* Guilherme d'Oliveira Martins
29 Novembro 2022 — 00:27
Tenho dificuldade em falar de José Ruy no passado. Apesar dos
seus 92 anos, irradiava juventude, sempre a pensar no próximo livro que iria
publicar, e que já estava delineado e desenhado na sua cabeça. Se há autor que
simboliza hoje em Portugal a Banda Desenhada ou as "histórias de
quadradinhos", como preferia designar a 9.ª Arte (a seguir ao cinema e à
fotografia e antes dos videojogos), é José Ruy, com mais de oitenta álbuns
publicados, entre os quais se destacam as adaptações de obras literárias
clássicas como Os Lusíadas, a Peregrinação de
Fernão Mendes Pinto, Ubirajara de José de Alencar, O
Bobo de Alexandre Herculano, além de diversos outros temas desde a
História às biografias, passando pela memória do Diário de Notícias,
pelas viagens, como as de Porto Bomvento, ou pelas vidas de Almeida Garrett,
João de Deus, Bernardo Santareno, Pero da Covilhã, Pedro Álvares Cabral,
Aristides de Sousa Mendes, Leonardo Coimbra, Humberto Delgado, Charlie Chaplin
ou Carolina Beatriz Ângelo. E graças ao encontro com um saudoso amigo comum,
Amadeu Ferreira, ilustrou a história da língua e do povo mirandês.
Em vez de seguir arquitetura, como seu pai desejara, preferiu
o curso de Desenhador Litográfico na "sua" Escola António Arroio,
onde conheceu figuras marcantes da Banda Desenhada portuguesa como Eduardo
Teixeira Coelho e José Garcês. Tornou-se assim mestre da arte que cultivou
desde muito cedo, como um verdadeiro artesão. Com apenas 14 anos, publicou o
seu primeiro trabalho de ilustração gráfica na revista O Papagaio de
Adolfo Simões Müller com a qual passa a colaborar regularmente, fazendo
ilustrações e escrevendo contos. Mas foi com O Mosquito que
tudo começou, quando, na infância, com apenas 6 anos, José Ruy se entusiasmou
com as histórias ilustradas. Quando em 1952 começou a colaborar com a sua
produção, sentiu um enorme entusiasmo, por poder colocar o seu nome enquanto
autor, numa equipa, na qual pontificavam António Cardoso Lopes Júnior
(Tiotónio) e Raúl Correia. Antes, já aí trabalhara, na legendagem e preparação
de cores. E nesse mesmo ano participa como organizador e artista na Exposição
de Literatura Infantil. Na segunda série de O Mosquito, em 1960,
foi diretor artístico da publicação, mas, ao longo da vida, distribuiu a sua
colaboração pelo
Cavaleiro Andante, Camarada, Mundo de Aventuras ou Tintin,
para além de ser responsável gráfico em vários projetos na Bertrand, nas
Publicações Europa-América, na Editorial Íbis e Editorial Notícias. Fruto de um
permanente entusiasmo criativo, publicou recentemente, ainda em 2020, O
Heroísmo de uma Vitória, sobre a guerra civil entre liberais e absolutistas
e sobre a Regência de D. Pedro na Ilha Terceira, nos Açores, tendo ainda
deixado pronto para publicação o primeiro volume das Lendas japonesas, de
Wenceslau de Moraes, que ficou inédito.
José Ruy contribuiu decisivamente para tornar a Amadora
capital da Banda Desenhada.
José Ruy contribuiu decisivamente para tornar a Amadora
capital da Banda Desenhada, com uma grande riqueza nas iniciativas e no
aprofundamento dos conhecimentos nesse domínio. Contudo, à sua ação aliaram-se
uma plêiade de artistas, o carisma e a tradição da 9.ª Arte. Não esquecerei
ainda a memorável sessão que animou no Centro Nacional de Cultura sobre a sua
experiência, designadamente, recordando o tempo em que o ilustrador era
obrigado a trabalhar diretamente na matriz das gravuras para acertos de última
hora e para garantir a melhor legibilidade das pranchas e a qualidade das
publicações. Então, até a escolha da cor da capa pelo artista era importante
para mobilizar os leitores e o público, aguçando-lhes a curiosidade e o
interesse. Desenhador, autor e artífice, José Ruy faz-nos reviver os seus
heróis através de uma encenação primorosa, pelo traço seguro e pela cor
vibrante, capazes de nos atrair em nome de um humanismo vivo.
Administrador executivo da Fundação Calouste Gulbenkian
https://www.dn.pt/opiniao/a-magia-de-jose-ruy-15393560.html
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