* Henrique Raposo
OPINIÃO -
Em 1967, uma tempestade idêntica
à de quinta-feira passada matou 700 pessoas. Ou melhor, o regime assumiu 700
mortos, mas esse número peca por escasso. Aqueles migrantes, portugueses e
clandestinos, moravam em barracas ao lado de ribeiras como a de Odivelas e de
Frielas e foram levados pelas enxurradas. Centenas de corpos ficaram espalhados
nas ruas, entalados entre carros, até na copa das árvores. Reparem: as pessoas
subiram às árvores mas morreram afogadas na mesma. Na quinta-feira passada, uma
chuvada idêntica só matou uma pessoa. Não digam que Portugal não muda ou que
Portugal não evolui, porque isso é errado e sobretudo injusto
Éuma das coisas que mais me
irrita: quando alguma coisa negativa rebenta em Portugal (um caso de corrupção
ou uma tragédia natural), a atitude de boa parte dos portugueses é esta: “isto
só neste país”, “pá, só neste país”. É uma espécie de excepcionalismo ao
contrário. O excepcionalismo americano ou francês leva os respetivos indígenas
a pensar que as coisas boas só podem acontecer nos EUA ou França. O
excepcionalismo português assume o contrário: as coisas más só acontecem em
Portugal e “lá fora” só há coisas boas. É como se os outros países não tivessem
corrupção, pobreza ou cheias.
Este mecanismo mental não é um
pormenor: é um traço cultural que dificulta duas coisas. Primeira: entorpece o
debate sobre as reformas do país. Se o país é sempre a choldra, se é
geneticamente assim, inferior, decadente, ineficaz, então para quê o esforço,
então para quê mudar seja o que for? Este baixo queirosianismo iliba o
português de um compromisso sério com a melhoria da sua comunidade.
O segundo efeito está, portanto,
à vista: o desapego permanente entre o português e Portugal, que só é
interrompido nos picos emocionais do futebol. Em Portugal, parece que só há um
superpatriotismo, aliás, um nacionalismo agressivo e místico na altura dos
jogos da seleção; no dia a dia, porém, na resolução dos problemas reais do
país, esse nacionalismo esvazia-se até à indiferença e as pessoas caem no
cinismo do “isto já deu o que tinha a dar”, “este país não muda”. Muda, muda. E
muitas vezes muda para melhor.
Em 1967, uma tempestade idêntica
à de quinta-feira passada matou 700 pessoas. Ou melhor, o regime assumiu 700
mortos, mas esse número peca por escasso. Aqueles migrantes, portugueses e
clandestinos, moravam em barracas ao lado de ribeiras como a de Odivelas e de
Frielas e foram levados pelas enxurradas. Centenas de corpos ficaram espalhados
nas ruas, entalados entre carros, até na copa das árvores. Reparem: as pessoas
subiram às árvores mas morreram afogadas na mesma. Na quinta-feira passada, uma
chuvada idêntica só matou uma pessoa. Não digam que Portugal não muda ou que
Portugal não evolui, porque isso é errado e sobretudo injusto.
O baixo queirosianismo do “isto é
uma choldra” ou “isto já deu o que tinha a dar” revela preguiça e alguma
ingratidão por aquilo que se fez no último meio século em Portugal e, repito,
iliba as pessoas de uma ação concreta sobre problemas concretos.
12 DEZEMBRO 2022
https://expresso.pt/opiniao/2022-12-12-Nao-nao-estamos-em-1967-e4d69841
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