domingo, 10 de fevereiro de 2008


Heresia e a "Santa" Inquisição

Leia entrevista com o autor do livro.

ENTREVISTA / FRANCISCO BETHENCOURT HÉLIO DANIEL - Agosto/2000 Inquisição: a multinacional da tortura Francisco Bethencourt, historiador português radicado em Paris, veio a São Paulo para o lançamento de seu livro História das Inquisições (Ed. Companhia das Letras), um dos estudos mais completos sobre a instituição repressiva católica que atuou em Portugal, Espanha e Itália. JUDAICA entrevistou-o com exclusividade.

De que forma seu livro História das Inquisições vai além de trabalhos anteriores, como dos historiadores Henry Kamen e de Alexandre Herculano?


A pesquisa de Kamen é restrita à Espanha e seu impacto social da Inquisição nesta nação. Herculano, por sua vez, estudou sobretudo o período do estabelecimento da Inquisição em Portugal, incluindo as disputas de bastidores entre a corte portuguesa e o Vaticano. Meu livro, além de dispor de mais informações descobertas nas últimas décadas, ainda faz um estudo comparativo sobre a instituição nos três países onde ela mais atuou, desde o final do século XV até o princípio do século XIX.
Abordo temas até então pouco comentados em trabalhos anteriores, mesmo por outros autores. Entre eles, as formas de organização, os rituais e etiquetas, modelos de ação inquisitorial com o números de vítimas e, por fim, as formas de representação através de imagens e pinturas da época, tanto por parte dos inquisidores quanto por parte dos judaizantes e protestantes.


De uma Espanha relativamente harmoniosa entre judeus, cristãos e muçulmanos, vemos o aparecimento da intolerância e conflitos sociais já no século XIV. Como analisa este fato?


A idéia de tolerância religiosa na Espanha medieval está sendo contestada, sobretudo nos Estados Unidos. O momento de aparente tranqüilidade social termina no final do século XIV e início do século XV, com as conversões forçadas e as grandes pregações de San Vicente de Ferrer (de origem judaica), aumentando as pressões sobre as comunidades judaicas especialmente no norte do Espanha. A partir daí, os cristãos-novos passam a ser estigmatizados pelos cristãos-velhos, criando um problema social e religioso grave na sociedade espanhola. Mais ou menos na mesma época acontecem os primeiros motins contra os judeus em Lisboa.
Por volta de 1440 começam a aparecer na Espanha os primeiros Estatutos de Limpeza de Sangue em relação à Catedral de Toledo, onde são excluídos todos os cristãos de origem judaica. Com a instalação da Inquisição em 1478 e 1536, em Castela, Aragão e depois em Portugal, respectivamente, a intolerância vai ser organizada de maneira sistemática.


Quais as principais diferenças entre a Inquisição ibérica com a italiana?

Os inquisidores em Portugal e Espanha são juristas, ou seja, clérigos seculares formados em Direito Canônico. Na Itália os inquisidores são basicamente dominicanos e franciscanos, com formação em Teologia. Em ambos os casos a Inquisição funcionava como um trampolim para a carreira eclesiástica.
Em Portugal, a Inquisição vai perseguir sobretudo os cristãos-novos. Cerca de 80% dos processos portugueses dizem respeito aos cristãos-novos. Na Espanha, a ação inquisitorial se dá mais intensamente no final do século XV e início do XVI, dedicando-se depois a perseguir os mouriscos, muçulmanos convertidos ao catolicismo. Logo em seguida, a perseguição se volta para os cristãos-velhos dos campos por blasfêmias e heresias. E ainda numa outra fase se voltam novamente contra os cristãos-novos que haviam entrado na Espanha após a unificação das coroas ibéricas em 1580.
Na Itália, a Inquisição estava mais voltada aos conflitos entre as ordens religiosas e às heresias, como no caso dos protestantes no norte. É, assim, menos coesa e mais aberta à dinâmica de poder dentro da Igreja, onde se constituía como um verdadeiro lobby. Nada menos de que três papas, no século XVI, foram membros da Congregação do Santo Ofício em Roma. Da mesma forma que o Santo Ofício elegia papas, também invalidava a eleição de outros, como a do cardeal Moroni.

A Inquisição era uma instituição eclesiástica ou estatal?

Eclesiástica. A Inquisição era claramente um tribunal eclesiástico. Mas no caso da Península Ibérica ela acaba por ter uma jurisdição mista e é absorvida pelos organismos das monarquias de Castela e de Portugal, porque os reis propõem o inquisidor-geral. Nestes reinos, a Inquisição consegue perpetuar-se, porque joga com esta dupla fidelidade.
O Estado se encarregava da execução das penas. Há uma sutileza no Direito Canônico de que os eclesiásticos não podem condenar ninguém à morte. Portanto a sutileza é esta: os eclesiásticos excomungavam os condenados - e inclusive pediam clemência às autoridades civis, o que é o máximo de hipocrisia - os enviavam para a justiça civil e eram imediatamente executados. A excomunhão era uma sentença de morte.

Portugal foi o país que viveu mais intensamente o fenômeno criptojudaico. Por isso mesmo a Inquisição foi mais terrível aos judeus portugueses?

O primeiro aspecto é que a população de origem judaica está mais concentrada em Portugal. O segundo aspecto é que há pela Igreja católica uma hierarquia dos chamados "crimes". A pessoa que fosse acusada de judaísmo (verídica ou supostamente) era considerada um apóstata. O seu caso não era de heresia, mas de apostasia, o que significava abandonar completamente a religião cristã. As pessoas acusadas de judaísmo tinham as penas mais graves. O protestantismo, por sua vez, era apenas uma heresia, pois ocorria dentro do cristianismo, logo, ficava abaixo da hierarquia. As penas mais graves estavam reservadas ao judaísmo.

Entre os historiadores há diferentes correntes sobre a Inquisição. Quais são as principais e em que elas consistem?

A tese da instrumentalização social da Inquisição é defendida por Antônio José Saraiva e Henry Kamen. A tese de Saraiva (marxista) considera que a Inquisição era uma fábrica de judeus e a Inquisição era um instrumento da aristocracia contra os cristãos-novos, formadores em parte da burguesia anunciante. Nesta linha também está Herman Salomon. A tese da mentalidade da época, defendida por Maria José Ferro, é uma teoria perniciosa. Se a mentalidade da época fosse tão importante, se todos participassem do mesmo esquema de valores, não existiria vítimas. As vítimas existem e mesmo fora do judaísmo, como o padre Antônio Vieira e entre os cristãos-velhos. Já Israel Salvador Revah considerava que os cristãos-novos de origem judaica eram sinceros judeus que estavam numa situação muito difícil e que continuavam com suas crenças. Por outro lado, para Bentzion Netanyahu os cristãos-novos haviam renegados sua antiga fé.

Qual a sua teoria, em particular?

Para mim a Inquisição não pode ser vista pela ótica marxista, porque havia uma parte da nobreza e da Igreja que tinha relação de interesses com cristãos-novos. Há diferenças dentro da aristocracia e dentro da burguesia. A Inquisição não pode ser vista como uma instituição de um grupo contra outro. Há uma pluralidade de situações que a envolve.

Referência Bibliográfica:

Fonte:

http://paginas.terra.com.br/arte/sarmentocampos/Reflexoes.htm
http://www.judaica.com.br/materias/040_03a06.htm

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