quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Alda Lara - Poesia e breve biografia

Alda Lara



"À prostituta mais nova / Do bairro mais velho e escuro, / Deixo os meus brincos, lavrados / Em cristal, límpido e puro... / E àquela virgem esquecida / Rapariga sem ternura, / Sonhando algures uma lenda, / Deixo o meu vestido branco, / O meu vestido de noiva, / Todo tecido de renda..."





Biografia

Poemas:


Biografia
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(Alda Ferreira Pires Barreto de Lara Albuquerque. Benguela, Angola, 9.6.1930 - Cambambe, Angola, 30.1.1962). Era casada com o escritor Orlando Albuquerque. Muito nova veio para Lisboa onde concluiu o 7º ano do Liceu. Freqüentou as Faculdades de Medicina de Lisboa e Coimbra, licenciando-se por esta última. Em Lisboa esteve ligada a algumas das atividades da Casa dos Estudantes do Império. Declamadora, chamou a atenção para os poetas africanos. Depois da sua morte, a Câmara Municipal de Sá da Bandeira instituiu o Prêmio Alda Lara para poesia. Orlando Albuquerque propôs-se editar-lhe postumamente toda a obra e nesse caminho reuniu e publicou um volume de poesias e um caderno de contos. Colaborou em alguns jornais ou revistas, incluindo a Mensagem (CEI).
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Obra poética:
Poemas, 1966, Sá de Bandeira, Publicações Imbondeiro;
Poesia, 1979, Luanda, União dos Escritores Angolanos;
Poemas, 1984, Porto, Vertente Ltda. (poemas completos).


Testamento
À prostituta mais nova
Do bairro mais velho e escuro,
Deixo os meus brincos, lavrados
Em cristal, límpido e puro...
E àquela virgem esquecida
Rapariga sem ternura,
Sonhando algures uma lenda,
Deixo o meu vestido branco,
O meu vestido de noiva,
Todo tecido de renda...
Este meu rosário antigo
Ofereço-o àquele amigo
Que não acredita em Deus...
E os livros, rosários meus
Das contas de outro sofrer,
São para os homens humildes,
Que nunca souberam ler.
Quanto aos meus poemas loucos,
Esses, que são de dor
Sincera e desordenada...
Esses, que são de esperança,
Desesperada mas firme,
Deixo-os a ti, meu amor...
Para que, na paz da hora,
Em que a minha alma venha
Beijar de longe os teus olhos,
Vás por essa noite fora...
Com passos feitos de lua,
Oferecê-los às crianças
Que encontrares em cada rua...

(poemas)
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Presença Africana
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E apesar de tudo,
ainda sou a mesma!
Livre e esguia,
filha eterna de quanta rebeldia
me sagrou.
Mãe-África!
Mãe forte da floresta e do deserto,
ainda sou,
a irmã-mulher
de tudo o que em ti vibra
puro e incerto!...
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- A dos coqueiros,
de cabeleiras verdes
e corpos arrojados
sobre o azul...
A do dendém
nascendo dos abraços
das palmeiras...
A do sol bom,
mordendo
o chão das Ingombotas...
A das acácias rubras,
salpicando de sangue as avenidas,
longas e floridas...
.
Sim!, ainda sou a mesma.
- A do amor transbordando
pelos carregadores do cais
suados e confusos,
pelos bairros imundos e dormentes
(Rua 11...Rua 11...)
pelos negros meninos
de barriga inchada
e olhos fundos...
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Sem dores nem alegrias,
de tronco nu e musculoso,
a raça escreve a prumo,
a força destes dias...
.
E eu revendo ainda
e sempre, nela,
aquela
longa historia inconseqüente...
.
Terra!
Minha, eternamente...
Terra das acácias,
dos dongos,
dos cólios baloiçando,
mansamente... mansamente!...
Terra!
Ainda sou a mesma!
Ainda sou
a que num canto novo,
pura e livre,
me levanto,
ao aceno do teu Povo!...
.
(poemas)

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Anúncio
Trago os olhos naufragados
em poentes cor de sangue...
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Trago os braços embrulhados
numa palma bela e dura
e nos lábios a secura
dos anseios retalhados...
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Enrolada nos quadris
cobras mansas que não mordem
tecem serenos abraços...
E nas mãos, presas com fitas
azagaias de brinquedo
vão-se fazendo em pedaços...
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Só nos olhos naufragados
estes poentes de sangue...
.
Só na carne rija e quente,
este desejo de vida!...
.
Donde venho, ninguém sabe
e nem eu sei...
.
Para onde vou
diz a lei
tatuada no meu corpo...
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E quando os pés abram sendas
e os braços se risquem cruzes,
quando nos olhos parados
que trazem naufragados
se entornarem novas luzes...
.
Ah! Quem souber,
há-de ver
que eu trago a lei
no meu corpo...

. (poemas)
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Prelúdio
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Pela estrada desce a noite
Mãe-Negra, desce com ela...
.
Nem buganvílias vermelhas,
nem vestidinhos de folhos,
nem brincadeiras de guizos,
nas suas mãos apertadas.
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Só duas lágrimas grossas,
em duas faces cansadas.
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Mãe-Negra tem voz de vento,
voz de silêncio batendo
nas folhas do cajueiro...
Tem voz de noite, descendo,
de mansinho, pela estrada...
.
Que é feito desses meninos
que gostava de embalar?...
Que é feito desses meninos
que ela ajudou a criar?...
Quem ouve agora as histórias
que costumava contar?...
.
Mãe-Negra não sabe nada...
Mas ai de quem sabe tudo,
como eu sei tudo
Mãe-Negra!...
.
É que os meninos cresceram,
e esqueceram
as histórias
que costumavas contar...
Muitos partiram pra longe,
quem sabe se hão-de voltar!...
.
Só tu ficaste esperando,
mãos cruzadas no regaço,
bem quieta bem calada.
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É a tua a voz deste vento,
desta saudade descendo,
de mansinho pela estrada...

(poemas)

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Ronda
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Na dança dos dias
meus dedos bailaram...
Na dança dos dias
meus dedos contaram
contaram, bailando
cantigas sombrias...
.
Na dança dos dias
meus dedos cansaram...
.
Na dança dos meses
meus olhos choraram
Na dança dos meses
meus olhos secaram
secaram, chorando
por ti, quantas vezes!
.
Na dança dos meses
meus olhos cansaram...
.
Na dança do tempo,
quem não se cansou?!
.
Oh! dança dos dias
oh! dança dos meses
oh! dança do tempo
no tempo voando...
.
Dizei-me, dizei-me,
até quando? até quando?

(poemas)



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Poemas que eu escrevi na areia
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I
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Meu bergantim, onde vens,
que te não posso avistar?
Bergantim! Meu bergantim!
Quero partir, rumo ao mar...
.
Tenho pressa! Tenho pressa!
Já vejo abutres voando
além, por cima de mim...
Tenho medo... Tenho medo
de não me chegar ao fim.
.
Meus braços estão torcidos.
Minha boca foi rasgada.
Mas os olhos, estão bem vivos,
e esperam, presos ao Céu...
.
Que haverá p'ra além da noite?
p'ra além da noite de breu?
.
Ah! Bergantim, como tardas...
Não vês meu corpo jazendo
na praia, do mar esquecido?...
Esse mar que eu quis viver,
e sacudir e beijar,
sem ondas mansas, cobrindo-o...
.
Quem dera viesses já...
que vai ficando bem tarde!
E eu não me quero acabar,
sem ver o que há para além
deste grande, imenso céu
e desta noite de breu...
.
Não quero morrer serena
em cada hora que passa
sem conseguir avistar-te...
Com meu olhar enxergando
apenas a noite escura,
e as aves negras, voando...
.
II
.
Meu bergantim foi-se ao mar...
Foi-se ao mar e não voltou,
que numa praia distante,
meu bergantim se afundou...
.
Meu bergantim foi-se ao mar!
levava beijos nas velas,
e nas arcas, ilusões,
que só a mim me ofereci...
.
Levava à popa, esculpido,
o perfil, leve e discreto,
daqueles que um dia perdi.
.
Levava mastros pintados,
bandeiras de todo o mundo,
e soldadinhos de chumbo
na coberta, perfilados.
.
Foi-se ao mar meu bergantim,
Foi-se ao mar... nunca voltou!

.........................

E por sete luas cheias
No areal se chorou...

(poemas)
.
in

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Alda Lara

Poetisa angolana, Alda Ferreira Pires Barreto de Lara Albuquerque nasceu a 9 de Junho de 1930, em Benguela.
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Tendo vindo para Portugal muito nova, concluiu em Lisboa o ensino secundário. Distinguiu-se como aluna no Colégio de Paula Frassinetti da cidade de Sá da Bandeira - hoje Lubango - e no Liceu D. Maria Amália Vaz de Carvalho, em Lisboa, onde terminou o 7.º ano.
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Começando por frequentar a Faculdade de Medicina de Lisboa, acabou o curso em Coimbra, onde apresentou uma tese sobre "Psiquiatria Infantil". Reconhecida no meio académico, esta tese proporcionou-lhe um convite para se especializar em Paris, para que depois ingressasse num estabelecimento psiquiátrico de Lisboa. Contudo, a sua dedicação e amor à Terra-Mãe impediu-a de responder a esta solicitação.
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Irmã do escritor Ernesto Lara Filho, casou-se com o escritor Orlando de Albuquerque, também médico de profissão, e frequentou, como muitos outros seus conterrâneos, a da Casa dos Estudantes do Império (CEI), onde desenvolveu imensa actividade.
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Com uma grande ligação ao mundo literário, Alda Lara era reconhecida pela sua capacidade de declamação, cuja singularidade atraiu, entre outros, os poetas africanos. Assim, fez vários recitais em Lisboa e Coimbra, transformando estes lúdicos momentos em verdadeiros veículos de divulgação da poesia negra, até então ainda muito desconhecida.
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Foi colaboradora de alguns jornais e revistas, nomeadamente do Jornal de Benguela , do Jornal de Angola , do ABC e Ciência e da revista Mensagem da CEI, da responsabilidade do Departamento Cultural da Associação dos Naturais de Angola (ANANGOLA). Nesta revista publicou, no número de Abril de 1952, o poema "Rumo", dedicado ao falecido estudante e contista moçambicano João Dias.
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Integrando a Geração da Mensagem, fortemente influenciada formal e tematicamente pela corrente Modernista de 1922 e pelo Neo-Realismo português, a autora vai saciar-se nas origens do seu povo, descaracterizado por imposição da cultura colonial. Neste pretérito ancestral, metaforicamente designado por "Mãe África", a autora, assim como todos os "poetas mensageiros" vai encontrar a Alma da sua produção textual através da qual procura "despir-se" da camisa opressiva da história colonial. O drama dos contratados, a situação da mulher angolana, a repressão exercida sobre o uso das línguas nativas, o desejo de regressar, etc., são, por isso, temas recorrentes e abordados de forma avassaladora: " Quando eu voltar/que se alongue sobre o mar/o meu canto ao Criador!/Porque me deu a vida e o amor,/para voltar? / Ah! Quando eu voltar?/Hão-de as acácias rubras,/a sangrar/numa verbena sem fim,/florir só para mim./E o sol esplendoroso e quente,/ o sol ardente,/há-de gritar na apoteose do poente,/o meu prazer sem lei?/A minha alegria enorme de poder/enfim dizer:/Voltei!?".
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Tendo sido publicada postumamente num volume de poesia e num caderno de contos pelo seu marido, Orlando de Albuquerque, a sua obra figura em diversas antologias, a saber: Antologia de poesias angolanas , Nova Lisboa, 1958; Amostra de poesia in Estudos Ultramarinos, n.º 3, Lisboa, 1959; Antologia da Terra Portuguesa - Angola, Lisboa, s/d; Poetas Angolanos, Lisboa, 1962; Poetas e Contistas Africanos , S. Paulo, 1963; Mákua 2, Antologia Poética, Sá da Bandeira, 1963; Contos Portugueses do Ultramar- Angola , 2.º volume, Porto, 1969; Livros Póstumos: Poemas , Sá da Bandeira, 1966; Tempo de Chuva , Lobito, 1973.
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Com uma actividade diversificada, fez também algumas conferências, uma das quais - "Conferência sobre problemas da Assistência Médica Missionária em África" - se encontra publicada, dada a sua importância e repercussão.
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Depois da sua morte, a Câmara Municipal de Sá da Bandeira instituiu o Prémio Alda Lara para poesia.
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Faleceu em Cambambe, no Kwanza-Norte, a 30 de Janeiro de 1962.



Como referenciar este artigo:
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Alda Lara. In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2010. [Consult. 2010-06-10].
Disponível na www: .
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Alda Lara - Mulheres Angolanas Históricas (8) no Kant_O_XimPi

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