* Ana Porfírio
Ginjas 1
Existia uma ginjeira no quintal da minha infância.
Tinha por companhia duas laranjeiras, uma nespereira, um limoeiro e é claro a figueira que era forte, barco, baloiço e o que mais queríamos.
Lembro-me da gingeira florida e de rapinar uns frutos, ralhavam comigo, as ginjas eram para pôr em aguardente e fazer doce, embora a produção da árvore não fosse suficiente para tal.
Mas fazia-se as duas coisas, recorrendo a mais uns quilos de fruta encomendada para o efeito.
A tarefa que me calhava era a de tirar os pés, lavar, e no caso do doce, descaroçar.
Até tinha uma ferramenta para isso.
Depois de misturadas com açúcar e pau de canela, e aguardente, evidentemente, eram colocadas em garrafões ou garrafas, preferencialmente de vidro escuro e guardadas no recanto mais escuro da dispensa.
Na melhor das hipóteses, eram provadas no ano seguinte, mas o ideal era deixar estar mais tempo.
O doce era feito em tachos de cobre, até ter o ponto de açúcar pretendido, todos os frascos eram fervidos antes, ainda hoje faço o mesmo.
A semana passada vazei o garrafão sobrevivente da dispensa da minha mãe.
Foi uma garrafa de meio litro (vidro escuro) para o meu filho e fiquei com outra.
Fiquei também com uma caixa cheia de ginjas, mandei um frasco para ele.
Atendendo à doença da minha mãe, à pandemia e os seus constrangimentos e ao facto de ter morrido quase há um ano, aquela ginja tem no mínimo cinco anos.
Quanto ao doce de ginja, não costumo fazer, não é um fruto abundante, nem tenho a ferramenta de descaroçar.
A ginjeira já não existe, nem a figueira.
Mas a ver se para o ano encomendo ginjas e retomo esta coisa.
2022 12 20
Ginja 2
A minha memória remete para um ritual, não tenho pretensão que seja esta a origem da "Ginja Operária" que se tornou tradição natalícia na mina cidade.
Hoje fecha-se o trânsito e milhares de pessoas juntam-se no final do dia 24 de Dezembro, para a ginja.
Acabamos por encontrar amigos, não deixa de ter piada.
Nem sempre vou, por motivos vários e vários motivos.
Mas a minha memória é a seguinte:
Todos os sábados cumpriam-se vários rituais, as compras na praça, o pequeno almoço na Boleira e no fim da manhã os homens juntavam-se e iam grupo beber uma ginja ao "Manuel da Galega".
Nem sempre eram os mesmos, mas eram no essencial o mesmo grupo.
O meu pai também.
Eu também, como os outros miúdos implorava por uma ginja, e davam-me.
O senhor Manuel enchia aqueles pequenos copos com a "ginja" feita por ele com a pergunta "com elas ou sem elas?".
Também se ia á Taberna do Senhor Manuel para almoçar, lembro-me de comer iscas ou pataniscas com arroz de feijão no quintal debaixo das parreiras.
O senhor Manuel era grande, calmo, dono de uma grande pachorra.
Eu só o conhecia atrás do balcão com avental, uma vez, na minha adolescência, um homem grande, com cabelos brancos e sobretudo disse "Boa tarde Aninhas".
Cumprimentei de volta mas demorei uns dez minutos a reconhecer o Sr Manuel de sobretudo, sem estar de avental atrás do balcão.
Na véspera de Natal, faziam-se as compras de manhã, já se tinham feito parte das filhoses no dia anterior, depenado a perua ou temperado o leitão, feito os rissóis e alguns bolos.
Nessa manhã também se comprava rama verde, uma bola de barro, que com velas e um laço servia para fazer um centro de mesa.
Por volta das 13h tudo fechava, tudo mesmo.
Portanto ao meio dia e meia os homens da ginja juntavam-se junto á estátua, todos.
Eram muitos, não eram milhares.
E iam á sacramental ginja do Manuel da Galega.
Desejavam boas festas e recolhiam, só voltava tudo á rua a 26 de Dezembro.
Com o tempo as mulheres também se juntaram, e até eu,passada a barreira dos 16 anos ia.
Esta é a minha memória do evento.
Nem sempre vou, mas mesmo não indo, bebo sempre uma ginja.~
Com elas, é claro
Boas festas.
2022 12 22
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