sábado, 9 de fevereiro de 2008

Beato Salazar (3) - Salazar tem tudo para ser santo - Haja senso, senhores...


Por: Manuel O. Pina

De vez em quando leio coisas por aqui que me levam a duvidar da sanidade mental das pessoas que as produzem, ou então trata-se de pura provocação. Colocar Salazar num pedestal já é suficientemente ruim para ferir a sensibilidade daqueles que têm a liberdade como um dos seus valores fundamentais. Tecer elogios ao seu comportamento quase sacerdotal, de monge castrado que tinha enorme dificuldade de sair da São Bento com medo de encarar o mundo e as pessoas, é identificar-se com os seus valores castradores, repressores e opressores. Propor agora a sua elevação aos altares das igrejas é algo de ultrajante para aqueles que se identificam com a mensagem dos Evangelhos, mensagem de paz e concórdia entre os homens.

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Para mim, sinceramente, não faz a menor diferença que transformem Salazar num santo e lhe ergam uma ermida, ou talvez uma basílica, para competir com Fátima. Na Igreja Católica já nada me surpreende. Mas Salazar tem todos os atributos necessários para, pelo menos, ser rapidamente beatificado: foi o criador do Estado Novo, um Estado maravilha, fraterno e livre, como toda a gente sabe, com profundo respeito pelos cidadãos bem comportados; criou a censura aos meios de comunicação, e até a certa correspondência considerada de origem duvidosa, para evitar que o bom povo enchesse a cabeça com ideias estranhas e destrutivas, perturbando dessa forma a paz instituída, imposta e controlada pelo seu governo; criou escolas primárias por todo o país para que o bom povo aprendesse a ler e a contar, que de mais não precisava, pois podia desandar para necessidades intelectuais pouco compatíveis com o estado apascentado da nação; criou lugares especiais de recriamento e recolhimento espiritual, como o Aljube, Peniche e o Tarrafal, para que os perturbados e dissidentes da ordem estabelecida pudessem meditar em paz e sossego, rodeados de todo o conforto, procurando talvez a sua reabilitação para poderem ser de novo recebidos no seio da sociedade servil e bem comportada, como autênticos filhos pródigos regressando a casa do pai; criou uma polícia política para estar sempre informado das necessidades do bom povo e assim poder, a tempo, prover a essas necessidades; mandou os militares da Índia sacrificarem-se em holocausto aos elevados valores da pátria distante mas ofendida, não tendo sido devidamente correspondido nesse superior desígnio, que o levou a sofrer intensamente; mandou a juventude para as diversas frentes da guerra colonial, num notável esforço para que essa juventude não se perdesse em vidas inúteis e andasse a mandriar pelos cantos adquirindo vícios, como o da leitura de boas obras, voltando essa juventude em glória, estropiada ou dentro de um caixão, sinais evidentes do seu grande amor à pátria e à nação que lhe exigira tão elevado e transcendente sacrifício; como bom seminarista estabeleceu Deus, Pátria e Família, como valores fundamentais de uma sociedade onde imperava a justiça e caridade divinas, o apego aos valores pátrios e o amor fraterno familiar com a "escrava do lar" cuidando deste e o chefe da família trabalhando por um salário miserável para a sustentar.

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Portanto, Salazar tem tudo para ser santo e não se compreenderá qualquer reticência da Sagrada Congregação dos Santos do Vaticano ou qualquer interferência negativa por parte da Igreja Católica Portuguesa. É preciso agir depressa, antes que o Papa venha a tomar conhecimento de alguma coisa menos conveniente. Milagres? Aos montes! Então não foi um autêntico milagre ter ganho aquele concurso de televisão, tantos anos depois de morto? Não foi ele que pôs todo o povo de algibeiras rotas para equilibrar as finanças? Não foi ele que juntou aquele ouro todo, que nem Deus sabe para quê, mas que acreditamos que tenha sido para ajudar os pobres e os excluídos? Não foi ele o enviado dos Céus, abençoado por Fátima, para salvar os portugueses dos demónios encarnados pelos comunistas, pelos ateus e agnósticos, que queriam levar o país para a esfera dos mentalmente atrasados países ocidentais ou pior, para o demoníaco mundo comunista? Não foi ele, o grande estadista, que enfrentou sozinho, repito sozinho, as duas grandes potências da altura, como se fosse um David contra dois Golias? Não ganhou porque foi traído na sua própria casa, senão, até era capaz de ter ganho.

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Mas há mais, há aquele caso em que devemos promover a união de todo o bom povo português para resgatar a afronta à soberania e orgulho nacionais que constitui uma coisa que ninguém conhece e se chama Olivença. Na mente iluminada de um conhecido causídico português, deve-se reconquistar Olivença, mesmo que para isso seja necessário recorrer ás armas nucleares. Upa! Isso é que é coragem! Não é uma ideia brilhante? Pela parte que me toca tenho pena, mas nunca terei a honra de ser defendido por alguém de porte tão elevado e esclarecido. Coitado do Bibi... É um sacana mas talvez não mereça ser representado por uma personalidade assim tão saliente. Coitados dos espanhóis, não sabem o que os espera, um dia acordam e levam com uma ogiva nuclear no toutiço.

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Haja senso, senhores! Sei que o papel ou a tela do computador aceitam tudo quanto ali escrevam, mas não os usem, por favor, como veículos de demência.

Cumprimentos,

Manuel O. Pina

PS: O Valle de los Caídos, erigido por Franco em memória dos falangistas mortos na Guerra Civil teve a sua última missa em Novembro do ano passado. O governo de Zapatero, parece que acordando de uma longa letargia, resolveu considerá-lo como monumento histórico e mandou retirar todos os emblemas franquistas. Prefiro a mensagem da Guernica, de Picasso, que quando um oficial alemão, ao ver uma reprodução fotográfica do painel, lhe perguntou se tinha sido ele que o tinha pintado, Picasso respondeu: "foram vocês!"

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