domingo, 27 de dezembro de 2009

Hei de lembrar-te sempre com ternura - Júlio Caio Borges


DIGESTIVOS >>> Literatura

Quarta-feira, 23/12/2009
Literatura
Julio Daio Borges





Digestivo nº 302 >>> Hei de lembrar-te sempre com ternura
Do mesmo jeito que tem gente que acusa Antonio Carlos Jobim de não ser maestro coisa nenhuma, tem gente que acusa Vinicius de Moraes de não ser poeta. É uma controvérsia que se propaga pelas gerações afora de letristas de MPB. Carlos Heitor Cony, por exemplo, acha que Noel Rosa escreveu versos comparáveis aos de Camões. Já os Irmãos Campos se apoiaram na teoria de Ezra Pound, presente no seu ABC da Literatura, para definir Chico Buarque como “mestre” e Caetano Veloso como “inventor”. O fato é que a poesia – e não as letras de música –, de Vinicius de Moraes, vêm novamente à baila com o lançamento do seu Livro de sonetos em formato de bolso. Tem, lógico, o “Soneto de separação” (“De repente do riso fez-se o pranto...”), tem o “Soneto de fidelidade” (“(...) que seja infinito enquanto dure”) e tem a “Poética” (“Meu tempo é quando”), que Tom Jobim adorava citar de memória. Mas, embora João Antônio afirme ser Vinicius “um dos altos sonetistas que o idioma teve”, vida e obra se misturam sempre no caso do Poetinha, provocando confusão. Manuel Bandeira exagera ao compará-lo aos “parnasianos”, aos “simbolistas”, aos “românticos” (!), mas acerta ao classificá-lo como “homem bem do seu tempo”. Antonio Candido, idem, quando – mais carinhoso do que rigoroso – conclui: “A espontaneidade foi a sua mais bela construção”. Como conseqüência, apesar de ser magro o volume, em alguns momentos se arrasta a leitura, provocando, em nós, mais o prazer do reconhecimento, em algumas passagens (musicadas?), do que propriamente o prazer da surpresa e da novidade. É; tinha amigos influentes, o Vinicius... Até que ponto João Cabral de Melo Neto estava sendo sincero quando afirmou que Vinicius de Moraes poderia ter sido “o nosso grande poeta”? Não poderia ter sido; tanto que não foi. Acontece que a personalidade do Poetinha continua inebriante, para nós, contemporâneos seus – então vamos continuar perdidos em seu labirinto, sem coragem de fazer uma avaliação justa do que ele deixou.
  Livro de sonetos - Vinicius de Moraes - Companhia das Letras - 96 págs.
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SONETO DE SEPARAÇÃO
Vinícius de Morais
De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.
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De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez o drama.
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De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente
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Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.

(Antologia Poética)

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http://www.veraregina.com.br/cantinho/portugue/poe-bras/20.htm
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Soneto de Fidelidade
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Vinicius de Moraes
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        De tudo ao meu amor serei atento
        Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
        Que mesmo em face do maior encanto
        Dele se encante mais meu pensamento.
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        Quero vivê-lo em cada vão momento
        E em seu louvor hei de espalhar meu canto
        E rir meu riso e derramar meu pranto
        Ao seu pesar ou seu contentamento
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        E assim, quando mais tarde me procure
        Quem sabe a morte, angústia de quem vive
        Quem sabe a solidão, fim de quem ama
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        Eu possa me dizer do amor (que tive):
        Que não seja imortal, posto que é chama
        Mas que seja infinito enquanto dure.
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Vinicius de Moraes, "Antologia Poética", Editora do Autor, Rio de Janeiro, 1960, pág. 96.
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Conheça a vida e a obra do autor em "Biografias".
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http://www.releituras.com/viniciusm_fidelidade.asp
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De manhã escureço
De dia tardo
De tarde anoiteço
De noite ardo.
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A oeste a morte
Contra quem vivo
Do sul cativo
O este é meu norte.
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Outros que contem
Passo por passo:
Eu morro ontem
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Nasço amanhã
Ando onde há espaço:
– Meu tempo é quando.
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Nova York, 1950

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http://mundanado.wordpress.com/2009/12/14/poetica-vinicius-de-moraes/
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Antologia Poética
Rio de Janeiro . (2ª ed. aumentada, Rio de Janeiro: Editora do Autor, 1960); Editora A Noite .1954

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