quarta-feira, 16 de dezembro de 2009
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A PAINEIRA DE 
EUCLIDES DE CUNHA
Autor: Guilherme de Almeida, em 1946.
Autor: Guilherme de Almeida, em 1946.
 
 Foto  reprodução de  Guilherme de Almeida e Euclides da Cunha
PREFAÇÃO INEXCEDÍVEL (Luiz de Almeida)Dia 18 de Dezembro de 1906, Euclides da Cunha tomava posse da Cadeira n.º 7 da Academia Brasileira de Letras, sucedendo Valentim Magalhães e foi recebido pelo Acadêmico Sílvio Romero: faz 103 anos. Em 1906, Guilherme de Almeida tinha apenas 16 anos e cursava o 5º ano no Ginásio Nossa Senhora do Carmo, dos Irmãos Maristas, em São Paulo.
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No dia 15 de Agosto de 1909, no Rio  de  Janeiro, Euclides foi assassinado pelo amante de sua esposa Ana,   Dilermando de Assis. Nesse mesmo ano Guilherme de Almeida, sob o   pseudônimo de “Guedal”, via seu primeiro poema publicado: “O   Eucalyptus”, no periódico “11 de Agosto” da Faculdade de   Direito de S. Paulo. Esse poema é uma exaltação condoreira à árvore que   dera nova fisionomia à paisagem caipira das cidades onde passou sua   infância: Campinas, Rio Claro, Limeira e Araras. Coincidência ou não,   quando das comemorações do 37º aniversário da morte de Euclides da   Cunha, em 1946, denominada “Semana Euclideana”, Guilherme de   Almeida, que já residia na Casa da Colina, Rua Macapá – São Paulo,   iniciava a sua colaboração no Diário de S. Paulo, com crônicas   intituladas: “Ontem, Hoje e Amanhã”. E foi nesse jornal que   Guilherme publica a crônica com o título: “A PAINEIRA DE EUCLIDES”.   Guilherme de Almeida volta escrever sobre a árvore, agora, uma   determina e exclusiva árvore: “a paineira”, de Euclides da Cunha. Essa   crônica foi também editada no livro: “COMEMORAÇÕES EUCLEDEANAS em S.   JOSÉ DO RIO PARDO”, Editado pelo Departamento Estadual de Informações,   em 1946, impresso na Indústria Gráfica José Magalhães Ltda, São   Paulo. E foi nesse livro que encontrei a referida crônica que   descrevo na seqüência: “não para lembrar o aniversário da morte do   Euclides da Cunha, mas em comemoração aos 103 anos, neste 18 de Dezembro   de 2009, da posse do autor de Os Sertões na Academia   Brasileira de Letras”.
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 No entanto, o mais importante é a   crônica do Guilherme de Almeida. Como sempre, os textos guilherminos   (já encontrei quem prefere dizer: guilherminianos) fazem com   que o leitor chegue ao êxtase, pois são todos suculentos, de forma e   contexto insuperáveis, divinos, eternos. E, para não desfigurar a   crônica, foi conservada a ortografia original, que é um dos objetivos do   “RETALHOS DO MODERNISMO”:  conforme  as possibilidades, apresentar os textos inéditos sem  desfigurá-los.  Sendo assim:
A PAINEIRA DE EUCLIDES
Guilherme de Almeida
 Reprodução do livro:  Comemorações Euclideanas em S. José  do Rio Pardo - Edição do  Departamento Estadual de Informações - São  Paulo, 1946 - p. 83.
Reprodução do livro:  Comemorações Euclideanas em S. José  do Rio Pardo - Edição do  Departamento Estadual de Informações - São  Paulo, 1946 - p. 83.. 
Sol   – céu limpo – 37.º aniversario da morte de Euclides da Cunha: o dia é   oiro sobre azul tarjado de luto.
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É a coroação da Semana Euclideana.
É a coroação da Semana Euclideana.
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Vou pela rua regada, que leva à ponte. Desço os degraus altos de tijolo, até a margem ajardinada, mansa e verde na frescura das sombras. O rio corre espumado pelas pedras pretas e cortado de yoles que remam braços morenos folgando no feriado. Nos bancos, ao longo da beira folhuda, os pares de amor olham, perdidos, o liquido chamalote do remanso. Pela ponte, entre a cidade de terracota e o Cristo Redentor de cimento claro, passa o brilho de metal e verniz de um auto silencioso.
Quietude.
Atrás da redoma religiosa que guarda a reliquia – o santuario de concreto e vidro, emborcado sobre o sagrado barraco de zinco e sarrafos – uma velha paineira braceja. Já estoiram os gomos das suas cápsulas, soltando ao ar d’oirado o vôo nupcial dos flocos alvos e leves. Chego-me bem ao seu tronco exageradamente grosso, emergindo, atlético, dos tentáculos do forte sistema radicular do polvo. E olho para cima. Não é um tronco de árvore: é um tronco humano. Uma cariátide hercule a que se alça, rigorosamente anatômica, em músculos distendidos; e, lá do alto, contra todas as leis vegetais, baixa de-repente sobre a cabana histórica os seus braços olímpicos empolados de bíceps brutos de bronze.
Aquelas outras paineiras, ali em-cima, à esquerda da ponte, são árvores. Esta, aqui em-baixo, é gente. Aquelas, vegetais, sobem pedindo bênçãos; esta, humana, baixa abençoando....
No seu simbólico e estupendo antropomorfismo, a predestinada paineira de Euclides é um encontro de dois dentre os três reinos da natureza. À sua sombra, um quarto reino se perpetrou: o espiritual.
FONTE:
- Comemorações Euclideanas em S. José do Rio Pardo – Edição do Departamento Estadual de Informações, São Paulo, 1946 – pp. 23/27. Texto original: editado no Diário de S. Paulo.
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