sábado, 9 de fevereiro de 2008

Beato Salazar (14) - O Eremita de São Bento


Por: Manuel O. Pina

Caro José Pires,

O termo eremita que aqui uso é apenas simbólico ou alegórico, não significa um eremita no sentido restrito da palavra. Se fosse assim, este corria o grande risco de ser atropelado por um autocarro, no momento em que deixasse o seu retiro e topasse com um "outdoor" de roupa íntima.

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Passada a piada, não percebi a razão da sua dúvida: porque é que não era salazarista. Talvez hoje, olhando à distância, não encontre motivos suficientemente fortes que justifiquem a sua não adesão, na altura, a essa figura que, por si só, encarnava o regime. Digo isto porque, à semelhança do que se passava em Espanha, sem Salazar o regime não subsistia, como se veio a provar com o curto e frágil consulado de Marcelo Caetano - não foram suficientes os apoios e imposições de figuras como Américo Tomás para o sustentar. Portanto, o regime que a si próprio se intitulou de Ditadura Nacional, depois Estado Novo, só vivia e se mantinha porque existia Salazar. É talvez por esta razão que partidos que se intitulam Nacionalistas não conseguem nenhuma adesão significativa e tendem, com o tempo, a desaparecer. É um fenómeno curioso pois demonstra que o regime só existia e sobrevivia em função de uma personalidade carismática, que foi Salazar.

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Assim, faz todo o sentido o epíteto de salazarista, ou seja, o seguidor do chefe, do líder, do caudilho, que normalmente é um seguidismo cego e irracional. É a anulação da própria individualidade para se identificar com o outro, com aquele que manda e dirige. É, ao mesmo tempo, uma forma de fugir à responsabilidade de dirigir a sua própria vida segundo as suas próprias convicções mais íntimas, e não segundo uma doutrina qualquer, seja ela política ou religiosa.

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Naturalmente que nunca fui salazarista, mas tenho do regime e da sua figura de proa, uma experiência remota, uma vez que vivi a maior parte desse período em Angola. Em Portugal vivenciei apenas os dois últimos anos de Salazar e a curta "primavera marcelista", como foi chamada na altura. Talvez por isso não tenha nenhuma animosidade especial, nem contra nem a favor dessa figura, o que me permite, julgo eu, uma certa equidistância das coisas.

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A primeira noção que me surge do salazarismo, é a de que se tratava de um regime opressivo e opressor. Opressivo porque vivia enredado numa doutrina pessoal que condicionava a acção dos próprios componentes do regime; opressor porque limitava ou eliminava alguns dos direitos fundamentais do cidadão. Um desses direitos é o de liberdade de informar e de ser informado.

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Como tem sido provado ao longo do tempo, não existe nenhum motivo válido para a imposição de censura aos meios de comunicação e, de forma mais grave, à correspondência individual, mesmo que seja em tempo de guerra. Não é necessário lembrar as últimas guerras e a quantidade de jornalistas e repórteres que têm sido feridos e mortos no exercício da sua missão de informar. Segredos de Estado não passam pelos canais de comunicação e, apesar disso, muitos acabam por ser do conhecimento geral por fugas de informação.

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Por outro lado, penso que alguém que se afasta do mundo não pode governar o mundo, pois tem necessariamente uma visão distorcida da realidade. Vivemos e agimos por percepção, ou seja, pelo que entendemos do que experimentamos de forma directa e indirecta. Mesmo as percepções directas têm uma certa distorção motivada pela nossa subjectividade, pior será quando essas percepções forem indirectas.

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Salazar não podia ter uma correcta percepção do país, do povo, das suas necessidades. Não podia ter essa percepção porque mantinha um grande distanciamento em relação à nação que governava. Recolhido no seu gabinete de São Bento, raramente se deslocava ao exterior, excepto as poucas vezes que se deslocou à Assembleia Nacional e à Emissora Nacional para fazer os seus discursos, as poucas vezes que se deslocou à fronteira, apenas à fronteira, para conversações com Franco, as poucas vezes que se deslocou à sua terra natal, Sta. Comba Dão. Fora umas poucas vezes em que presidiu a cerimónias públicas, remeteu-se sempre a uma autêntica vida de clausura. Em 40 anos de governo contam-se quase pelos dedos as suas aparições públicas.

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Nestas condições a sua percepção da realidade tinha que estar distorcida. a informação que recebia era indirecta, a própria censura funcionava contra ele, pois lia os jornais censurados, à semelhança do escorpião injectava-se com o próprio veneno. Governava segundo planos estabelecidos pela sua mente, brilhante sem dúvida, mas sem uma noção clara das realidades do país. Toda esta situação era alimentada por prosélitas figuras da "corte", que mais não faziam, salvo raras excepções, do que atender aos seus desejos e imposições, pois preferia a fidelidade cega e canina a uma colaboração inteligente.

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Esta minha intervenção sobre Salazar, que espero que seja a última, pois o assunto já está mais do que esgotado, deve-se exclusivamente à provocação lançada pelo Casimiro, propondo a sua canonização. Claro que só podia ser uma provocação, que resultou de imediato e, por isso, resolvi nos dois artigos anteriores remexer um pouco as águas, o que também trouxe alguns resultados. É bom que assim seja, para que cada um possa exprimir-se livremente sem estar sujeito a insultos e agressões inúteis, que mais não revelam que a falta de capacidade de algumas pessoas em compreender que a verdade não é só delas, que pode estar algures entre o que elas pensam e sentem e o que os outros pensam e sentem.

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Para terminar, como o caro amigo trabalhou em publicidade, sabe concerteza que o número de votos em Salazar naquele malfadado concurso não pode ser considerado uma sondagem de opinião. Estas têm regras precisas e dirigem-se a diferentes extractos da população, independentemente da sua ideologia política ou religiosa. No concurso, além das coisas terem funcionado em sentido contrário, quero dizer, de fora para dentro e não de dentro para fora, o grupo de simpatizantes, admiradores e saudosistas de Salazar votou nele, o que desvirtua qualquer possibilidade de se considerar uma sondagem. A "prova dos nove" virá nas próximas eleições.

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Com amizade, Manuel O. Pina

Do: P.Club::

malfadado concurso ??? Caro O. Pina, caso este concurso tive-se sido ganho, por Cunhal, ( existiu um grande esforço realizado pelos militantes comunistas) ... ai para si, e outros... não mais seria malfadado? Nenhum partido politico apoio a votação no Nosso Salazar.... mas em compensasão, o Partido comunista quase quebou neste esforço para eleger o suviético Cunhal. O.Pina e se fosse o Soares a ganhar? Aquele que pisou a Bandeira de Portugal em manisfestação em París? também seria malfadado ? não entendo como já passados 33 anos, ainda tenha portugueses, que não observam a realidade do Portugal produzido por essa gente. Casimiro

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