* Carmo Afonso
Opinião 5 de Dezembro de 2022
O seu pessimismo relativamente a Portugal repete-se ao longo
da entrevista, marcando-a como a cadência a um poema. Ignora sempre que a vida
lhe corre de feição.
Convido-vos a ler a entrevista do presidente do grupo Jerónimo Martins no Expresso.
Li movida pela curiosidade que os excertos em destaque suscitavam. Pedro Soares
dos Santos falava das pessoas que não conseguem comprar comida até ao fim do
mês.
É o tipo de afirmações que costuma preceder a defesa do
aumento dos salários, assunto pouco falado em Portugal apesar de a subida da
taxa de inflação se situar acima dos 10%, o que não seria esperado do
presidente de um grande grupo económico. Também costuma ser usado para
expressões de populismo, mas não se trata de um político.
Fui ver.
Pedro Soares dos Santos criticou a carga fiscal excessiva,
que, nas suas palavras, prejudica os que pertencem à classe média, e destacou a
incapacidade das empresas para conseguirem inovar e criar riqueza porque o
mercado não tem poder de compra.
Uma carga fiscal excessiva não é conversa para quem tem como
prioridade aqueles que não conseguem comprar comida até ao final do mês. É que
são esses os beneficiados pela lógica progressiva dos escalões do IRS. Por
outro lado, o presidente do grupo Jerónimo Martins aponta a incapacidade de as
empresas conseguirem inovar e criar riqueza num ano em que os lucros do grupo
cresceram cerca de 30% e num ano em que – como anunciou – decidiu avançar com a
reformulação do conceito do Pingo Doce. Nada faz sentido.
Mas continuemos.
Pedro Soares dos Santos vê Portugal resignado e as pessoas a
tornarem-se subsidiodependentes. Impossível saber do que fala num país onde a
taxa de desemprego é mais baixa do que a média da UE. E relativamente à parte
do Portugal resignado, de que se tratará? Atenção que é preciso ser de uma
certa direita para estar tão insatisfeito com este Governo. Claro que já a
conversa da subsidiodependência nos levava aí.
O seu pessimismo relativamente a Portugal repete-se ao longo
da entrevista, marcando-a como a cadência a um poema. Ignora sempre que a vida
lhe corre de feição. Mais, nunca admite que assim é: afinal, são as margens que
diminuíram, é o EBITDA que caiu e é o Pingo Doce que não aumentou lucros.
Mas voltemos à parte inicial.
Este homem diz que o seu foco em Portugal são pessoas que não
conseguem comprar comida até ao fim do mês. E adiantou as soluções que os seus
estabelecimentos preparam para estes portugueses: “Temos de tornar a oferta
mais atrativa para um povo em dificuldades. É uma adaptação a uma nova
realidade e vai implicar investimentos nas lojas.”
Os cuidados com os portugueses que não conseguem comprar
comida traduzem-se em tornar a oferta – ou seja a comida - mais atrativa para
eles e em fazer novos investimentos nas lojas. Ai, não conseguem comprar comida
quando chegam ao fim do mês? Mas reparem que agora as lojas estão mais giras e
que aquilo que vendemos (e que são bens essenciais, dos quais os portugueses
precisam sempre) é agora mais atrativo. Uma lógica comercial de intensificar o
desejo pela aquisição, quando estamos a falar daquilo que faz falta e de
pessoas que vivem mal.
Pedro Soares dos Santos representa os interesses de um grande
grupo económico e age em conformidade. Acredito que ninguém o deveria criticar
por isso. Os grupos económicos procuram o lucro e, ao contrário de alguma
esquerda, não vejo que devam ser diabolizados. É o Estado que deve regulamentar
a sua atividade e, enquanto os diabolizamos, dispensamos o Estado de cumprir a
sua missão.
O caso aqui é outro: alguém que vem à vida pública manifestar
preocupação com aquilo que é sagrado, e falo de quem não tem dinheiro para
comprar comida, mas que profana essa sacralidade para entrar em reflexões e
conclusões políticas que não estaria obrigado a fazer e para enquadrar uma
visão ideológica que esquece os interesses daqueles que afirma serem a sua
preocupação, que está assente em contradições e que parece ter um objetivo.
Pedro Soares dos Santos não ficou contente com a criação do
novo imposto sobre lucros extraordinários e quis atacar este Governo. Usou o
que tinha à mão: os pobres e a pobreza
Será altruísmo? Será preocupação com quem não consegue
comprar comida? Altruísmo não é certamente e quem se preocupa com os outros não
fala assim.
Fui ver.
Era outra coisa. Pedro Soares dos Santos não ficou contente
com a criação do novo imposto sobre
lucros extraordinários e quis atacar este Governo. Usou o que tinha à mão:
os pobres e a pobreza.
Uma infinita tristeza, uma funda turbação.
A autora é colunista do PÚBLICO e escreve segundo o novo
acordo ortográfico
Advogada
https://www.publico.pt/2022/12/05/opiniao/opiniao/balada-pedro-soares-santos-2030186
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