* Admário Costa Lindo
Agosto 23, 2007
Poemas da Refrega VI
graxa
desbotado de ganga no farrapo
calção
rasgada a rota camisa
o pé calçado co’ sujo do chão,
nas costas a caixa
quissanje desse camundongo baçuleiro,
no bolso o seco papo-seco
diamba p’ra fome
(já de oito anos),
da garganta o eco gástrico
em tom de pedido:
- sai graxa fraguês?
fuim cuim cuim
tap tap tap
o olhar dolorido uaué dolorido
do candengue
parece diz tem muxibo.
no sapato lustroso aka lustroso
(funza di jingenji) [1]
o freguês
parece é muariaquimi
fuim cuim cuim tap tap tap
- umas dôjimeia mô fraguês!
a tenra eficiência
da pobre pobreza.
admário costa lindo
Luanda, 1974
in “Diário de Luanda/Resistência”, 29.11.1975
publicado com o título “4 Poemas”
e assinado por Costa Lindo
[1] Jingenji /jinguenji/, kimb., forasteiros
Agosto 19, 2007
Poemas da Refrega V
monangamba
monangamba
é escravo
monangamba escravo
é negro
monangamba escravo negro
é homem
monangamba o homem negro
escravo
no contrato
dá o coração a comer
em troca de suor
com que dessedentar a fome
… e arrota a alma
ao cantar.
admário costa lindo
Uije, 1974
in “Diário de Luanda/Resistência”, 29.11.1975
publicado com o título “4 Poemas”
e assinado por Costa Lindo
Poemas da Refrega IV
sociedade anónima
PRETO & BRANCO, S.A.R.L.
importação exportação
AMÉRICA ÁFRICA & COMPANHIA
petróleo e derivados
OPRESSÃO & MORTE (i)LIMITADA
café & diaman(g)tes
PIDE & CIA S.A.R.L.
made in angola áfrica
admário costa lindo
Uije, 1974
in “Diário de Luanda/Resistência”, 29.11.1975
publicado com o título “4 Poemas”
e assinado por Costa Lindo
Uije, 1974
in “Diário de Luanda/Resistência”, 29.11.1975
publicado com o título “4 Poemas”
e assinado por Costa Lindo
Poemas da Refrega III
breytenbach
para o Breyten Breytenbach
eu breytenbach
tu apartheid
eu versus tu
luta em campos opostos
(nos cerrados punhos da minha revolta
a razão dos povos
na lassidão agressiva da tua obesidade
a fome do mundo)
grasnem imponentes teus corvos civilizadores
que me regele o tempo das tuas prisões
despedacem-me os caninos da tua justiça
ainda assim
a minha batalha prosseguirá sem tréguas
e a minha chama atear-se-á
na insistência de ser fogo
até que generosa a verdade chova sobre os ghettos
nas reservas e bidonvilles
nos musseques e favelas…
admário costa lindo
Luanda, 1975
in “Diário de Luanda/Resistência”, 8.05.1976
publicado com o título “Itinerários da Fome”
e assinado por Costa Lindo
Poemas da Refrega II
o Ó
bOca de comer
(com O de f Ome)
palha como enchimento
diariamente gástrico
arroto oco
eco do choro da miséria
fOme de comer
(com O de bOca)
admário costa lindo
Uije, 1974
in “Diário de Luanda/Resistência”, 8.05.1976
publicado com o título “Itinerários da Fome”
e assinado por Costa Lindo
Poemas da Refrega I
Liberdade
( em 3 gritos e 1 recado )
1º grito
na mesma
o zimbabwe a indochina o peru
ainda
a córsega o katanga a Coreia
na mesma
o chile os açores o sahara
ainda
“as terras do sem fim”
ainda…
2º grito
os dedos
das mãos do terceiro mundo
estão incomunicáveis
(a honra alugada
a angústia vedada)
e aí onde
na secura das lágrimas
o choro é seu riso
aí aonde
por caridade registada
o escarro é seu soldo
aí
o pão dos filhos
é o seu preço da fome…
3º grito
roubem-me a força
ao braço oferecido
censurem-me a palavra
vigiem-me o olhar
controlem-me o gesto
no punho erguido
acusem-me de tudo
condenem-me às galés
mas
concedam-me ao menos
a liberdade
de morrer revoltado
(e de pé)…
recado (aos Rockfeller)
deixem-me contar-vos que
(pobres mentecaptos)
vocês não sabem
nem podem ouvir
o meu povo que diz:
- ubula ulungu, uia ni mabaia – [1]
post-scriptum:
vocês não sabem:
- Lumumba não morreu –
admário costa lindo
Luanda, 1975
in “Diário de Luanda/Resistência”, 31.01.1976
publicado com o título “Fome-Poema-Mundo”
e assinado por Costa Lindo
[1] kimb. Quem parte a canoa, vai com as tábuas
.
in
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