sábado, 19 de dezembro de 2009

Mário Castrim (1920-2002)

Morreu Mário Castrim

O nosso camarada Mário Castrim, escritor, jornalista e crítico televisivo, faleceu na madrugada de terça-feira, no Hospital dos Capuchos, em Lisboa, onde estava internado desde o início de Agosto. Com 82 anos, Mário Castrim encontrava-se nos cuidados intensivos do Hospital dos Capuchos, sofrendo de pneumonia.
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Mário Castrim, pseudónimo de Manuel Nunes da Fonseca, foi o primeiro crítico de televisão em Portugal. Militante do PCP, era o mais antigo e regular colaborador do Avante!, enviando os seus poemas semanalmente e até ao fim.
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O Secretariado do Comité Central do PCP manifestou de imediato o seu pesar. Compartilhando a dor da família e enviando um abraço fraternal de solidariedade à esposa do jornalista, a escritora Alice Vieira, e aos seus filhos, André e Catarina Fonseca, o Secretariado «presta homenagem a esta destacada figura da vida cívica e cultural do país nos últimos 50 anos, ao militante comunista com muitas décadas de corajosa e coerente intervenção, ao crítico de televisão, escritor e intelectual que tanto contribuiu para a formação democrática e humanista de muitas gerações».
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O Secretariado apelou aos militantes comunistas e a todos os cidadãos progressistas para participar no funeral do jornalista, que teve lugar ontem de manhã, no Cemitério de Benfica. Carlos Carvalhas, secretário-geral do PCP, José Casanova e Vítor Dias, ambos membros da Comissão Política, estiveram presentes.
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Carlos Carvalhas enviou, anteontem, um telegrama de condolências à família. «Recebendo com grande tristeza a notícia do falecimento do Mário, envio-vos a expressão do meu profundo pesar, evocando com respeito e admiração a figura de Mário Castrim como comunista com muitas décadas de acção dedicada e coerente, como homem bom, vertical e generoso, como cidadão com uma relevante contribuição para a formação cívica e política de várias gerações, como um artista e criador solidamente vinculado aos ideais humanistas», lê-se no telegrama.
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Também o Sindicato dos Jornalistas manifestou o seu pesar, salientando que o desaparecimento de Mário Castrim «empobrece o panorama da comunicação social portuguesa na dupla vertente dos que aproduzem e dos que a interpelam».
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«Mário Castrim há-de permanecer como referência histórica do género e exemplo a considerar por sucessivas gerações de críticos, mas também ficará na nossa memória como homem culto e lúcido, cidadão comprometido com o seu tempo e fiel às suas convicções», sublinha o sindicato.


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Até sempre!
Desculpa, Mário, mas nesta hora triste, ao evocar-te, lembro-me de mim. É assim, presumo, que os amigos são mais fortemente lembrados. Pelo que eles pesaram na vida de cada um de nós, pelo rumo a que nos solicitaram, pelas perspectivas que abriram. Lembro-me de um dia assim em Outubro, já lá vão uns quarenta e cinco anos, subia eu as velhas escadas do Diário de Lisboa, na Luz Soriano, com uns papéis na mão (desenhos, poemas, um conto?). E no patamar vou encontrar-te sorrindo ao puto que subia entre os azulejos que forravam as paredes, mostrando tesouras e rolhas, os objectos torturantes da censura que, logo aprendi, não escolhia idades mas ideias para cortar. E tu, a sorrir por detrás dos óculos, paciente e bondoso, disposto a mostrar como era o mundo aos jovens desse tempo que contigo aprenderam que a palavra não era vã, a ideia não era de somenos. Nesse Diário de Lisboa Juvenil uma geração inteira fez pelo menos essa aprendizagem. Que deu frutos. Alguns povoam hoje outros pomares, bem sei, mas tu construías apenas uma coisa bem grande - a de ter opinião contra o silêncio, a de exercer a liberdade em tempo de prisões, a de tomar a responsabilidade. Lembro-me dos teus textos, dos teus nomes, da prosa ágil, do largo espaço que, com o Augusto da Costa Dias e com o Tossan, abriste, não sem risco, nesse jornal. Lembro-me do teu gosto pela poesia, da conversa ao café, quando disseste que andavas apaixonado pela poesia do Fernando Pessoa. Mais tarde, muito mais tarde, e já no exílio, da crítica de televisão, uma voz a convidar o leitor a que pensasse com independência em frente ao pequeno ecrã. E, apesar de hoje e com justiça, te chamarem crítico de televisão - afinal o primeiro, a referência em relação à qual os outros todos, bem ou mal, achavam lugar e voz - sabemos de ti muito mais. O pedagogo, o poeta, o crítico, o jornalista, o escritor. E, finalmente, talvez primeiro que tudo: o camarada e o amigo que só não perdemos porque persistes nas nossas memórias e nos nossos corações.
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Leandro Martins    

«Avante!» Nº 1507 - 17.Outubro.2002
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