terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

Poíesis - Poesia de Admário Costa Lindo


* Admário Costa Lindo


Agosto 23, 2007

Poemas da Refrega VI



graxa



desbotado de ganga no farrapo
calção
rasgada a rota camisa
o pé calçado co’ sujo do chão,
nas costas a caixa
quissanje desse camundongo baçuleiro,
no bolso o seco papo-seco
diamba p’ra fome
(já de oito anos),
da garganta o eco gástrico
em tom de pedido:

- sai graxa fraguês?

fuim cuim cuim
tap tap tap

o olhar dolorido
uaué dolorido
do
candengue
parece diz tem muxibo.
no sapato lustroso
aka lustroso
(
funza di jingenji) [1]
o freguês
parece é
muariaquimi

fuim cuim cuim tap tap tap

- umas dôjimeia mô fraguês!

a tenra eficiência
da pobre pobreza.


admário costa lindo
Luanda, 1974

in “Diário de Luanda/Resistência”, 29.11.1975
publicado com o título “4 Poemas”
e assinado por Costa Lindo



[1] Jingenji /jinguenji/, kimb., forasteiros

Agosto 19, 2007

Poemas da Refrega V





monangamba



monangamba
é escravo

monangamba escravo
é negro

monangamba escravo negro
é homem

monangamba o homem negro
escravo
no contrato
dá o coração a comer
em troca de suor
com que dessedentar a fome

… e arrota a alma
ao cantar.



admário costa lindo
Uije, 1974

in “Diário de Luanda/Resistência”, 29.11.1975
publicado com o título “4 Poemas”
e assinado por Costa Lindo

Poemas da Refrega IV


sociedade anónima



PRETO & BRANCO, S.A.R.L.
importação exportação

AMÉRICA ÁFRICA & COMPANHIA
petróleo e derivados

OPRESSÃO & MORTE (i)LIMITADA
café & diaman(g)tes

PIDE & CIA S.A.R.L.
made in angola áfrica



admário costa lindo
Uije, 1974

in “Diário de Luanda/Resistência”, 29.11.1975
publicado com o título “4 Poemas”
e assinado por Costa Lindo

Poemas da Refrega III





breytenbach

para o Breyten Breytenbach


eu breytenbach
tu apartheid


eu versus tu
luta em campos opostos


(nos cerrados punhos da minha revolta
a razão dos povos
na lassidão agressiva da tua obesidade
a fome do mundo)
e que
grasnem imponentes teus corvos civilizadores
que me regele o tempo das tuas prisões
despedacem-me os caninos da tua justiça
ainda assim
a minha batalha prosseguirá sem tréguas
e a minha chama atear-se-á
na insistência de ser fogo

até que generosa a verdade chova sobre os ghettos
nas reservas e bidonvilles
nos
musseques e favelas…


admário costa lindo
Luanda, 1975

in “Diário de Luanda/Resistência”, 8.05.1976
publicado com o título “Itinerários da Fome”
e assinado por Costa Lindo

Poemas da Refrega II




o Ó




bOca de comer
(com O de f Ome)

palha como enchimento
diariamente gástrico

arroto oco
eco do choro da miséria

fOme de comer
(com O de bOca)


admário costa lindo
Uije, 1974

in “Diário de Luanda/Resistência”, 8.05.1976
publicado com o título “Itinerários da Fome”
e assinado por Costa Lindo

Poemas da Refrega I





Liberdade
( em 3 gritos e 1 recado )

1º grito

na mesma
o zimbabwe a indochina o peru
ainda
a córsega o katanga a Coreia
na mesma
o chile os açores o sahara
ainda
“as terras do sem fim”
ainda…


2º grito

os dedos
das mãos do terceiro mundo
estão incomunicáveis
(a honra alugada
a angústia vedada)
e aí onde
na secura das lágrimas
o choro é seu riso
aí aonde
por caridade registada
o escarro é seu soldo

o pão dos filhos
é o seu preço da fome…


3º grito

roubem-me a força
ao braço oferecido
censurem-me a palavra
vigiem-me o olhar
controlem-me o gesto
no punho erguido
acusem-me de tudo
condenem-me às galés
mas
concedam-me ao menos
a liberdade
de morrer revoltado
(e de pé)…

recado (aos Rockfeller)

deixem-me contar-vos que
(pobres mentecaptos)
vocês não sabem
nem podem ouvir
o meu povo que diz:
- ubula ulungu, uia ni mabaia – [1]

post-scriptum:

vocês não sabem:
- Lumumba não morreu –

admário costa lindo
Luanda, 1975

in “Diário de Luanda/Resistência”, 31.01.1976
publicado com o título “Fome-Poema-Mundo”
e assinado por Costa Lindo

[1] kimb. Quem parte a canoa, vai com as tábuas
posted by Admário Costa Lindo @ Domingo, Agosto 19, 2007
.
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