A TALHE DE FOICE • Anabela Fino
A responsabilidade dos EUA no genocídio de meio milhão de pessoas, na Indonésia, estão agora disponíveis na Internet. Os acontecimentos remontam aos anos 60 e ocupam 800 páginas oficiais que ilustram a dimensão da barbárie. A sua divulgação não estava prevista. Ao que parece, tanto a CIA como o Departamento de Estado preferiam que a história ficasse para sempre enterrada nos ficheiros secretos que é suposto não virem ao conhecimento do público.
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Não foi assim. Por um qualquer erro burocrático, a Imprensa Nacional norte-americana pôs à distância de um clique o que muitos sabiam e uns quantos preferiam ignorar, de forma a que ninguém possa agora afirmar desconhecer.
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Foi em 1965, quando os EUA se conluiaram com os sectores mais reaccionários da Indonésia para afastar do poder o presidente Sukarno, o fundador da nação. O resultado foi a ascensão de Suharto ao poder e a instauração de uma ditadura que durou 32 anos.
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Falar de banho de sangue é dizer muito pouco do que então aconteceu. A própria CIA revela nos seus documentos alguma dificuldade em exprimir a enormidade da caça às bruxas que patrocinou: «Em termos de número de mortos, os massacres anti-PKI [Partido Comunista da Indonésia, apoiante de Sukarno] figuram entre os piores assassinatos em massa do século XX.»
A matança foi de tal monta que os carniceiros de Washington em serviço na Indonésia sentiram necessidade de ocultar o número de vítimas. É o que afirma o então embaixador Marshall Green, numa informação datada de 15 de Abril de 1966 e recentemente citada pelo diário francês Le Monde: «Não sabemos se o número exacto [de comunistas mortos] está mais próximo dos 100 mil ou do milhão, mas achamos que é mais sensato admitir o número mais baixo, sobretudo face à imprensa». Outro diplomata, Richard Cabot Howland, propôs que se ficasse pelo número oficial de 105 mil mortos, para não manchar (!!!) a imagem de Suharto.
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A documentação agora vinda a público não deixa dúvidas sobre o envolvimento de Washington no golpe de Estado que levou à ditadura militar: a par do treino, armamento e dinheiro dado aos militares e a grupos terroristas (como o tenebroso Kap-Gestapu), a embaixada norte-americana forneceu ainda a lista de dirigentes do PKI que foram abatidos, juntamente com toda a família.
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Meio milhão de pessoas foi chacinada. Milhares de outras foram presas e condenadas à morte lenta em décadas de prisão.
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Os cães de fila do capitalismo não se limitaram a fechar os olhos. Houve até quem aplaudisse. Na época, a circunspecta revista Time não resistiu a aclamar esta «vitória da democracia», classificando os acontecimentos na Indonésia como «as melhores notícias da Ásia para o Ocidente dos últimos anos».
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A linguagem hoje mudou. A defesa dos direitos humanos está na ordem do dia e serve de pretexto a todas as intervenções, armadas ou outras, seja no Iraque ou em Cuba, na Sérvia ou no Médio Oriente.
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Mas para o imperialismo, um bom comunista continua a ser um comunista morto. E comunistas são todos os que não se submetem aos seus desígnios. Terrível história esta, em que o criminoso dita a lei.
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Mas é sabido que não há crimes perfeitos. Os impérios caem, os povos permanecem. E há sempre alguém que resiste. É isso que faz tremer os senhores do mundo: não são eternos.
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