* Manuel O. Pina
Para: Sr. Rui Silva
Se em 1961 estava em Angola, sabe concerteza que era voz corrente, principalmente após o ataque à cadeia de Luanda, que algo de grave se preparava no norte. Eu estava em Luanda nessa altura e sabia do pressentimento que corria entre as pessoas. A possibilidade, naquela altura, de uma sublevação e ataque do exterior só podia vir do norte, pois era ali que os movimentos de guerrilheiros se treinavam há algum tempo. Tive oportunidade de trabalhar na assistência aos refugiados do Congo Belga, depois da independência daquele território, e ouvi alguns falar que sabiam que se estava a preparar alguma coisa para atacar Angola. Isto em finais de 1960.
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A tese corrente é a de que os conselheiros militares de Salazar terão desvalorizado o perigo, não dando importância de maior às movimentações que aconteciam nos territórios vizinhos do norte de Angola. Esta tese, defendida por correntes ligadas ao regime pretendia desvanecer uma eventual responsabilidade do regime e do próprio Salazar, de não terem sido tomadas medidas preventivas para evitar aquela hecatombe.
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Do meu ponto de vista, e não sou um paladino da verdade como aqui fui acusado, vejo as coisas da seguinte maneira:
- O governo Kennedy dos EUA apoia claramente o movimento da UPA de Holden Roberto, fornecendo-lhe apoio financeiro e armas.
- Salazar recusa-se intransigentemente a dialogar com movimentos independentistas. Se tivesse aceite o diálogo, talvez se tivessem evitado algumas das consequências desastrosas.
- Não havia grandes forças militares em Angola. Talvez uns 5.000 homens divididos entre Luanda e N. Lisboa. Mas talvez fosse possível desviar para o norte as forças que intervieram na Baixa do Cassange.
- O regime do Estado Novo vivia uma crise institucional que acabou por deslanchar na tentativa de golpe do Botelho Moniz.
- O argumento do regime, na altura, após os acontecimentos do norte de Angola, é que Salazar não tinha condições de convencer o povo da necessidade de envio de tropas para Angola. Ora Salazar nunca se preocupou com a opinião do povo.
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Quanto ao segredo, virá o tempo em que muitas coisas se tornarão conhecidas. Mas é exemplificativa a história da proposta de Franco Nogueira, ministro dos Negócios Estrangeiros de Salazar, que lhe sugeriu a independência de algumas colónias, não de Angola, para aliviar a pressão, para poder manter as mais importantes. Isto também não foi aceite por Salazar. Não é história inventada, embora Franco Nogueira tenha morrido sem falar mais do assunto, mas nos documentos encontrados, o próprio Dr. Adriano Moreira reconheceu a caligrafia de Salazar.
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Agradeço o seu questionamento, assim como a intervenção de Renato Nunes, numa tese difícil e sensível. Apreciei também o artigo de José Pires onde se questiona se sabia bem porquê não era salazarista. Não responderei, naturalmente, a insultos, que estes ficam com quem os profere.
Um abraço de amizade,
Manuel O. Pina
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