por Carlos Pompe*
O Brasil foi agraciado com a presença de Paulo Rónai, um húngaro que deu imensuráveis contribuições à nossa cultura inclusive a apresentação aos brasileiros do pequeno romance Meninos da Rua Paulo, de Ferenc Molnar, e a edição dos 17 volumes de A Comédia Humana, de Balzac. Abaixo reproduzo trechos de um texto de Paulo Rónai, escrito em dezembro de 1947, e que é um retrato da crueldade do terror aberto capitalista. Boa leitura!
O poeta de Bor
Nada tive e nunca terei coisa alguma.
Vem, pois, meditar um momento sobre esta vida rica
Nicolau Radnóti, Céu Espumante
Embora já soubesse do desaparecimento de Nicolau, só agora que a vejo impressa, a notícia de sua morte se torna uma realidade para mim. Há dias estou carregando comigo o livro e a notícia que me doem como uma ferida, que me levam, apesar de tamanha distância no tempo e no espaço, a inquirir as causas e o sentido dessa gente.
É preciso dizer primeiro quem era Nicolau Radnóti. Era um poeta no velho e sagrado sentido da palavra, um dos raros que se identificam totalmente com a sua poesia em, além de escrevê-la, vivem-na. Com trinta e pouco anos, era uma grande e eterna criança, um homem da raça de São Francisco de Assis, para quem as únicas realidades são as flores e os bichos, o céu, o sol, as nuvens, um artista da raça dos pintores italianos da Renascença, para os quais o acontecimento era um encontro com a beleza. Nunca vi homem mais feliz. ...
É preciso dizer, agora, o que era o campo de Bor. Segundo algumas notícias de jornal e o testemunho de alguns deportados, era uma das variantes mais aperfeiçoadas do Inferno fascista, em nada inferior a Buchenwald ou a Bergen-Belsen. ...
Como pôde Nicolau Radnóti tornar-se o poeta de Bor? E ainda: por que levaram Nicolau Radnóti, para morrer, ao campo de Bor? ...
A riqueza dos ricos não lhe despertava inveja; não lhe doía senão a pobreza dos outros. Mas tinha de morrer. Nasceu judeu. ...
Sabia que ia morrer. Sabia-o desde 1937, quando sobre Garcia Lorca escreveu esses versos:
Porque a Espanha gostava de ti
E os amantes diziam teus versos
Eles, quando vieram, que haviam de fazer?
Eras poeta, mataram-te.
Dois anos depois, confirmava-os aplicando-os conscientemente ao seu próprio caso:
Acreditai, acreditai no que digo:
A suspeita prudente não me afaga em vão.
Sou poeta que serve só para a fogueira,
Porque é testemunha da verdade.
Porque sabe que a neve é branca,
que o sangue é vermelho e vermelha a papoula,
e o caule franzinho da papoula é verde.
Poeta, a quem acabam por matar,
Por isso que ele nunca matou. ...
Nicolau, consolar-te-ia saber que tua esposa e teus versos sobreviveram? que a tua voz se ouve ainda e se ouvirá? Que estás conosco bebendo no nosso copo, sentado à nossa mesa, escondido no sorriso das mulheres? que alguns dos antigos companheiros espalhados pelo mundo afora, roídos pela vergonha e pelo remorso dos sobreviventes, murmuram teus versos, e, desesperadamente, procuram crer que não morreste em vão?
*Carlos Pompe, Jornalista e Curioso do mundo.
* Opiniões aqui expressas não refletem, necessariamente, a opinião do site.
in Vermelho 31 DE JANEIRO DE 2008 - 14h59
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