sábado, 10 de dezembro de 2022

Miguel Esteves Cardoso - Recomendar é difícil

* Miguel Esteves Cardoso

30 de Novembro de 2022, 0:05

Estão sempre a perguntar-me se há alguma série realmente boa para ver e eu digo sempre a mesma: Ethos. São oito episódios de 50 minutos e pronto, num mundo ideal não seria preciso dizer mais.

Mas as pessoas são pessoas e, em vez de ir ver à Internet, continuam a falar como se estivéssemos no século XX: “Isso é o quê? Onde é que se pode ver isso? Qual é a história?”

Não gosto nada da maneira como nos transformam em vendedores, obrigando-nos a apresentar as recomendações como se estivéssemos a tentar roubar-lhes tempo de vida, e como se lucrássemos com isso.

A recomendação deveria bastar. O preço que se paga já é muito elevado: se a pessoa não gostar da série, ou do livro, ou do filme, nunca mais nos liga nenhuma e, de facto, aí, sim, amaldiçoa o tempo que perdeu com aquela porcaria. Mas não nos largam. Na verdade, pedem-nos pormenores triviais, não para serem aliciados, mas para serem repelidos: “Vai dizendo, até chegar à coisa que me vai afastar.”

O realizador está vivo? Que idade é que ele tem? Aqui as respostas são boas: sim, 45 anos. Não é a preto e branco, pois não? Não. Quando é que foi feito? Em 2020. Não me digas que foi durante a pandemia! Não, foi antes, podes estar descansado. Onde é que está? Está na Netflix. Aqui começa o descalabro. Na Netflix? Uma série boa na Netflix? Tens a certeza?

Tratam-me como se eu estivesse a tentar vender-lhes a Netflix. É como recomendar um filme que esteja no São Jorge e ser atacado por estar a defender o comércio da Avenida da Liberdade.

Não é uma série americana, pois não? Não. É turca. Turca?! Turca?! Sim, turca. O que é que tem? Nada, nada. Mas não vão ver. E se eu dissesse que a série foi recomendada por Orhan Pamuk? Aí, já a coisa melhora. Mas fica sempre a suspeita que Pamuk é amigo do realizador de Ethos, Berkun Oya.

Porque na Turquia, tal como em todos os países que não conhecemos, por muito grandes que sejam, toda a gente se conhece e ninguém faz nada por acaso.

Ninguém se safa.

Colunista

https://www.publico.pt/2022/11/30/opiniao/opiniao/recomendar-dificil-2029632

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