* DANIEL OLIVEIRA
A demissão
de Alexandra Reis tornou-se inevitável desde que saiu o comunicado da TAP. Já
era evidente que a presidente da empresa a tinha querido fora do Conselho de
Administração, convidando-a a rescindir. O que resulta do comunicado foi que a
TAP optou por negociar a rescisão para não seguir o Estatuto do Gestor Público.
Depois do esclarecimento, Medina não podia fazer outra coisa. Como iria uma
secretária de Estado do Tesouro que custou meio milhão ao Estado explicar que,
apesar dos excedentes orçamentais, não há dinheiro para travar a degradação de
serviços públicos? A demissão de Hugo Mendes tornou-se inevitável quando se
percebeu que autorizou uma solução que lhe foi vendida como a melhor. A
ex-administradora teria sempre de ser pressionada para devolver o que não lhe
era devido depois de ir para a NAV. E a administração da TAP nunca mais poderá
continuar a dizer que os trabalhadores em greve põem em perigo uma empresa
salva com dinheiros públicos depois de ter estourado meio milhão para se ver
livre de uma administradora. Quanto a Pedro Nuno Santos, mesmo que não soubesse
do acordo final, nunca deixariam de dizer que tinha de saber. Atirar a culpa
para o “porteiro” seria feio. As legítimas dúvidas legais e a revolta popular
com esta indemnização não o abandonariam.
Em circunstâncias normais, Pedro Nuno Santos sairia
chamuscado mas não precisaria de se demitir. Não se pode ser responsável pelo
que se sabe mais tarde. Só que a TAP não é um dossiê como os outros, o ambiente
social não é o normal e governar sabendo que não se tem a solidariedade do
primeiro-ministro é insustentável. Ainda mais num Governo que está tão distante
das suas convicções políticas. Pedro Nuno Santos estava fadado a sair deste
Governo. Assim, sai assumindo a responsabilidade política do que acontece no
seu ministério. Nem todos podem ser Costa, que, com onze governantes demitidos
em nove meses, nunca assume as responsabilidades do que sabe, do que não sabe e
do que prefere não saber.
O natural impacto desta demissão deixa um debate por fazer.
Ao contrário do que diz a voz popular, não é preciso ter cartão partidário para
subir depressa na vida. E Alexandra Reis foi exemplo disso. Sem passado político,
chega à administração pela mão de Humberto Pedrosa e dá nas vistas como gestora
pela tenacidade com que participou na reestruturação da TAP, reduzindo com
eficácia salários e pessoal. Foi por causa dessa qualidade exterminadora, e não
por ter cartão do PS, que foi parar ao Governo. A política deve abrir-se à
sociedade civil. É um dos mantras impensados que mais se repete. Se a ideia é
que a política deve estar mais próxima do povo, subscrevo o ideal democrático.
Mas não é bem isso. É a ideia de que a política suja se purificará abrindo uma
janela para uma “sociedade civil” onde se respira competência e virtude. E quem
fala de “sociedade civil” não está a pensar em sindicatos, associações ou ONG.
Está a pensar, na melhor das hipóteses, na academia e, mais frequentemente, nas
empresas. Porque é lá que o mercado já selecionou “os melhores”.
Pedro Nuno Santos estava fadado a sair deste Governo. Sai
assumindo a responsabilidade política do que acontece no seu ministério. Nem
todos podem ser Costa, que, com onze governantes demitidos em nove meses, nunca
assume as responsabilidades do que sabe, do que não sabe e do que prefere não
saber
A tecnocracia trata a democracia como um processo de
recrutamento dos “melhores”, e não como uma forma de representação de
alternativas políticas. E quando passou a ir buscar “os melhores” às empresas,
transferiu, quer na lógica de direção do Estado, quer na cultura dos decisores,
a eficácia empresarial para as políticas públicas. O que quer dizer que quem
consegue reduzir drasticamente a massa salarial e despedir com rapidez dará, em
princípio, uma boa secretária de Estado do Tesouro.
Se as empresas públicas devem ser geridas como as privadas, a
ideia de serviço público faz pouco sentido. Se os gestores, públicos ou
privados, coabitam no mesmo mercado concorrencial, partilham, para além de
salários semelhantes, a convicção de que fazem parte de um clube restrito, onde
lhes está garantido um regime de proteção especial, como acontece hoje em quase
todas as grandes empresas. Alexandra Reis (e a TAP) limitou-se a seguir o
critério da casta a que ela julga pertencer e onde o Governo a foi buscar. Uma
casta à qual não se aplicam as leis laborais que os gestores querem para os
trabalhadores, mas o regime de exceção que garantem para si mesmos. A
flexibilidade é para os outros. Porque, vale sempre a pena recordar, eles são
“os melhores”.
O Presidente da República teve razão quando disse que meio
milhão de indemnização faz impressão ao português comum. Não porque o português
comum seja impressionável, mas porque é impressionante a diferença de critérios
para a indemnização de um trabalhador ao fim de uma vida numa empresa e de um
gestor que por lá passa dois anos a despedir pessoas. Na torre de marfim onde
vive, esta casta convenceu-nos de que, por serem “os melhores”, merece o
privilégio único da segurança. Habituámo-nos a isto nas empresas. Ainda nos
incomoda na política. Só quando lá chegam suspeitamos do seu mérito e
revoltamo-nos com as falhas éticas do seu passado. Tivesse Alexandra Reis
seguido a sua vida e ninguém saberia. Pedro Nuno Santos, esse, acabaria por
sair. Talvez por razões melhores.
https://expresso.pt/opiniao/2022-12-30-Estava-fadado-dbd809af
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