sábado, 9 de fevereiro de 2008

Beato Salazar (9) - Milagre, Mistério e Autoridade

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* José Pires

Milagre, Mistério e Autoridade Eis o que move e desejam as multidões. Em todas as latitudes!

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Depois da desassombrada intervenção do confrade Manuel Pina, parece-me que outra saída não me sobra do que a de dar testemunho sobre a acção de Salazar e do Estado-Novo, pese embora eu pouco ou nada possa dizer que não o tenha já dito antes.

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Nasci em Outubro de 1935, sob o regime de Salazar e vivi sob ele 39 anos, nada menos.

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Quando adquiri algum tino para entender o que se passava à minha volta (1945), eu só ouvia queixas, anedotas, recriminações e acusações contra Salazar e o seu regime. A única pessoa a quem eu ouvia tecer louvores ao presidente do conselho era a minha mãe. Mais ninguém, que me lembre. Nem ao meu pai nem aos muitos amigos que ele tinha.

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Lembro-me de ir ao colo de minha mãe, no princípio da Guerra, em Cascais, à chamada Cidadela, onde se desenrolou uma manifestação popular para agradecer ao general Carmona (que nessa altura ali se encontrava) o facto de Portugal não ter entrado no conflito. E depois lembro-me de ter andado aos ombros do meu pai quando a Guerra findou.

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Nem o meu pai nem os seus mais próximos amigos se mostravam favoráveis ao que então de denominava por "a Situação". Nem um único! Alguém se lembra das eleições onde participou Norton de Matos? Da suspensão da Censura nessas alturas? Do jornal "República"? Dos verruminosos artigos do "Rocha", que os ardinas anunciavam em voz alegre pelas ruas de Lisboa? Nessa altura eu já sabia ler e acreditem que os li também! E mais tarde, quando apareceu o almirante Quintão Meireles a defrontar Craveiro Lopes. Alguém se lembra disso? Eu lembro-me e ainda melhor.

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Durante o meu serviço militar obrigatório, porém nunca ouvi, fosse quem fosse, pronunciar-se contra e muitos oficiais declaravam abertamente a sua adesão ao Regime. Até o nosso comandante se ofereceu como voluntário para a Índia! Escapei porque houve um outro oficial comandante de uma outra unidade, que se oferecera primeiro. A seguir, eram necessários dois elementos do meu curso de especialização. Eramos oito. Como eu fora o segundo colocado, seguiram os dois útimos. Ficaram prisioneiros durante a invasão da União Indiana! A minha mãe chorou que se fartou, agarrada a mim, agradecendo aos céus lhe terem dado a graça de eu ter sido poupado.

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Houveram as eleições presidenciais entre Delgado e Américo Tomaz. Nessa altura eu já fora desmobilizado e trabalhava para a Empresa Nacional de Publicidade (Diário de Notícias): não havia colega meu que não fosse pelo Delgado e eu próprio vi-me envolvido numa qualquer recolha de fundos para a sua candidatura. Fui a alguns comícios eleitorais seus (Liceu Pedro Nunes) e testemunhei diversas cargas de cavalaria da GNR sobre os manifestantes. Nunca se sabia o que desencadeava aquilo. Mas um colega das oficinas gráficas gabava-se de ter espetado várias navalhadas na barriga de vários cavalos.

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A existência da Censura prévia à Imprensa era o que de mais detestável eu achava no Regime. Muito mais do que a inexistência de Partidos Políticos ou liberdades de reunião.

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Nessa altura aconteceram a guerra da Argélia, como anos antes acontecera ao franceses a da Indochina, que acabou como acabou. Lembro-me das guerras do Mau-Mau, no Kénia. Das lutas na Malásia e nas Ilhas de Java, com os holandeses. Do que o grito Uhru significava para os africanos! Da agitação no Ghana de Nkrumah. Da insurreição na Hungria contra a URSS, da ocupação pelos franco-britânicos do Canal de Suez. Logo a seguir o caso do Congo ex-belga. Ali, a Bélgica até havia conversado com os independentistas e o rei Balduíno esteve mesmo presente nas cerimónias da independência em Leopoldville, hoje Kinshasa. E esse belo exemplo descolonizador trouxe a paz e a traquilidade ao território? Não. Evitou uma horrenda guerra civil? Não.Evitou violações e mortes sobre os residentes brancos? Não. Bem pelo contrário. Alguém se lembra o hoje de nomes como Kasawubu ou Patrick Lumumba? Eu lembro-me bem. Alguém se lembra da Guerra do Katanga? Se calhar, não. Foi com esses belos exemplos encorajantes que o governo português de então se confrontou quando, na ONU, o grupo afro-asiático começou a exigir a entrega dos territórios portugueses, não servindo, diziam, o argumento de falta quadros e de preparação para a protelar a independência imediata. Alguém se lembra disso hoje? Dos chamados Ventos da História? Eu lembro-me e muito bem, pois nessa altura já era maior e vacinado.

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E lembro-me muito bem da célebre frase "Orgulhosamente sós", quando todos os nossos mais directos aliados, confrontados com os problemas do conflito Leste-Oeste, decidiram optar pelo que lhes era, na altura, mais conveniente, abandonando-nos. Com orgulho ou sem ele, ficámos mesmo sós.

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Continuo a pensar que Salazar devia ter tido a ousadia de restaurar as liberdades formais logo a seguir ao fim da guerra, mau grado todos os sinais que desaconselhavam isso. E que trouxeram, afinal, as independências aos antigos territórios ultramarinos portugueses? Esperança em dias melhores e pouco mais. Para a Guiné (livre e independente, como dizia a canção de 74) apenas miséria, sofrimento e servir de base a traficantes de droga de todas as proveniências.

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A História foi o que foi. Salazar foi o que teve de ser. Era um ser humano, e os seres humanos são compostos de virtudes e de defeitos. Salazar teve os seus. Não foi mais nem menos do que qualquer outro grande leader que todos os outros povos da Humanidade tiveram uma vez nas suas Histórias. Mas se até um homem quase unanimemente considerado como terrorista foi contemplado com o Prémio Nobel da Paz (Yasser Arafat), com olhar para Salazar com a severidade que não vi nunca usar para com outros?

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Nunca fui salazarista. Mas agora encontro-me a interrogar-me se eu sabia mesmo bem porquê. Se isso era mesmo opinião minha, se influência alheia. E vejo-me sem atinar com a resposta exacta. Já não tenho as mesmas certezas absolutas que tinha antes.

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E agora, para meu atónito espanto e surpresa vejo, pela primeira vez, quarenta anos depois de desaparecer, Salazar ser eleito por escrutínio popular como O Maior Português de Sempre.

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Podem argumentar que 100.000 portuguêses não são representativos de 10 milhões. Mas se nos lembrarmos que uma sondagem de opinião, com 95% de certeza, não engloba mais de 10.000 consultas, o argumento cai como um castelo de cartas. Salazar ganhou mesmo, democraticamente e com maioria esmagadora, uma consulta livre, democrática e popular. Como explicar isto?

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Estamos todos, afinal, enganados ou é a Realidade que se engana?

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Responda quem souber, por que eu, não sei.

Com amizade José Pires
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