sábado, 9 de fevereiro de 2008

Beato Salazar (12) - “Mergulhos” na História que eu “vi”!


* Paulo Janeiro

Um pouquinho – e só um pouquinho – mais novo que o José Pires, sou bem capaz de ter uma vivência tal... que me dá para acertar o passo com ele, em muitas das notas que deixa. E acertar o passo mais não é do que verificar o que ele escreve certo... e aquilo que, porventura, seja (quanto a mim) menos certo.

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Quando comecei a ser gente... não tive tanta sorte (ou seria azar?) de ouvir tanta gente assim a dizer mal do Salazar, a criticar a sua maneira de ser, a verberar o regime. Talvez porque, por essa altura, era muito difícil. De qualquer maneira, quando da Guerra... ainda fui para as filas (agora não se pode dizer bichas...) com aqueles papelinhos que representavam senhas. Senhas que, por sua vez, representavam pão.

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A “situação”! Também eu me lembro das eleições do General Norton de Matos. Uma das minhas tias meteu-me nas mãos, por essa altura, uns quantos cartazes que apareciam como que por encanto nas mãos... para eu os ir espalhar numa certa aldeia perdida das serranias da Beira. Da suspensão da Censura não me lembro... mas não admira, já que por essa altura ainda eu não tinha sido “apresentado” à Dona Imprensa que, um pouco mais tarde, se atrelou a mim para não mais me largar. O jornal "República" era, ainda que de sinal contrário, igual ao jornal “Época”. Os artigos do “Rocha”, que não tive possibilidades de consumir, eram o que eram... talvez verrinosos, sim.

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Do Quintão Meireles... quase nem ouvi falar. De Craveiro Lopes, sim, sobretudo quando ele, de “atento e venerador”, passou a ser um anti-qualquer coisa... talvez nem ele soubesse de quê.

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Nunca fiz serviço militar obrigatório. Por essa altura puzeram-me nas chamadas Tropas Territoriais, “para sustento de mulher e filha”. Coisas que esses tempos permitiam. De qualquer modo... andei mais tempo na guerra, em serviço de reportagem, do que a maior parte dos militares! Gosto muito... dos comandantes que se ofereceram voluntários para a Índia. Mas gosto mais do meu irmão mais velho... que foi mobilizado sem lhe perguntarem, sequer, se queria ir. De resto, nunca ele entraria nesse “jogo” (que havia, eu sei) de comprar as “trocas”. Foi... obrigado. Como outro dos irmãos... foi para a Guiné (onde a guerra estava perdida). E outro ainda para Angola, tendo por lá morrido quando do Norte se deslocava para Nova Lisboa. Coisas!

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Nas eleições presidenciais entre Humberto Delgado e Américo Tomaz... já eu entrava. De tal forma que fiz (ou, melhor, ajudei a fazer) a publicação diária da sua campanha em Angola, que se chamava tão somente “Comunicado”. E que deve ter resultado... porque em Angola ele ganhou (embora não o tivessem deixado “ganhar”). Por essa altura, mergulhava eu nos Jornais e tinha como mestre um dos grandes Jornalistas de então que começara em “O Século”, que era com o “Diário de Notícias”, a verdadeira Escola de Jornalismo (que nessa altura não havia em Portugal...). Deixe-me dizer que Delgado – que chegara a ser um dos “delfins” pelo menos do Estado Novo... não merecia ganhar. Era, pese embora o somatório de outras qualidades que tinha, uma verdadeira “galinha política”. Se ele não fosse tão “galinha política”... até o deixavam ganhar!

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Também eu detestava a Censura. Por a ter sentido na pele, uma e muitas vezes. Na Imprensa e na Rádio. De tal maneira eu a senti e fui intoxicado com a noção – lançada a esmo por alguns “istas” de um lado e do outro – que fiquei à espera (ingénuo que eu era!) pelos “grandes” escritores e jornalistas, pelos grandes escritores de peças de Teatro ou, no mínimo, pelos fautores das revistinhas do Parque Meyer. Fiquei à espera... mas debalde. Porque escritores e jornalistas... ficaram mais ou menos os mesmos. E no Parque Mayer... apenas se começou a vociferar palavrões e ditos soezes. Nada de... dizer coisas para fazer pensar o “Zé”. Dizer tudo... tudo... tudo!

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A Argélia e a Indochina! As seitas Mau-Mau no Quénia! A Malásia! A Indonésia! Não me lembro do grito Uhru... mas lembro-me do significado de Mazza. Do Ghana de Nkrumah. Lembro-me, sim... mas também me lembro da serenidade e confiança dum Leopold Senghor. Que tinha na cabeça... a verdadeira chave para a descolonização sobretudo da Guiné, mas não só. Chave que deu a quem sucedeu a Salazar. Que já não tinha força para a aceitar, por que já nada mandava...

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Depois, o caso do Congo ex-belga. Que acompanhei a par e passo. E vi, por exemplo, o Rei Balduino... a ficar sem o pingalim, tirado por um qualquer energúmeno que se tinha embebedado de liberdade. Talvez não houvesse paz. Talvez não haja paz. Mas, então como logo a seguir em Angola, a “guerra” (ora fria ora quente) entre Washington e Moscovo... é capaz de ter a solução. Ou melhor, é capaz de decifrar o “eixo” de todas essas coisas.

De Kasavubu lembro-me. De Patrice Lumumba também. Cheguei a entrevistar este último. Como mais tarde entrevistei Tchombé, que mais tarde haveria de ter sido mandado para o cárcere (e depois para a morte) por uma Polícia espanhola que não queria que ele, em território de “nuestros hermanos” fosse guardado por polícias portugueses (e foi). De tal forma manobraram... que ele ficou nas mãos dos espanhóis. Que lhe arranjaram uma menina amiga que vivia em Paris. E que ele quis ir ver. Foi... mas no ar, mudaram o rumo ao avião e aconteceu o que aconteceu. Tomo café, quase todos os dias, com um dos últimos guardas do Tchombé... que lhe acompanhou os últimos passos...

A guerra do Catanga... já estava na calha do tal “eixo”. Vi como ela acabou, quando a ONU mandou desarmar certos mercenários. A um dos comandantes mercenários – Bob Denard, salvo erro – vi eu um dos medíocres oficiais portugueses de nome Prego, se bem me lembro, a tirar-lhe a pistola do coldre. Desabridamente. Com ódio no olhar.

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Lembro-me, de facto dos Ventos da História. Mas também me lembro – e em Genebra, na OIT, em que participei como representante dos trabalhadores – que muitos dos políticos africanos, depois de nos baterem em grande, chegavam-se ao pé do ministro (Gonçalves Proença, se bem me lembro) e dos participantes e diziam logo que tinham de dizer aquilo... mas que, vocês não podem sair de África! Acho que tinham medo de que se Portugal saisse de Moçambique e Angola... a África do Sul iria logo a seguir.

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"Orgulhosamente sós", “Para Angola rapidamente e em força” e outras tiradas assim... tinham o efeito que tinham. E a verdade é que, depois da Inglaterra e da França, da Bélgica e da Holanda ter saido de África... alguém queria que o “país pequenino” lá focasse?! Claro que não. E olhe que... os Portugueses não foram derrotados, não. No “25 de Abril”, em Angola, há muito que não havia guerra. Ou melhor havia no Leste mas entre o melhor comandante que o MPLA teve (Daniel Chipenda) e a UNITA de Jonas Savimbi. Em Angola, a guerrilha estava ganha (embora se pudesse vir a reacender, eu sei). Em Moçambique estava meia ganha. E na Guiné, aí sim, estava perdida, podendo os Portugueses ficar por lá mais uns meses... mas tendo de sair logo a seguir, quem sabe se corridos quase a pontapé...

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Salazar foi quem foi, sim. E Marcelo Caetano chegou tarde ao Poder!

Paulo Janeiro

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