Dezembro e depois de um mês de férias fui colocado em Elvas, a aguardar uma próxima vaga na EPA, em Vendas Novas.

Naquele quartel (Elvas) pode-se dizer que ainda havia alguma normalidade, em relação à disciplina. Encontrava-se lá o Capitão Gastão Silva, um homem inteligente, que sabia conduzir aquela situação...

P: Ocorreu o 11 de Março...

R: Ainda lá estava. Julgo que os helicópteros passaram por cima daquela cidade...

P: Qual a tua opinião sobre o sucedido nessa data ?

R: Considero que foi uma guerra, em que alguém caiu numa esparrela e foi enganado...

O revolucionário Andrade da Silva...

P: Quando foi que te apresentáste na EPA ?

R: Foi no 1.º de Maio. Fui encontrar a Escola num estado de grande degradação da disciplina. O comandante era o Coronel Sousa Teles...

P: Quem eram os revolucionários que lá foste encontrar ?

R: Com uma surpresa muito grande encontrei o então Tenente Andrade da Silva, que era quem lá mandava ..

P: E outros oficiais demitiram-se da sua autoridade ?

R: Eles faziam participações, que eram abafadas. Recordo-me de uma cena, numa altura em que foi necessário levantar munições numa arrecadação, para ir fazer tiro na Carreira da Unidade. Então o cabo quarteleiro disse que apenas as entregava, com autorização do Tenente Andrade da Silva...

P: Tinha, então, o controlo da Unidade ...

R: Completamente. Mas o que admirava mais foi a volta de 180º em relação à sua maneira de proceder anterior. Quando lá estive com ele, entre 1970 e 1972, tratava o pessoal com grande agressividade, sendo muito autoritário. Recebi nessa época vários alunos a chorar, sendo alguns até maltratados. Depois apareceu armado em revolucionário, mas de conveniência... De revolucionário tinha pouco...

P: Exercia actividades fora da Unidade...

R: Não parava na Escola. Lá dentro nunca consegui encontrar-me com ele. Andava nas ocupações da reforma agrária dos comunistas.

P: Quando lá chegáste, essas ocupações já estavam a decorrer?

R: Sim. Deram-se a partir do 11 de Março...

P: Em todas as áreas ?

R: Não. As terras da serra, que não estavam tratadas, normalmente não eram ocupadas... Interessavam-se mais por aquelas de regadio, que tinham uma boa produção...

P: Ele não andava sozinho ?

R: Tinha uma equipa, que integrava um furriel. E quando saía para fora, andava normalmente com cerca de quatro soldados armados. Eu apenas estive com ele, em Vendas Novas, cerca de dois meses, pois foi colocado no Quartel General. Nessa altura a Região Militar já era comandada pelo Pezarat Correia e julgo que eles não se deram muito bem...

Entretanto os SUV apareceram na região de Évora. Então, até chegou a ir, a uma varanda do Quartel General, receber o apoio desse tipo de manifestantes. Acabei por o encontrar apenas uma vez nessa cidade, quando lá fui colocado, em meados de Novembro de 1975 e dei-lhe uma ensaboadela...

Acompanhando uma dinamização cultural

P: Também estivestes em Julho de 1975 a acompanhar uma daquelas denominadas dinamizações culturais, que se faziam na província ?

R; Sim. Fui nomeado em diligência para a Academia Militar. Havia dois oficiais milicianos muito revolucionários que andavam a fazer a sua campanha política a favor da aliança Povo/MFA, querendo utilizar uns cartazes com o Vasco Gonçalves.

Eu dizia-lhes: No dia em que vocês distribuírem esses cartazes, vou-me embora... Andavam mais nos vinhos e petiscos. Isto na zona da Guarda.

Às tantas passou-se uma cena curiosa. Quando andavam a vitoriar o Vasco, como eles diziam, apareceu o director de uma cooperativa vinícola local, que lhes perguntou ? Mas qual Vasco? O Vasco da Gama ?. Iam-se metendo pelo chão abaixo. Aquilo durou cerca de quinze dias e ocorreu quando o Mário Soares fez a manifestação da Fonte Luminosa, a 19 de Julho.

Nessa altura, aqueles dois revolucionários chegaram a distribuir armas para ir defender a revolução, como eles diziam...

Só lamento que a Instituição Militar, posteriormente, não tivesse força para verificar quem agiu com tanta falta de isenção nesses tempos conturbados...

NOTA:(1) Entrevista ( 2.ª Parte ) realizada em 26-1-1996.

do Livro "Memórias da Revolução" de Autoria de Manuel Amaro Bernardo

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