sábado, 24 de maio de 2008

25 de Abril - «olhares» - «entrevistas» - «verdades» (23)

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30 anos do 25 de Abril
Criado segunda-feira, 12 de Abril de 2004
Última actualização terça-feira, 27 de Abril de 2004


30 anos do 25 de Abril
Não há "pides" bons
Por António Melo
13.04.2004
Público
O papel de Carlos António de Magalhães na PIDE não é consensual. Se há quem o veja como alguém que intercedeu por um familiar [ver Dias Amado], também há quem o recorde como alguém que o foi ver no decorrer de um interrogatório, para certificar que a sessão de tortura podia continuar.

O caso de José Pedro Soares foi tão extremo que foi objecto de uma interpelação de Sá Carneiro na Assembleia Nacional, em 15 de Janeiro de 1972, onde fazia parte da ala liberal marcelista. Fê-la depois de uma visita à cadeia de Caxias, junto com Correia da Cunha e Pinto Balsemão.
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A extrema dureza do tratamento infligido a José Pedro Soares, nos interrogatórios a que foi submetido na sede da PIDE, na Rua António Maria Cardoso e na prisão de Caxias, provocou uma onda de indignação quando foi divulgado em circular da Comissão Nacional de Socorro aos Presos Políticos (3/12/71).
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Ainda hoje, tolda-se a vista de José Pedro Soares ao recordar esses momentos. Foi preso no dia 1 de Julho de 1971, no quartel da Serra da Carregueira, onde estava incorporado, acusado de pertencer ao PCP. Nesse dia, limitaram-se a fazer-lhe a ficha antropometria e foi conduzido à cela nº 13 de Caxias, em regime de isolamento. No dia seguinte, foi chamado para um primeiro interrogatório que durou seis dias e seis noites, sem interrupção, com tortura de sono, vigiado por agentes que se revezavam de seis em seis horas, numa permanente pressão psicológica, que passou à fase de ameaças quando o preso, que se recusava a prestar declarações, passou igualmente a recusar alimento.
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Os interrogatórios foram suspensos ao fim desses seis dias e José Pedro Soares recolheu à cela, onde o deixaram dormir no sétimo dia.
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Voltou de imediato para mais outra sessão de interrogatórios de igual período, sempre em tortura de sono e mantendo a mesma atitude de "membro do PCP" e mais não dizendo. Regressou ao sétimo dia a Caxias onde ficou em isolamento até ao dia 6 de Agosto.
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Nesse dia foi conduzido ao Reduto Sul, onde recomeça nova sessão de interrogatórios, que se prolonga até 27 de Agosto - 21 dias ininterruptos. Ouvia sons de disparos secos, que não percebia se eram verdadeiros ou alucinações. Beliscava-se a si próprio para saber se ainda tinha sensações. Já para o fim, atordoado, chocava contra as paredes e sentia o sangue a escorrer pelo corpo, sem perceber se era das cabeçadas que dava ou se lhe estavam a bater. Ameaçavam-no com chibatadas e sentia as costas a queimar, mas sem perceber se eram mesmo chicotadas ou uma crise de alucinações.
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Completamente zonzo, recusou a alimentação, que à força tentaram meter-lhe pela boca abaixo. Começou a sangrar do nariz e foi então que teve assistência médica. Um clínico, que mais tarde veio a reconhecer como sendo Carlos Magalhães, acompanhado de um enfermeiro, veio observá-lo. Despiram-no, mediram-lhe a tensão arterial, massajaram-no, besuntaram-lhe os hematomas e sararam-lhes as feridas. E saíram, declararando-o pronto para prosseguir os interrogatórios.
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Teve esta vista de assistência clínica mais uma vez, sempre com a mesma rotina. Recorda-se que tiveram um efeito secundário mas positivo. Projectou o pensamento na Volta a Portugal em bicicleta, o corpo dorido andava na subida das montanhas e uma só ideia o ocupava: "Aguenta, aguenta que vais conseguir chegar à Serra da Estrela!"
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Foi condenado em três anos de prisão maior, "por participar em actividades subversivas e desmoralizar a frente da luta contra o terrorismo nas províncias ultramarinas, atentado contra o bom nome do país".

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