sexta-feira, 2 de maio de 2008

Ayahuasca: patrimônio da cultura brasileira



A Amazônia Brasileira tem particularidades que só entende com mais precisão quem nela mora ou quem, como muitos, resolvem adotá-la em seu coração. Dizem os mais antigos que aqueles que entram na floresta, que se banham nos igarapés ou ouvem o som dos pássaros da mata não se esquecem jamais. Nisso eu acredito.

Por Perpétua Almeida*



Nessa vasta diversidade cultural, que é influenciada pelos costumes indígenas e pelas crenças trazidas pelos que chegaram para morar na Amazônia, nasce uma religião tipicamente brasileira. Falo do daime, ayahuasca, chá, vegetal. Dentre outras, são estes os nomes dados à união de duas plantas oriundas da floresta que num processo de infusão das folhas da Psychotria Viridis – rainha ou chacrona (um arbusto) e da Banisteriopsis Caapi - mariri ou jagube (um cipó) surge um chá que é usado em rituais culturais e religiosos. Temos ainda que considerar o uso milenar pelos indígenas nos seus rituais específicos, que vêm dos povos pré-colombianos da América do Sul. Mas é no contexto urbano, há cerca de 40 anos, que a expansão chegou a diversas cidades brasileiras e até no exterior.


O Conselho Nacional Anti-Drogas publicou, em novembro de 2006, um relatório produzido por um grupo interdisciplinar onde se fizeram presentes representantes das três linhas originárias: o Alto Santo - criado pelo Mestre Raimundo Irineu Serra e aqui não abro um parêntese, mas meu coração para registrar o profundo respeito e carinho pela Madrinha Peregrina; a Barquinha - pelo Mestre Daniel Pereira Mattos, através do qual manifesto também a grande consideração por Francisco Araújo; e o Centro Espírita Beneficente União do Vegetal - pelo Mestre José Gabriel da Costa, segmento com o qual tenho profundas ligações emocionais através dos meus padrinhos de batismo Sr. Gaim e dona Amaríades que pertencem a União do Vegetal, e que foram fundamentais no meu processo de construção como ser humano, ensinando-me através de seu exemplo a convivência pacífica, democrática e engrandecedora com outras religiões. Destas três linhas, a União do Vegetal se origina em Rondônia e as demais no Acre.


O relatório, de um órgão ligado diretamente à Presidência da República, reitera a liberdade do uso religioso da ayahuasca, considerando a inviolabilidade de consciência e de crença, além da garantia de proteção do Estado às manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, com base na Constituição Federal. Aponta ainda que a liberdade religiosa e o poder familiar devem servir à paz social, à qual se submete a autonomia individual.


Há ainda os que confundem a bebida com droga, por conta das reações percebidas por cada pessoa. Pesquisas científicas nas modalidades da farmacologia, pscicologia, antropologia, direito, química, dentre outras áreas acadêmicas, apontam para a comprovação que o governo brasileiro já publicou: o chá não é droga.


Os adeptos desse sincretismo religioso somam milhares e milhares de famílias. Ligados umbilicalmente à preservação da natureza, porque dela precisam para o plantio do cipó e da folha, esses cidadãos contribuem para a busca de uma sociedade mais justa e pacífica, com respeito à legislação nacional.


Na Amazônia, com mais intensidade no sul do estado do Amazonas, nos estados do Acre e Rondônia o uso em rituais religiosos é comum e conhecido na sociedade. Faz parte da cultura, da vivência de homens e mulheres que convivem com a floresta.


No início de 2007 fizemos uma primeira reunião com um grupo de pessoas, com a proposta de garantir que o uso religioso do chá fosse reconhecido como patrimônio imaterial da cultura brasileira.


Estudamos, pesquisamos, pedimos auxílio. Não tivemos pressa, mas também não esmorecemos. Preferimos não dar publicidade na mídia, porque essa não é uma bandeira política, é uma questão de reconhecimento e reflexão. Coloquei meu mandato à disposição e estamos chegando a um momento importante. Conseguimos excelentes contribuições de vários intelectuais, entre eles, Jair Facundes, Toinho Alves, Edson Lodi e do historiador Marcus Vinicius e toda a equipe da Fundação Garibaldi Brasil.


A atual legislação do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional prevê que o reconhecimento deve ser dado à uma prática, uma representação social, à conhecimentos e técnicas que as comunidades ou grupos reconhecem como parte integrante da cultura, que seja transmitido de geração em geração e tenha sua interação com a natureza. Chegamos a conclusões e começamos a dar os encaminhamentos.


Estávamos marcando uma ida para Brasília, para fazermos no Ministério da Cultura, no IPHAN e no Congresso Nacional um grande ato. Mas os mistérios e as oportunidades se apresentam, como se orquestradas por um Grande Maestro. Nada mais importante e sublime que a simplicidade da nossa terra, dos nossos ares. Chegou a oportunidade.


Na próxima quarta-feira, dia 30, o Ministro Giberto Gil vem ao Acre. Além de cumprir uma importante agenda com o nosso governador Binho Marques, conseguimos um espaço pra que ele receba um documento assinado pelos representantes das três linhas originárias. Um documento simples, sem pretensões acadêmicas, mas que traz no seu seio algo sublime e bonito de se ver: que o governo brasileiro reconheça essa cultura, essa manifestação religiosa que tem na sua matriz a floresta amazônica.


* Perpétua Almeida é deputada federal pelo PCdoB do Acre

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in Vermelho - 29 DE ABRIL DE 2008 - 18h59

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