sexta-feira, 16 de dezembro de 2022

Maria Amélia Marques Martins - O Natal da minha infância

*  Maria Amélia Marques Martins

O Natal da minha infância tinha uma festa na sala grande e na mesa grande

Outros móveis a fazer de mesa, onde se colocavam coisas em cima, já estavam cheios com os pratos da aletria e mexidos que a minha mãe fazia na véspera. 

Também uma ou duas garrafas de vinho do Porto, apareciam uns dias antes aprumadinhas no armário a aguardar o dia da consoada, que se previa cada ano um pouco melhor que o anterior, embora acabasse sempre mais ou menos igual. 

E já não era mau quando tudo continuava a correr segundo os costumes, sem que nenhum mal acontecesse, nenhuma fábrica da zona fechasse, atirando para o desemprego os operários clientes do meu pai, nenhuma "sêba" nos morresse de doença, nenhum temporal prejudicasse as culturas da minha mãe.

E aquela pergunta que sempre se fazia aos casais:

onde vais na consoada?

aos meus pais não se fazia essa pergunta, ou se alguém a fazia, a resposta era sempre a mesma porque, não íamos a lado nenhum, nem pais nem sogros, nem avós, era ali mesmo, nós e os nossos pais, na sala grande e na mesa grande....

E chegando o dia vinte e quatro, antes da noite, já a minha mãe tinha o forno aceso, o pão de mistura cozido, o alguidar torto das sopas, a aguardar na masseira, a hora certa de meter no forno a alourar...

Entretanto já os olhos das couves galegas com bacalhau e batatas coziam ao fogo da lareira na panela grande, como tudo naquele dia...

dia grande de consoada, numa família grande.

Depois da ceia e no rescaldo da lareira assávamos as pinhas enquanto o serão continuava quente e solidário a partir pinhões a martelo que repartíamos ou jogávamos o jogo do "rapa"....

"rapa, tira, deixa, põe...."

E nós à lareira com as pernas e as caras quentes e vermelhas do calor do fogo, sentindo o fumo de cheiro a pinha, e o sono a chegar depois dos doces, alternados com nozes e figos, um bagacito ou um "porto" medido com regra e um recolher lento ,reconfortante, sonolento...

No outro dia, o Natal, o despertar cedo, a correria em busca do pequeno brinde dentro do sapato que permanecia em cima do fogão desde a véspera...

A prenda no sapatinho...

A missa às oito, o beija pés do menino, as coisas certas da fé, inquestionáveis.... 

A tradição era o que era,..

era mais ou menos assim, na minha casa, na minha infância...

2018 12 16

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