* Maria Amélia Marques Martins
O Natal da minha infância tinha uma festa na sala grande e na mesa grande
Outros móveis a fazer de mesa, onde se colocavam coisas em cima, já estavam cheios com os pratos da aletria e mexidos que a minha mãe fazia na véspera.
Também uma ou duas garrafas de vinho do Porto, apareciam uns dias antes aprumadinhas no armário a aguardar o dia da consoada, que se previa cada ano um pouco melhor que o anterior, embora acabasse sempre mais ou menos igual.
E já não era mau quando tudo continuava a correr segundo os costumes, sem que nenhum mal acontecesse, nenhuma fábrica da zona fechasse, atirando para o desemprego os operários clientes do meu pai, nenhuma "sêba" nos morresse de doença, nenhum temporal prejudicasse as culturas da minha mãe.
E aquela pergunta que sempre se fazia aos casais:
onde vais na consoada?
aos meus pais não se fazia essa pergunta, ou se alguém a fazia, a resposta era sempre a mesma porque, não íamos a lado nenhum, nem pais nem sogros, nem avós, era ali mesmo, nós e os nossos pais, na sala grande e na mesa grande....
E chegando o dia vinte e quatro, antes da noite, já a minha mãe tinha o forno aceso, o pão de mistura cozido, o alguidar torto das sopas, a aguardar na masseira, a hora certa de meter no forno a alourar...
Entretanto já os olhos das couves galegas com bacalhau e batatas coziam ao fogo da lareira na panela grande, como tudo naquele dia...
dia grande de consoada, numa família grande.
Depois da ceia e no rescaldo da lareira assávamos as pinhas enquanto o serão continuava quente e solidário a partir pinhões a martelo que repartíamos ou jogávamos o jogo do "rapa"....
"rapa, tira, deixa, põe...."
E nós à lareira com as pernas e as caras quentes e vermelhas do calor do fogo, sentindo o fumo de cheiro a pinha, e o sono a chegar depois dos doces, alternados com nozes e figos, um bagacito ou um "porto" medido com regra e um recolher lento ,reconfortante, sonolento...
No outro dia, o Natal, o despertar cedo, a correria em busca do pequeno brinde dentro do sapato que permanecia em cima do fogão desde a véspera...
A prenda no sapatinho...
A missa às oito, o beija pés do menino, as coisas certas da fé, inquestionáveis....
A tradição era o que era,..
era mais ou menos assim, na minha casa, na minha infância...
2018 12 16
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