sábado, 9 de fevereiro de 2008


PCP - 1998 - Indonésia - Suharto sai, o regime permanece
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A mudança na continuidade registada na Indonésia, após a demissão de Suharto na passada quinta-feira, parece agradar à classe política do país, mas está longe de corresponder às aspirações nacionais a que os estudantes têm dado voz. «Não a Habibie» e «Julgamento de Suharto» foram as palavras de ordem mais ouvidas na manifestação estudantil de sexta-feira junto ao Parlamento indonésio.
Os universitários continuam a exigir «uma reforma total, porque esse é o desejo do povo indonésio», enquanto o «novo» governo vai fazendo promessas vagas que reforçam a ideia de que está em curso uma operação de cosmética cujo objectivo é mudar o mínimo necessário para manter intacta a estrutura político-económica do regime de Suharto. O governo do novo presidente da Indonésia, Jusuf Habibie, formado por 36 membros, é a própria imagem da continuidade, já que mantém nos postos-chave os ministros do antigo presidente, excepção feita à filha de Suharto, Titi Hardiyanti Rukmana, e do magnata da exportação de madeiras, Mohamed Hassan, velho amigo da família, cujas saídas se tornaram inevitáveis por motivos óbvios.O mesmo se pode dizer em relação ao genro de Suharto, general Prabowo Subianto, que apesar de afastado do comando da Reserva Estratégica, que conta com as unidades de elite e intervenção imediata das forças armadas (ABRI), foi colocado em Bandung, no Leste de Java, onde passa a dirigir a Escola do Estado-Maior das forças armadas .Juntamente com Prabowo foi substituído no comando das Forças Especiais o general Mucchi Purwopranjono, que comandava os «kopasus», a unidade operacional com mais capacidade do exército indonésio. Quanto ao resto, o que mudou foi a linguagem, e mesmo essa de forma mais do que moderada. Veja-se o caso do ministro da Justiça, Muladi, que afirma agora a intenção de libertar alguns presos políticos, mas exclui os comunistas, esses «criminosos» que em 1965 tentaram levar a cabo um golpe de Estado. Na sequência dessa acusação, recorda-se, Suharto desencadeou uma vaga de repressão que provocou mais de 500.000 mortos e levou à prisão ou ao exílio de milhares de pessoas e respectivas famílias que ainda hoje sofrem as consequências dessas acusações; muitos foram condenados a prisão perpétua. É lá que o «novo» governo indonésio se propõe mantê-los, apesar da maioria se encontrar velha e doente. A libertação de dois presos políticos, cujas penas estavam praticamente cumpridas, dificilmente pode ser classificada como exemplo de abertura do regime.
Mudanças?
Caricatas são igualmente as promessas do novo ministro indonésio da Informação, general Yunus Yosfiah, a quem são atribuídas as mortes de cinco jornalistas em Timor-Leste. Yosfiah diz-se agora disposto a defender a liberdade de imprensa, desde que os meios de comunicação social pratiquem «uma informação responsável».E que dizer das posições do ministro para a Economia, Finanças e Indústria, Ginandjar Kartasasmita, que garante apoiar as exigências dos estudantes para a realização de eleições antecipadas? Segundo Kartasasmita, que tem a responsabilidade de levar a cabo as negociações com o Fundo Monetário Internacional (FMI), a reforma do sistema politico é crucial para a recuperação económica do país, a pior nas últimas três décadas. Uma posição interessante, não fora dar-se o caso de Ginandjar ser justamente o mesmo que já ocupava o cargo no anterior governo de Suharto.Neste contexto, a manifesta compreensão de Amien Rais, o dirigente muçulmano que cada vez mais se assume como líder da oposição, face à alegada «boa vontade» do «novo» governo não deixa de ser intrigante. Em declarações à imprensa após um encontro com o sucessor de Suharto, Rais disse acreditar que Habibie compreendeu «as aspirações do povo» e está disposto a implementar reformas, incluindo a realização de eleições «realmente democráticas». Para isso, diz, Habibie necessita de «pelo menos seis meses».Curioso é que o governo não tenha tomado nenhuma decisão nesse sentido, apesar de cinco ministros do novo executivo e o próprio governador do Banco Central terem apelado no final da semana passada à realização de eleições, juntando assim ao ministro Ginandjar Kartasasmita. Mais curioso ainda se se tiver presente que, nos termos da Constituição indonésia, o mandato de Habibie dura até ao ano de 2003.
Clarificações
«Os Estados Unidos continuarão a fazer aquilo que pensam poder ajudar os que, na Indonésia, militam a favor da democracia, da tolerância e do direito» - as palavras são da secretária de Estado norte-americana, Madeleine Albright, num discurso pronunciado há dias na Universidade de Maryland, em College Park. Sem especificar o papel de Washington, que nas últimas três décadas sempre manteve estreitas relações com a ditadura de Suharto, a chefe da diplomacia norte-americana deixou claro que, neste caso concreto, os EUA consideram que o futuro dos indonésios deve ser determinado por eles próprios.A contenção de Washington em relação à Indonésia é tanto mais significativa quanto são conhecidas as ingerências no respeitante a outros países cujos regimes são menos do agrado da Casa Branca.A fazer fé nas palavras de Albright, a iniciativa cabe, neste caso, às organizações de defesa dos Direitos do Homem e do Ambiente que, segundo diz, «estão destinadas a desempenharem um papel indispensável para ajudarem a Indonésia a efectuar uma transição pacífica para a democracia». Um reconhecimento implícito da ausência de democracia na Indonésia, quase tão tardio como a «descoberta» da existência de exploração, designadamente do trabalho infantil. Os EUA, afirmou Albright sem corar, «não podem tolerar uma economia mundial que recompensa o produto final sem olhar às normas fundamentais». Deve ter sido à luz desta «nova» filosofia norte-americana que o FMI decidiu enviar a Jacarta o seu director para a região Ásia-Pacífico, Hubert Neiss, que conduziu desde o início as negociações sobre um programa do Fundo com a Indonésia. O mesmo programa que, para salvar os interesses do capital na Indonésia, provocou aumentos brutais dos bens de primeira necessidade e lançou milhões de indonésios no desemprego, dando origem à sangrenta revolta de Maio.Hubert Neiss tem como missão encontrar-se com «a equipa económica e o presidente Habibie», como indicou o David Hawley, porta-voz do FMI. Aparentemente, o Fundo considera que a situação está normalizada. Na véspera da demissão do presidente Suharto, o FMI tinha congelado a concessão do empréstimo à Indonésia, «enquanto aguardava que a situação política se clarificasse».
PCP solidário
A propósito da situação na Indonésia, o Gabinete de Imprensa do PCP divulgou a seguinte nota
Suharto, o ditador que chegou ao poder em 1965 na sequência de um golpe militar que assassinou largas centenas de milhares de comunistas e outros democratas e patriotas indonésios, foi obrigado a deixar o poder na sequência de grandiosas lutas populares e estudantis que abalaram a ditadura. Para este fim contribuiu sem dúvida a heróica luta do povo maubere em Timor Leste.
A estrutura do poder da ditadura foi abalada mas mantém-se. A saída de Suharto e a chamada para o cargo de Presidente do vice-presidente Habib significa, por um lado, a incapacidade do regime em se manter sem alterações e, por outro, uma nova tentativa de prolongar a ditadura com novas roupagens. Trata-se ainda de uma derrota da política neoliberal que à escala planetária visa impor aos trabalhadores e aos povos um insuportável fardo com o qual engorda algumas centenas de transnacionais que governam o mundo através do FMI e BM.
O PCP reclama o fim da repressão sobre o povo indonésio, e a libertação de todos os presos políticos - incluindo em Timor Leste, Xanana Gusmão e todos os resistentes timorenses - o reconhecimento das liberdades democráticas e a consequente instauração de um regime democrático onde o povo indonésio decida livremente o seu futuro.
Neste momento histórico, de derrota do ditador Suharto, que causou a dor e a miséria do povo indonésio e o sofrimento do povo timorense, não pode esquecer-se que a ditadura se manteve durante 33 anos, graças ao apoio a todos os níveis dos EUA e outras grandes potências capitalistas. Denunciando tal apoio o PCP considera que a escandalosa cooperação militar e as vergonhosas negociatas com armamentos devem imediatamente cessar.
O PCP apela ao povo português para intensificar a sua solidariedade para com a luta do povo indonésio pela conquistas da democracia, e para com o povo timorense na luta pela sua libertação.
O PCP considera que, nas novas circunstâncias criadas na Indonésia, se torna ainda mais premente que os órgãos de soberania de Portugal se empenhem num impulso diplomático e político no sentido de dar maior visibilidade e alcançar maior apoio para a justa causa do povo maubere. Em articulação com a Resistência Timorense o Governo Português deve adoptar novas e urgentes iniciativas, nomeadamente junto da ONU e do seu Conselho de Segurança (de que Portugal é actualmente membro) e da União Europeia, com vista a assegurar o exercício efectivo pelo povo timorense do seu direito à autodeterminação e independência. Como sempre o PCP está disponível para considerar iniciativas que visem este objectivo consagrado constitucionalmente.
«Avante!» Nº 1278 - 28.Maio.98

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