quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

Encerrado ....

montagem a partir de foto de J. J. Castro Ferreira

Destaque duma foto de Rui Pedro

Fotógrafia destacada dum conjunto - Nogueira da Silva
(Lisboa - o regresso da família em 1975)

auto-retrato

Susana Silva (Mindelo)

Joana Princesa - musa de muita poesia sobre o amor e o brincar- tal como a Maria do Mar
(Porto)

Fátima P. (Buçaco)
a navegadora e anotadora nas nossas viagens em Portugal de lés a lés

Rui Pedro
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... por falta de leitores, de comentários, de nível ou de interesse. Ou tudo junto.
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Autores das fotografias creditados
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“A Vida dos Outros”: Ataque frontal



por Cloves Geraldo*


Filme de estréia do alemão Florian Henckel von Donnersmarck retoma ataques anticomunistas ao retratar os conflitos entre Estado e intelectualidade durante a existência da RDA (República Democrática Alemã)


Muito ainda há para se contar historicamente sobre as relações Estado/intelectualidade durante o período do Socialismo Real, no Leste Europeu. Relações estas que começam antes da formação do Estado Soviético e duram até a queda do Muro de Berlim. Não se trata de relações simples, daquelas que falam sobre a adesão ao ideário socialista ou simplesmente ao marxismo-leninismo. Avançam até a participação político-ideológica, com todas as contradições que implicam estar no centro da luta de classes, contribuindo para o surgimento de novas formas e manifestações culturais. Principalmente devido às questões que opõem as políticas de Estado às formulações e criações culturais. O tempo de cada uma muitas vezes não coincide, daí os choques pouco estudados, que abrem espaço para explorações oportunistas, como as mostradas nos filmes alemães, “Adeus Lênin” e, agora, neste “A Vida dos Outros”, estréia na direção de Florian Henckel von Donnersmarck.



Enquanto o primeiro é uma parábola sobre a suposta manipulação da consciência das camadas trabalhadoras no Socialismo Real, problematizada na antiga RDA (República Democrática Alemã), no segundo Florian Henckel tenta captar a “falta de liberdade individual” no país e as conflitantes relações entre Estado e produtores culturais no período que vai de 1949, época de criação da RDA, até 1990, pós-Queda do Muro de Berlim. Ambos pretendem, com isto, fazer uma espécie de acerto de contas com o Estado Socialista Alemão Oriental. E o faz através da análise do tratamento que o Governo Erich Honecker (1912/1994) dava aos produtores culturais. Tema por demais complexo e polêmico, pois implica em matizar a consciência intelectual e seu compromisso com a preservação da estrutura do Estado Socialista Alemão Oriental e, por extensão, da causa do Socialismo e da luta do proletariado alemão e, por que não, internacional.

Trabalhadores tiveram acesso a vasta produção cultural

A questão avança para a contribuição que o intelectual socialista deve dar a esta causa, por meio de sua arte. Durante a construção da URSS, no período de Lênin (1917/1922), havia toda uma concepção em elaboração e as pistas, picadas e trilhas precisavam ser amarradas. A criação artística, devido a isto, estava em aberto. Cada um à sua maneira podia apontar caminhos, nos mais variados gêneros, do romance à poesia, das artes plásticas ao design, do cinema ao teatro. Em meio a este caos aparente poderia surgir a ”arte proletária”. Se era o caminho socialista ou não continuava em aberto. Até o início do Realismo Socialista, nos anos 30, os caminhos se bifurcaram, muita polêmica e debates contribuíram para uma arte que tentava inovar, sem, no entanto, dizer que representava a arte proletária, brotada da Revolução Socialista. Era, no entanto, uma arte ebulitiva, adversa da arte em voga no Ocidente (era assim que os artistas soviéticos viam a arte que era produzida nos EUA e na Europa).



Depois, quando surgiram as elaborações teóricas que desembocaram no Realismo Socialista a divisão se impôs, pois de um lado havia uma política de acesso à produção cultural e de outra a urgência de se ter uma arte para os novos tempos: o dos planos qüinqüenais e da afirmação do ideário socialista/proletário, marxista-leninista. Foram fixados então três campos: a produção, a distribuição e o acesso. A discussão sobre a produção segundo um modelo, o do Realismo Socialista, com narrativas e representações das contribuições proletárias à construção do socialismo, terminou por ofuscar os outros vértices, em particular o último: o de acesso, que, a preços módicos, permitiu aos trabalhadores soviéticos a ler romance e poesia (e não só estes); assistir filmes, peças teatrais e espetáculos de dança e ópera e freqüentar galerias de arte. O comprometimento ou não dos segmentos intelectuais com este novo ideário, o do Realismo Socialista, terminou por provocar profundas cisões nos meios intelectuais, inclusive no assim chamado Ocidente, com manipulações, injustiças e cerceamentos, que terminaram por esfriar as relações entre o Estado Socialista e os produtores culturais.


Contradições na construção do Socialismo não devem abrir espaço às manipulações


Em princípio os conflitos entre diretrizes políticas na época da construção do Socialismo Real na União Soviética e os produtores culturais, grosso modo, se deram, como já observado acima, em razão do tempo de cada ação. O primeiro dada às urgências de afirmação de classe, da estruturação do novo, o Estado Proletário adverso ao Estado burguês, com grandes dificuldades. O segundo em razão da necessidade de espelhar as contradições emergentes na forma da criação cultural, ou se preferir, a arte em construção, sem modelo algum, senão o corte a partir do visto em torno (a realidade social nua e crua, que a arte transfigura e codifica em sua linguagem para o público). O inevitável choque (este tema, dos mais necessários, carece de estudo em profundidade para debelar mitos e inverdades que perduram, principalmente junto à intelectualidade burguesa ou não e às correntes vacilantes de intelectuais reformistas, ainda hoje) terminou por acontecer, em que pese, também, as questões de visões, tendências e apostas burguesas no seio da intelectualidade russa da época.


Não se deve descartar a tendência ao individualismo, até mesmo o desprezo ao coletivo, do intelectual burguês prevalecente à época da construção do Socialismo na então nascente República Socialista Soviética. Esperava-se que outra forma de produtor cultural surgisse dos embates de classe e da tentativa de construção de outra forma de arte. Um tema tão vasto, impactante e conflituoso, mas necessário para esclarecer dúvidas e contribuir para elucidar sobre o tipo de arte que deve sair das relações sociais, políticas, econômicas e culturais na etapa inicial de construção do Estado Socialista, e mesmo hoje durante a estruturação do “Socialismo de Mercado” chinês e outros a construir, vai muito além do espaço bidimensional do cinema. Porém, não se presta a manipulações. Em “A Vida dos Outros”, Florian Henckel arranha as questões acima levantadas, pondo o dramaturgo Georg Dreyman (Sebastian Koch) no centro da ação, sem entrar em detalhes sobre sua relação com o Estado Alemão Oriental. O que se sabe é que ele, em princípio, não incomoda. É, supostamente, um eleito da direção do partido e do Estado.


Diretor demoniza representante do Estado em seu filme

Dreyman é simpático e boa pinta. Leve e cheio de sorrisos. E veste-se com sofisticação. Representa, assim, o estereótipo do artista, em paz consigo mesmo. Florian Henckel, desta forma, não o estigmatiza, o torna simpático para o espectador que logo simpatiza com ele. O primeiro contato com ele, espectador, tem com Dreyman, é através da encenação de uma peça sua para uma seleta platéia, formada por altos figurões do governo e, principalmente, o ministro da Cultura, Bruno Hempf (Thomas Thiene). Pela breve seqüência que se vê, ela, a peça, não retrata uma realidade adversa à do Estado Alemão Oriental. É, portanto, um intelectual do sistema. É este personagem, cujas ações logo entrarão em questão, que Florian Henckel irá opor ao Estado. De uma forma transversa, que ajuda o diretor a escamotear o tema das relações intelectualidade/ Estado Socialista. Põe em curso outro tema: o da cobiça, a tentativa de Hempf atrair para si a atriz Christa-Maria Sieland (Martina Gedeck), paixão de Dreyman, e o uso que outro personagem, Gerd Wiesler (Ulrich Mühe), fará de suas descobertas.

Florian Henckel tenta fundir dois temas em um: o do controle da vida do cidadão pelo Estado e o das relações amorosas, via chantagem, na RDA, de 1984, quando transcorre a ação. Aparentemente, o que Hempf tenta é checar as relações de Dreyman com dois artistas sob suspeita: o diretor de teatro Albert Jerska (Volkmar Kleinert) e o intelectual Paul Hauser (Hans-Uwe Bauer). No meio está Dreyman. A partir deste enfoque inicia-se o processo de espionagem, pressão, chantagem. Está-se diante de um filme-referência: “Tocaia”, de John Badhan, em que Emilio Estevez e Richard Dreyfuss portam-se num apartamento para espionar o movimento no imóvel em frente. Mas remete-se principalmente ao filme-padrão, para este tipo de narrativa: “Janela Indiscreta”, de Alfred Hitchcock. Portanto, algo muito visto pelo espectador, para se ficar em apenas dois filmes. O entrecho submerso, porém, é outro. É o de criticar as relações Estado/intelectualidade durante o Socialismo Real, na RDA. Assim, entra em ação outro personagem: Gerd Wiesler.

Agente ao presenciar vida do espionado muda de idéia

Wiesler, ao contrário de Dreyman, é um ser quase imóvel, de ampla calva, magro, roupas cinzentas, gestos comedidos. A ele é dada à tarefa de espionar Dreyman. Com todos os apetrechos comuns neste tipo de filme ele vai, aos poucos, deslindando o cotidiano do dramaturgo. Este leva uma vida comum, de ficar em seu apartamento, escrever, ler, receber amigos e se relacionar com Christa-Maria. Nada de suspeito, de adverso há em suas movimentações. Há ali, sim, um homem cuja vida é diferente da sua: solitária, obrigado a preparar suas refeições, ficar estático diante da televisão, num ambiente de poucos e simples móveis. O monótono trabalho que faz leva-o a se questionar. Numa seqüência em que assiste as carícias entre Dreyman e Christa-Maria, eles o instigam a buscar recompensa amorosa, só que com uma prostituta, numa crítica sutil ao sistema prevalecente na então RDA. Ele, inclusive, a quer por mais tempo, ela, no entanto, se desvencilha dele, dada ao compromisso com outros clientes.

Este é o único instante em que “A Vida dos Outros” ganha em profundidade. Deixa de ser um arremedo de filme, que na verdade é, sobre a relação Estado/intelectualidade para ser a respeito de um homem cuja atividade o retira do cotidiano, do relacionar-se com outrem, do projetar sua própria vida. Outra camada lhe será acrescentada ao Wiesler presenciar numa noite a chegada de Hempf com Christa-Maria, num luxuoso automóvel preto. Ele compreende, na verdade, o que está por trás da ordem de espionar Dreyman. De novo uma crítica: a de que a RDA se prestava a este tipo de mesquinharia, ou seja, questões de natureza amorosa se sobreporem às de natureza do Estado. Pode ser entendido como um desvio individual, do ministro da Cultura, Hempf, que põe o aparelho de espionagem estatal para provocar a derrocada de um intelectual importante e dele roubar a mulher. Entretanto, Florian Henckel não aprofunda esta questão. Não remete o espectador a uma discussão deste nível. No máximo, mostra Hempf servindo de escada para o assessor Anton Grubitz (Ulrich Tukur) que busca ascender na estrutura do Estado.

Acerto de contas mostra que Socialismo ainda assusta

São pontas apenas. Com o agravante de que Hempf, a exemplo de Wiesler, não é um personagem simpático. Pesadão, sempre de terno e gravata, ele é direto. A seqüência no automóvel, em que usa Christa-Maria em pleno tráfego, atesta seu caráter. E Florian Hemckel remete seu filme aos anos de Guerra Fria, quando os comunistas eram retratados pelos filmes europeus e hollywoodianos como brutamontes, seres sem cérebro, dispostos a cometer os mais bárbaros crimes. Uma caracterização grosseira, simplista, até. Seus motivos são mesquinhos – afastar Dreyman de suas relações e ganhar Christa-Maria para si. Hempf a manipula ao extremo a ponto de ela ir se entregando, deixando de lado sua paixão por Dreyman. Bela, interpretada com intensidade gratificante pela atriz Martina Gedeck, ela representa a fragilidade feminina diante da rudeza do vilão. Todo o ódio recai, assim, sobre Hempf. O que impulsiona a propaganda das relações entre Estado e intelectualidade na Alemanha Federal de hoje contra o Socialismo Real.

Esta forma de acerto de contas que enquadra o passado para tirar lições e, a partir daí, ganhar adeptos para uma causa, foi tratada pelos historiadores suecos Leif Furhammar e Folke Isaksson, em seu livro “Cinema & Política.”(...) A propaganda no cinema sempre encontra bons presságios para sua vitória, a maioria arrancados do passado. A forma especial de regressão cinematográfica é a reação primitiva de escapar de uma crise andando para trás no tempo até um período mais seguro (...)”. Florin Henckel procura escapar ao passado inserindo em “A Vida dos Outros” o que ocorreu com Dreyman e Hempf após a queda do Muro de Berlim. Embora tenha sido demonizado, Hempf, pós-queda da RDA, continua em altos postos – sempre de terno e gravata cinzentos e mostrado nas sombras – enquanto Dreyman escala os degraus da fama, com direito a banners gigantes nas livrarias e noite de autógrafo no lançamento de seu livro. No encontro de ambos, não muito ao acaso, o dramaturgo tenta esclarecer o modo como era visto e tratado pelo Estado no período pré-derrocada do Socialismo Real no Leste Europeu. A resposta que o antigo ministro da cultura lhe dá é chocante. Dreyman percebe toda a sua fragilidade e os riscos que correu, quando se imaginava protegido pelo Estado.

Espião mudou de lado e caiu em desgraça

Se estas seqüências podem ser incluídas nos paralelos da manipulação, uma vez que Florian Henckel mostra-o em pleno deslocamento pelas ruas de Berlim, sem espião algum em seu encalço – as que retratam as conseqüências do ato de Wiesler em mudar sua visão sobre o suspeito Dreyman colocam o filme num patamar adverso. Seu ato não o recompensou. Caiu em desgraça ainda durante a existência da RDA e esta punição permanece no período pós-Queda do Muro de Berlim. A forma como ele se locomove pela calçada, recolhendo cartas e empurrando o carrinho dos correios comprovam a capacidade de análise do diretor sobre as transições de sistemas políticos, em que a desgraça pode continuar; com a punição perdurando para além dos limites de uma forma de Estado para outra. Antes oficial, com poderes para ditar normas e impor severas punições, Wiesler acabou vítima sua decisão.


Embora “A vida dos Outros” tenha estes oásis conteudísticos é um filme que se presta a demonizar as relações Estado/produtores culturais durante o Socialismo Real. Presta-se a um trabalho antes feito pela CIA para evitar simpatias pela revolução em curso na antiga URSS, conforme retrata a inglesa Frances Stonor Saunders em seu livro “Quem Pagou a Conta”, resenhado por Ubiratan Brasil, no jornal O Estado de São Paulo. ”(...) Entre 1950 e 67, durante o auge da Guerra Fria, a agência (CIA) investiu vastos recursos em um projeto com a intenção de afastar a intelectualidade, especialmente européia, de seu fascínio remanescente pelo marxismo e comunismo, buscando atraí-la para uma visão mais receptiva do “estilo norte-americano”(2). A idéia hoje é, possivelmente, outra: a de não atrair simpatias para o “Socialismo Emergente”, simbolizado pela visibilidade chinesa.


Filme cai como dádiva para os neoliberais

Diante das incertezas neoliberais um filme com esta carga político-ideológica cai para os países do 1º Mundo, os EUA, em especial, como um grato prêmio. É como se dissesse: “olha aí, eram uns monstros!”. Uma forma de isto reconhecer foi logo premiá-lo. Ganhou o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro de 2007. Um galardão que não o impulsionou nas bilheterias ou nas páginas dos jornais, salvo pelas críticas elogiosas na mídia costumeira. Pouco significa frente à capacidade de o cinema, principalmente neste caso, estar usando velhos recursos para demonizar “o inimigo” que nos idos de 1989 parecia tão frágil e agora neste início de Terceiro Milênio mostra-se tão vivo. Pelo menos o filme “A Vida dos Outros” serve para despertar quantos sejam para a sua possibilidade de se mutar em fênix e continuar sua trajetória histórica.

“A vida dos Outros” (Das Leben der Anderen). Alemanha. Drama. 2006, 137 minutos. Roteiro/Direção: Florian Henckel von Donnersmarck. Elenco:Martina Gedeck, Ulrich Koch, Sebastian Koch, Ulrich Tukur.

Referências Bibliográficas

(1) Furhammar, Leif; Isaksson, Folke, “Defesa Psicológica”, Cinema & Política, Editora Paz e Terra, 1976, pág. 206;


(2) Brasil, Ubiratan, “Corrupção Intelectual”, Cultura, Caderno 2, O Estado de São Paulo, domingo, 10 de fevereiro de 2008, Ano 24, Número 1.424, D1.





*Cloves Geraldo, Jornalista



* Opiniões aqui expressas não refletem, necessariamente, a opinião do site.
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in VERMELHO -
15 DE FEVEREIRO DE 2008 - 19h05

Os Versos do Poeta


por Eduardo Bomfim*

Quando o ano de 2008 avizinha-se rapidamente, iminente, nesses tempos de festas, deve-se, acredito, escrever ou falar em mensagens de esperanças mesmo que exista um sentimento de ceticismo em muitas pessoas bombardeadas pelos acontecimentos sociais, as notícias sobre a criminalidade, ou mesmo uma difusa sensação emanada de um tempo complexo demais.


Não temos qualquer vocação para adeptos do Dr. Pangloss, personagem de Voltaire no romance satírico “Cândido ou o Otimismo”, que olhava o mundo e os episódios, com um tresloucado otimismo. O referido Pangloss, nunca observava os fenômenos da sociedade com olhos críticos.


Por outro lado, abominamos o seu oposto extremo, o niilismo, doutrina que professa a convicção de que não há verdades ou alguma espécie de valores na sociedade a serem construídos ou mantidos pelo seu caráter universal. Assim, nem o otimismo irrealista, como o velho remédio, a “maravilha curativa”, nem a descrença na capacidade do ser humano em alterar o seu destino para tempos melhores.


O desenvolvimento da humanidade já provou o contrário, as mulheres e os homens mudam, quando podem e querem transformar a situação estabelecida, quando adquirem a consciência dessa necessidade. E o fazem, também, em todas as áreas das ciências.


As guerras, as injustiças, a fome, as ditaduras etc, são parte de uma etapa das sociedades que ainda não atingiram um estágio superior.


Assim pensam não só os defensores das emancipações estruturais da condição humana, mas os cristãos, os judeus, os islâmicos, os budistas, os humanistas, os umbandistas, e tantas outras religiões ou cultos.


É inerente aos seres humanos o sonho de um novo mundo, como um destino a ser alcançado por todas as gerações, inclusive aquelas que passaram por experiências terríveis.


A raça humana, mais que contemplativa, modifica as suas condições de sobrevivência, sempre com imperfeições, mas em escala progressiva. Não pretendemos retornar à idade da pedra lascada, mesmo que alguns insanos sonhem com essa regressão.


Em 2008, continuemos a honrar o legado dos que se bateram por novos dias, como nos versos do poeta Maiakóviski: se as estrelas se acendem é porque alguém precisa delas, é porque, em verdade, é indispensável que sobre todos os tetos uma única estrela, pelo menos, se alumie.





*Eduardo Bomfim, Advogado

in VERMELHO - 29 DE DEZEMBRO DE 2007 - 15h32
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e também em

lucianosiqueira.blogspot.com


* Opiniões aqui expressas não refletem, necessariamente, a opinião do site.


terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

Escrita e edição electrónicas: como «nasce» um escritor?

ENTREVISTAS

Segunda-feira, 4/2/2008
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Márcio-André
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Márcio-André é precoce. Completando trinta anos em 2008, já publicou três livros de poesia; edita uma das mais importantes revistas literárias da atualidade, a Confraria; e coordena a editora Confraria do Vento, pela qual lançou seu último volume, Intradoxos, e também a coletânea dos dois primeiros anos da Confraria, ambos em 2007. "Primeiro poeta radioativo do Brasil", já leu poemas até em Chernobyl, na Ucrânia, e, no momento, desenvolve um trabalho em "geopoética", a "poética das casas", define.

Nesta Entrevista, Márcio fala da Geração 00 ("o fato de publicar já não atesta ninguém como escritor"), da gênese e da consolidação da Confraria ("nosso interesse era enfrentar a academia e a maneira pela qual ela sempre se fez ver") e da caminhada editorial da Confraria do Vento ("estamos descobrindo como é difícil e complicado levar adiante uma editora no Brasil").

Embora poeta militante, Márcio-André teme pelo fim da poesia ("ela exige uma contemplação, uma paciência e uma auto-reclusão difíceis de se encontrar hoje"), dá os seus palpites sobre o livro eletrônico ("vejo a 'pirataria literária' como uma possibilidade de democratização da leitura") e reflete sobre a relação escritor-leitor ("será que o escritor [contemporâneo] está preparado para intermediar, como queria Hölderlin, deuses e homens?"). — JDB

1. Queria começar falando de você e da sua produção. Como eu acompanhei a internet e a Geração 00 praticamente desde o início, cansei de ver gente que descobriu a escrita através do e-mail e através da Web — e, de repente, pensava que era escritor. Sem nenhuma cultura para isso. Sem ler a literatura feita antes (às vezes renegando a tradição sem conhecer a tradição), maltratando a ortografia e a gramática, e publicando, naturalmente, obviedades, como se fossem peças originais ou mesmo autênticas. De uns tempos pra cá, porém, apareceu gente como você — que lê, que estudou (e continua estudando) literatura e que vem com uma proposta. Como foi no seu caso? Não sei se você concorda comigo, mas eu acho que você não é o único — eu tenho visto autores jovens, com vontade de aprender, perguntando, pesquisando... sem aquela empáfia de quem nasce "sabendo tudo". Você confirma essa atitude?

Eu acredito num valor ambíguo da internet, que tem menos a ver com ela do que com seus usuários. Seu grande mérito está na possibilidade de independência do escritor dos canais formais de difusão e produção, sejam estes as editoras, a academia, a imprensa, tradicionalmente responsáveis por "atestar" aquilo que deve ser lido.

Não há aqui um julgamento. Não há certo ou errado, mas naturalmente cada mudança de aspecto implica uma mudança no panorama: se antes havia uma dificuldade maior de veicular o trabalho, por outro lado havia um maior "profissionalismo" da escrita — para o bem e para o mal. O editor, por pior que fosse, agia como mediador qualitativo, ainda que em função do mercado, de uma tradição ou de um grupo. A tecnologia tornou tão fácil lançar um livro ou um blog, que surge espaço tanto para uma escrita menos comprometida a esses ditames quanto para essa falta de "profissionalismo" da escrita, surgindo muitas vezes escritores sem critério algum.

Isso leva justamente ao caminho oposto, onde o fato de publicar já não atesta ninguém como escritor. A proliferação dos autores que "nascem sabendo tudo" só é problema da internet na medida em que ela queira o mesmo nivelamento democrático da idéia que a subjaz, enquanto produto desta, cuja propensão é justamente a de direcionar sua fala a todos aqueles que queiram simplesmente se "expressar". A idéia da expressão, enquanto valor artístico, é muito mais antiga, surge com a modernidade e remete mais imediatamente à idéia do gênio no romantismo, justamente onde o projeto de industrialização teve o seu maior impulso (não eram, como se pensa, movimentos divergentes, mas antes a reafirmação da noção do sujeito, num momento em que o indivíduo mais e mais deixava de ter algum valor real na sociedade).

Naturalmente, surgem também escritores mais engajados na escrita, jovens escritores como Victor Paes, Marcelo Ariel, Karinna Gulias, Rod Britto, Paulo Ferraz, Ronaldo Ferrito e muitos outros, que, mais cedo ou mais tarde, se encontrarão na excelência de si mesmos, justamente porque recusaram ver seu trabalho como "expressão".

A lição que fica, neste panorama, é que, cada vez mais, o leitor precisa ser um crítico — apaixonado, pleno de afeto, mas exigente — para que ele mesmo possa discernir o que o interessa ou não. Ou seja, o leitor passa a ser, mais do que nunca, ativo diante de tanta oferta, e a leitura toma o seu devido lugar, o de diálogo, e, cada vez menos, o de consumo editorial.

2. Ao mesmo tempo, parece que estamos superando, finalmente, a fase do "vômito" na literatura contemporânea. Eu vejo a sua poesia como um trabalho de elaboração. Porque, em muitos livros que eu li (ou folheei) de 2000 pra cá, parecia que o autor publicava, às vezes propositalmente, o esboço ou o rascunho — a primeira versão. No seu Intradoxos, você evita o que vem mais fácil e procura trabalhar, realmente, o verso. Fora que o seu livro, além de divisões (e uma numeração de páginas pouco usual), tem um projeto. Ou seja: embora esteticamente eu não concorde 100% com tudo (o pleonasmo, aqui, é consciente), eu reconheço que houve, como disse, elaboração, que você não foi simples e apenasmente "espontâneo" — como tantos autores, ainda hoje, são. Acredita que seja um traço seu (da sua personalidade) ou podemos generalizar — como venho fazendo aqui — para uma nova geração "pós-internet" ("pós-00")?

Particularmente, sou contrário a qualquer tipo de generalização. Foram as generalizações que fundamentaram vários preconceitos durante a história da literatura, inclusive as mais absurdas delimitações do que seria ou não literatura. Ora, quando se fundamenta, a partir de certos parâmetros incomuns, um paradigma geral, o resultado é a anulação de todo elemento que destoe desses parâmetros. É uma falha ética da própria lógica, onde se entrevê uma lógica de exclusão. As classificações são tão arbitrárias que revelam mais a vontade daquele que classifica do que a do classificado, e entrevemos aí o exercício do poder. Quando se classifica literatura por parâmetros geracionais, então, a coisa complica. É uma taxonomia que não fundamenta mais do que uma linha de "nascença" entre os escritores. Como então determinar uma unidade de escrita, mínima que seja?

Além disso, não vejo a elaboração como uma escolha estilística, mas como um pressuposto fundamental do próprio fazer artístico, ainda que a própria elaboração possa permitir uma "falta de cuidado" enquanto valor conceitual. Não me entenda mal — não acho que a escrita da fase que você chamou do "vômito" não possa ser literatura, mas ela será tanto literatura quanto mais esteja fundamentada enquanto projeto — e está longe de mim querer determinar se ela está ou não — eu só não acredito é numa ingenuidade artística. Os beats, por exemplo, com seu despojamento, demonstravam um aparente desleixo ao ofício, mas é só deter-se um pouco ao que escreveram, que entrevemos um pensamento profundo, uma revelação da escrita muito maior do que aquela pressuposta pelo "automatismo genial".

O que vai determinar esta elaboração, ao meu entender, é o confronto do escritor com a própria tradição. Não somente a tradição formal, mas qualquer tradição com a qual esteja dialogando — um repentista é tanto um melhor repentista, quanto mais ele conheça a tradição do repente e compreenda a sua própria criação. A tradição é um dos ritos da memória — e ainda que seja para enfrentá-la, não se encara a tradição sem conhecer seus pontos fracos. Esse enfrentamento produz a própria memória e ergue os parâmetros éticos da escrita, enquanto engajamento ontológico e não meramente ôntico.

Pois então eu creio que a tal falta de elaboração, essa "primeira versão", como você falou, esteja relacionada ainda à ingenuidade do jovem escritor diante da facilidade de se publicar, que comentamos anteriormente. Por outro lado muitos jovens autores estão escrevendo obras que, como Intradoxos, têm em vista estas questões e que são rigorosamente elaboradas. Mas, ainda que Intradoxos ou meu livro anterior tenham sido escritos por alguém que pertença cronologicamente a geração "00", "pós-00" ou como se escolha chamar, não vejo semelhança com a obra dos meus contemporâneos, da mesma forma que pouco vejo de semelhança entre eles.

Não se trata aqui, como você citou, de estar de acordo ou não com tal ou tal projeto estético. Eu acredito na obra enquanto diálogo e um diálogo é uma questão afetiva e não uma obrigação. O importante é que, caso esse diálogo aconteça, caso uma obra o cative em sua singularidade de leitor, esta obra seja a mais "elaborada" possível, para que o diálogo então possa ser profundo, incisivo e transformador.

3. Inevitavelmente, chegamos à Confraria — que te tornou conhecido (pelo menos para mim). Eu sei que você já contou essa história algumas vezes mas eu gostaria de indagar, ainda, sobre alguns pontos. Primeiramente, por que criar mais uma revista eletrônica com grande ênfase em literatura? Você frisa bastante que a Confraria tem uma ambição além das letras, que é o pensamento — mas será que os seus leitores captam essa sutileza? Eu admiro o esforço de vocês, de comportar, num mesmo espaço, propostas antagônicas. Então queria resumir tudo numa pergunta: como vem insistindo Barack Obama, na sua campanha pela presidência dos Estados Unidos, será que a humanidade finalmente chegou à compreensão de que alcançaremos mais e melhores resultados pela superação das nossas diferenças? Ao rejeitar "linhas", grupos e mesmo "panelas", vocês, na Confraria, anteciparam essa tendência?

Nunca pensamos dessa forma, que estávamos criando uma outra revista eletrônica de literatura, nem que essa devesse ter um diferencial. Nosso interesse era outro, era enfrentar a academia e a maneira pela qual ela sempre se fez ver. Lutávamos contra o pensamento vernacular, guardado em formas viciadas, formatado para especialistas e direcionado a uma elite intelectual — queríamos provar que o pensamento podia ser lúdico e libertário. O objetivo era levar a literatura ao espaço "público", tirá-la do "gueto" — isto é, a academia e o ambiente dos escritores.

Não só isso, queríamos que a revista fosse um panorama atualizado do que estava sendo produzido naquele instante e que pudesse ter um acesso irrestrito e gratuito. Nesse sentido, a internet oferecia um grande potencial democratizador e foi, de fato, uma das responsáveis pelo sucesso da revista. Então, por ser sincera, nossa proposta acabava tendo um diferencial.

Atrelado a isso, tínhamos a crença de que pensar a literatura (e é isso que chamo de pensamento) era pensar a si mesmo enquanto produtor deste fenômeno tão intrigante. Então, o que a Confraria queria oferecer não era somente o poema ou o conto ou a tradução, nem mesmo uma crítica sobre estes, mas o que tem se pensado a respeito, fosse qual fosse a tendência. E muitos leitores têm captado essa sutileza, alguns de imediato, outros sem nunca perceber. Já ouvi várias vezes alguém comentar "a Confraria mudou minha percepção das coisas", mas também já ouvi: "aquele texto que vocês publicaram mudou minha percepção das coisas", e para nós quer dizer o mesmo.

Eu acredito, humildemente, que a proposta da Confraria antecipa uma tendência ainda mais ousada, do que a da simples superação das diferenças, que você citou. O projeto americano sempre foi de fato em prol dessa tal superação. Não é algo novo — vem desde o humanismo, passando pela proposta iluminista, que é a base do pensamento democrático deles. Há uma motivação positiva — e gosto de acreditar que é nessa instância que Obama trabalha — mas sua realização, agente de uma lógica de assimilação das diferenças — no sentido de que há um movimento em torná-las identitárias, assimilando-as ao projeto dominante — sempre resultou em discursos trágicos e belicistas. Pois superar as diferenças, na prática, é tornar as diferenças irrelevantes. A Confraria parte, ao contrário, da idéia de que é preciso eliminar a intolerância à diferença. Aceitar as diferenças enquanto diferenças, sem que para isso, uma diferença anule a outra. Esse segundo movimento encontra respaldo na própria complementaridade da física moderna, a qual, para não enlouquecer diante da indeterminação das partículas, aceita que informações excludentes entre si sejam concomitantemente verdadeiras, sendo o confronto destas a única forma possível de descrever o objeto observado.

Obviamente essa posição ideológica resulta numa busca pelo espaço do debate real, que não privilegia esta ou aquela tendência. Todas são igualmente belas em sua essência, concordemos com elas ou não. A Confraria já publicou autores de todas as vertentes literárias e teóricas que se encontram hoje no Brasil — de Augusto de Campos a Emmanuel Carneiro Leão, dos concretos à poesia marginal.

O leitor sente isso, sente essa sinceridade, sabe que não estamos ali para defender a literatura enquanto discurso. As panelas são formas ainda muito atrasadas de se pensar e um dos grandes responsáveis pelo atraso do Brasil em termos culturais — ainda muito atrelada aos ideais modernistas, às fundamentações mais básicas de um nacionalismo nascente. Ora, qualquer partido que assuma o poder político e queira privilegiar somente o seu grupo só vai promover uma política cultural trágica, fadada à elitização brutal e violenta. Quem promove panelas, entende o poder de modo ingênuo, como forma de privilégio e não como oportunidade de desenvolvimento coletivo.

4. Gostei da edição em livro, do primeiro biênio, e, de fato, fica mais prático em termos de leitura — até para se dar conta do que a Confraria andou produzindo de mais significativo desde 2005. Como foi o feedback em relação ao volume? Você acha que a apreciação do trabalho de vocês mudou de nível depois disso? Nós discutimos isso nos Encontros de Interrogação, mas queria saber se você acha que a internet e o papel sempre vão ser complementares nesse sentido — a primeira fornecendo um alcance quase infinito e o segundo fornecendo credibilidade (e até "substância")? Eu pergunto muito isso aqui — mas quis repetir a pergunta com você, porque, nos Encontros, você fez questão de não se colocar de nenhum dos dois lados. Mas não com aquela postura em cima do muro, de quem não sabe, ou de quem "ouviu falar" — e, sim, com argumentos, com experiência e com pontos de vista de quem pensou no assunto. É por aí?

Em termos editoriais, cada meio oferece suas vantagens e desvantagens. O importante é saber explorá-los o melhor possível no que oferecem. Se puderem ser conciliados então, não vejo por que não o fazer.

O fato de a Confraria ter insistido, nos dois primeiros anos, em ser uma revista unicamente eletrônica, tinha um fator político. Isso a ajudou a ser conhecida no Brasil e no exterior, entre o publico acadêmico e o publico "leigo" e assim driblamos os problemas de distribuição, de custo e de falta de interesse da mídia especializada. Nosso objetivo nunca foi vender revistas, por isso, quando fizemos a versão impressa, queríamos que fosse retrospectiva, que todos os textos já estivessem disponíveis na versão eletrônica. Naturalmente, a versão impressa, trouxe um atestado de seriedade maior para a Confraria, pois ainda existe muito preconceito contra a mídia eletrônica no Brasil. Na Europa e nos EUA, esse preconceito já foi superado e existem muitas publicações respeitadas na rede. Em Portugal, a Confraria adquiriu um destaque interessante e atrai a atenção dos portugueses pela literatura brasileira. Mas no Brasil ainda se busca a publicação impressa como "legitimação" e não acho que seja apenas uma questão da facilidade de leitura, mas a própria forma de como pensamos a propriedade.

Creio que por aqui não simpatizamos muito com a "propriedade" abstrata, aquela que não se enquadra nem na idéia do bem privado, nem público. O sistema de leasing para automóveis, por exemplo, é algo que não emplacou no Brasil devido a essa aversão por aquilo que não possamos resguardar. Isso é muito forte nos países que tiveram um mercantilismo acentuado, cuja origem da economia está baseada quase exclusivamente na expansão territorial e no acúmulo de bens físicos. Já a internet foi pensada por nações que confluem a origem da abstração moderna.

Por conta desses fatores, apesar de menos lida que a versão eletrônica, a revista impressa mexe com a fantasia tátil dos leitores brasileiros e tem tido melhor retorno da mídia e dos intelectuais, que finalmente "reconheceram" seu valor, sem o habitual lobby do "quem indica". Naturalmente, algumas portas se abriram à revista e tenho ouvido elogios de todo lado, de intelectuais do Brasil e do exterior. Eduardo Portella chegou a dizer em sua turma de doutorado, que a Confraria é uma das publicações mais importantes dos últimos tempos, e um jovem poeta de Santos, o Marcelo Ariel, declarou, em seu blog, que a Confraria "é um pequeno milagre, maior do que a Bossa Nova, porque encara o silêncio árido de trezentos desertos culturais". Declarações como essas, para mim, são mais significantes que uma grande resenha no Globo.

5. E a editora, como está indo? Acho que ela reforça essa sua posição, afinal, depois do site, vocês ainda resolveram editar livros, fundando a Confraria do Vento. Como está sendo a convivência entre os dois mundos? São mundos complementares (de novo)? O livro eletrônico (através de aparelhos como o Kindle, da Amazon) pode, um dia, juntar esses dois mundos — ou, por enquanto, ainda é uma quimera? Um dos principais problemas das jovens editoras é a falta de distribuição e, por conseqüência, de projeção e de vendas — como vocês estão contornando isso? A questão da sustentabilidade da editora, como empresa, incomoda vocês, ou o objetivo da Confraria do Vento é mais o de colocar as obras na rua? Parece contraditório e parece repetitivo, mas a grande preocupação minha é entender como as novas empreitadas editoriais vão se desenvolver e, portanto, viabilizar novos caminhos para a nossa cultura...

Estamos descobrindo que é realmente difícil e complicado levar adiante uma editora no Brasil. Não só por conta das dificuldades financeiras, mas pela própria má vontade das distribuidoras e livrarias.

Em parte, os preços elevados de um livro no Brasil se devem às livrarias que cobram de 40 a 50% do valor de capa do livro. Tem livrarias, como a Saraiva, que cobram absurdos, 55%. Isso para uma editora, pequena ou grande, é cruel, pois a livraria, sem pagar o autor, a tradução, a revisão, a editoração, o designer e a impressão, tira limpinho, metade do valor do livro. A editora então tem que jogar o valor lá em cima para tirar um lucro mínimo. Isso para mim é o reflexo de um país cada vez mais elitizado em relação à leitura. É só olhar para as livrarias e ver que se tornaram verdadeiras butiques com cafés charmosos. As distribuidoras, por sua vez, se recusam a trabalhar com pequenas editoras e, quando o fazem, chegam a pedir 65% sobre o valor de capa do livro — um absurdo!

Mas, independente disso, a Confraria do Vento vai, aos poucos, avançando e ganhando espaço. Ano passado, primeiro ano da editora, lançamos oito livros. Até março temos mais quatro previstos. Temos nossos projetos pessoais de antologia das poesias contemporâneas de países como Cabo Verde, Finlândia, Inglaterra, Argentina e Chile, além de ensaios sobre arte e filosofia. Os livros estão bem distribuídos no Rio e agora começam a ser levados para toda região Sudeste e Sul e alguns lugares do Nordeste. Então acho que até cobrir o Brasil inteiro é questão de tempo. A idéia é sim de que os livros possam sustentar a editora, mas isso ainda parece distante, então, por enquanto, vamos tentando expandir nosso catálogo e alcance, nunca abrindo mão da qualidade e de um controle rigoroso do que publicamos.

Quanto à superação do papel, acho uma pergunta um tanto sem resposta, não porque não se possa prever o seu fim, mas porque não acredito na essencialidade de nenhuma tecnologia. O papel um dia vai ser superado, claro, se não daqui a cinco, daqui a 10.000 anos, como um dia o computador vai ser superado. "Superação" talvez seja uma palavra que já denote nossa dependência fundamental a esses meios, então, creio que eles só possam ser "superados" quando já não fizer diferença para nós que um livro esteja sendo lido na tela ou no papel — independente da implicação que isso trará ou tenha trazido em termos sociopolíticos.

Uma coisa que me atrai, contudo, no curto prazo, é a idéia de que a popularização do e-book aumente a pirataria literária, o que eu, enquanto anarquista intelectual, vejo como possibilidade de democratização da literatura. As editoras e as livrarias, como as lojas de disco, teriam que se repensar para não falir e aí, talvez, se interessassem por livros singulares, editoras menores e autores estreantes.

6. Essa discussão me leva a um dos seus temas preferidos, que é aquele papo de que o racionalismo pesa sobre a tradição ocidental. O Nietzsche foi um dos que mais criticou essa influência racional, apolínea, do "logos", desde Platão e Eurípedes. Segundo ele, foram séculos de carência do dionisíaco, do mundo "sensível", afastando o homem da natureza e de suas origens. Não sei se é essa, exatamente, a sua teoria, mas confesso que andei pensando a respeito depois que conversamos. Outro dia, em outra conversa, uma pessoa me falava que o Ocidente hoje caminha para o enriquecimento do "ser" — e que o Oriente, que sempre caminhou nessa direção, agora caminha na direção contrária, na direção do "ter", das conquistas, do lado material. Você acha, também, que é um choque de civilizações? E se for, onde vamos parar (quem "vence")? Para mim, estamos eternamente oscilando entre uma coisa e outra. Será uma solução?

Há um movimento na história do pensamento ocidental que é inegável: a fundamentação da metafísica. Esse caminho dicotômico e determinista que, na modernidade, fundou as delimitações entre sujeito e objeto, é exclusivamente nosso. Graças a ele conseguimos desenvolver um pensamento analítico e uma ciência mais rigorosa, mas por outro lado — e justamente por isso — fomos gradualmente abrindo mão de muitas coisas importantes em nossa maneira de enxergar o mundo. A perda mais grave é certamente a da perspectiva do desconhecido, que em certo nível pode ser comparado à aversão ao outro — ambos, o desconhecido e o outro são entidades que fogem ao nosso controle. Ora, "ser" foge igualmente ao nosso controle. Não podemos dominar ou compreender sua dinâmica plenamente, isso porque, apesar de sermos nós aqueles que "somos", é o "ser" que nos determina "entes", não o contrário — basta lembrar que ninguém escolhe onde, como, quando e por que nascer. Já os orientais — isto é, os povos não-ocidentais, mesmo que ocidentalizados —, incluindo as culturas que desenvolveram certo pensamento científico, sempre lidaram com esse movimento do desconhecido, simplesmente porque admitem dinâmicas que não podem determinar ou dominar. Isto parece uma generalização, mas não é: o que descrevo não é o Oriente, mas uma característica exclusivamente do Ocidente. Não se trata, como você propôs, de uma oscilação. Se pegarmos a História, veremos que a metafísica da causalidade é um movimento único, com pouco mais de 2500 anos de idade e diz respeito somente a nós. O próprio Nietzsche, quando fala das pulsões apolíneo-dionisíacas, está restrito ao âmbito do pensamento europeu. O apolíneo não se refere exatamente ao que estamos falando aqui, pois ele dá conta apenas de certo aspecto do real — por vezes, vinculado à racionalidade. E um pensamento poético não exclui uma racionalidade. Toda racionalidade é por si só poética, e ambas são, naturalmente, indissociáveis.

O que o Ocidente fez foi deter-se somente na faceta racional do poético, fundando categorias muito específicas e limitadoras de enquadramento da realidade. Nesse sentido, acho interessante a teoria do seu amigo. Nunca tinha pensado a respeito disso, mas acho possível que os papéis estejam se invertendo, porque no século XX, com Planck, Einstein, Bohr e todas aquelas revoluções da Física, o Ocidente deu uma guinada, enlouquecendo não só a epistemologia como a forma determinística com que se pensava o mundo e isso logo se disseminou na Filosofia. O que se mostra hoje é a própria indefinição das teorias científicas, abrindo espaço para algo que não atentávamos: o indeterminado entre o que achamos conhecer — o desconhecido. Talvez estejamos realmente nos aproximando de uma preocupação com enriquecimento do "ser", pois nos damos conta da limitação das instituições e das estruturas, apesar disso tudo ainda estar distante da nossa vida cotidiana (um celular, por exemplo, apesar de produzido com os conhecimentos adquiridos pela física das partículas, é consumido segundo os ditames do pensamento clássico — naturalmente me refiro à lógica do mercado, que é herança metafísica).

Já os orientais assimilaram muito rapidamente, e de forma brutal, tudo que o Ocidente levou dois mil anos para fundamentar. Vejo nesse movimento a forma encontrada por eles de não ficar para trás, como o índio que, para sobreviver ao homem branco, precisa aderir às armas de fogo. Mas não creio que eles tenham assimilado isso de forma tão inocente. Há uma linha de pensadores chineses e japoneses que vêm se utilizando das estruturas da academia ocidental justamente para fundamentar seu pensamento milenar e propor dimensões outras para o caminho do pensamento no mundo — mostrando como o próprio pensamento deles pode "solucionar" os problemas filosóficos do Ocidente. E esses pensadores, mais e mais, começam a ser considerados, ainda que, para isso, seja necessário que seus países cresçam enquanto potências econômicas.

7. Ainda no campo das suas teorias, tem aquela também do "fim da poesia". Segundo o seu raciocínio, no sistema capitalista existe cada vez menos lugar para a poesia, então, um dia, ela vai ser finalmente banida e vai deixar de existir. (Você me desculpe se eu estiver simplificando demais...) Eu contra-argumentei, pessoalmente, dizendo que a poesia existe independentemente do sistema econômico — afinal, a meu ver, os verdadeiros poetas não seguem as mesmas premissas do mercado para construir suas obras. Mas, junto com outras pessoas, eu e você não conseguimos chegar a uma conclusão. No livro da Confraria, o Manoel de Barros habilmente diz que "se o nada desaparecer, a poesia acaba". Ou seja: no meu entender, ele está dizendo que a poesia não precisa de nada para existir — quanto mais capitalismo, mercado, cenários econômicos etc. Márcio, se você é tão convicto, o que podemos fazer para salvar a poesia?

Olha, quando falei de fim da poesia, estava falando da poesia enquanto discurso, enquanto "forma" estabelecida e consagrada dentro da tradição. Obviamente, o poético, isto é, aquilo que é inerente e fundamental ao homem ao perfazer-se homem, nunca deixará de existir, até porque para o poético deixar de existir o homem precisa também deixar de existir. É por esse caminho que Manoel de Barros percorre — o nada, para ele, é essa "inutilidade" fundamental, que, anterior a qualquer instituição, institui o homem em sua instância poética. Este nada, tão niilizado pelo caminho do que você chamou do "ter", é gerador e pleno de possibilidades criativas.

Mas, quando falo do fim da poesia, eu me detenho em um recorte unicamente literário do poético. Acredito no seu fim, pois esta exige, e sempre exigiu, uma contemplação, uma paciência, uma auto-reclusão cada vez mais difícil de ser encontrada na modernidade capitalista. E à medida que ela deixa de ser interessante ao mercado — visto que trabalha exatamente com esses espaços da diferença e da paciência, enquanto o mercado detém-se na planificação e na velocidade — ela se torna cada vez menos veiculada — como um ônibus que deixa de passar por uma cidade do interior por falta de passageiros suficientes, ainda que haja dois ou três que dependam dele.

O poeta contemporâneo é outro grande responsável por sua extinção, cada vez mais afastado das questões éticas fundamentais na poética, e preocupado somente em promover sua escrita e ficar bem diante das instituições. Se pensarmos no papel dos poetas, desde a poesia pré-islâmica aos modernos poetas chineses, que com seus versos confrontavam qualquer autoridade estabelecida, esse nosso poeta do século XXI, preocupado em adular as instituições, em ampliar o círculo de relacionamentos, em vender uma imagem de "artista", me soa um tanto patético — obviamente, não estou defendendo uma poesia engajada politicamente, mas uma poesia engajada nas questões éticas fundamentais do humano.

E esse problema não é só do Brasil. Em todo o mundo, com raríssimas exceções, a poesia tem enfrentado o mesmo processo de "extinção". Infelizmente, as soluções aos quais se tem recorrido para "salvar" a poesia é a de adequá-la ao jogo do mercado e não o contrário — no que ela perde o que tem de fundamental. O mais curioso é que mesmo o produto desta "aproximação forçada" com o sistema não resulta numa popularização da poesia e nem ajuda o "processo de extinção" a ser revertido. Veja bem, eu falo isso, sendo eu mesmo um entusiasta da poesia, eu mesmo tendo fundado uma editora para publicar poetas, eu mesmo tendo interesse em achar uma solução para essa extinção, ainda que eu só entreveja a solução dentro de uma mudança radical na maneira de pensar a poesia e a realidade.

Então creio que eu, você e o Manoel de Barros estejamos do mesmo lado, dizendo a mesma coisa, procurando esse nada fundamental para que o mundo se refaça a partir do vazio. Obviamente, mesmo que a poesia, enquanto recorte literário tradicional, não dure, haverá muitas outras formas, como a poesia sonora ou a poesia digital, mais condizentes com o sistema onde vivemos, que se sobreponham, de maneira tão profunda quanto a poesia que conhecemos.

8. Aliás, como você vê esse lance de MLU (Movimento Literatura Urgente)? Não precisamos ser tão radicais quanto Platão — que efetivamente baniu os poetas da sua República — mas você acha que os escritores brasileiros têm de receber Bolsa Família ou coisas do tipo? Imagine os milhares de blogueiros que hoje escrevinham — eles entrariam também na fila do MLU? E se não custa nada para abrir um blog, o Governo não poderia acabar falindo com tanto subsídio aos escribas? Agora, sério: você que, de alguma forma, enxerga uma relação causal entre poesia e mercado, acredita, igualmente, que sustentar escritores com dinheiro público pode trazer algum benefício para a literatura? Eu pergunto tudo isso porque vejo você e seus colegas da Confraria, e da Confraria do Vento, se virando em uma porção de iniciativas — e eu acho que o caminho é mais por aí (e não o caminho da esmola governamental)...

Eu sou sim a favor de que haja bolsas para escritores, isso para mim é conclusivo. E não vejo tais bolsas como pertencente à mesma categoria da Bolsa Família, que tem um caráter emergencial e paliativo, enquanto a bolsa para escritores é fundamental para qualquer país que queira fundar uma literatura séria e de qualidade. Países como Irlanda, Alemanha e França, que nem sequer possuem problemas de analfabetismo, destinam subsídios aos seus escritores e é graças a elas, e a uma forte tradição de leitura, que estes são potências literárias.

É importante lembrar, entretanto, que tais bolsas só farão diferença se acompanhadas de duas coisas: 1) a erradicação do analfabetismo, seguida do aumento gradativo da qualidade da educação e de uma política de leitura não somente voltada para o mercado (coisas que não existem hoje no Brasil), caso contrário, as bolsas não têm sentido; e 2) um critério sério e rigoroso de seleção, cuidando para que essas bolsas não se tornem mais uma forma de privilégio particular.

E esse tem sido o problema mais grave. Temos visto casos recentes de bolsas e prêmios que resultaram em desculpa para que os membros do júri presenteassem os amigos, criando uma circulação viciosa. Existem prêmios, como o da Biblioteca Nacional, que nem se encontra o edital. Além, claro, dos projetos estapafúrdios, com critérios estranhos, desenvolvidos pela nova profissão dos "produtores profissionais". E com isso não estou querendo acusar um ou outro, até porque a coisa se tornou generalizada, um problema endêmico (tanto que nem aqueles que se beneficiam talvez percebam o quanto isso é prejudicial). Mas é aí que se perde o sentido de tais bolsas, destinadas a uma elite intelectual, pouco preocupada com a possibilidade de que esse dinheiro retorne, ainda que em valores éticos, para o contribuinte.

Apesar disso, não consigo deixar de ressaltar a importância desses subsídios e vejo, esses que estão surgindo, como demonstração de boa vontade do Governo. Pois, ainda que o Brasil fosse, como os EUA, "auto-suficiente" em termos literários, ainda assim, sem as bolsas, teríamos o risco de uma cultura cada vez mais homogênea e subserviente ao mercado. Mesmo dentro do sistema capitalista é preciso ter alternativas a este — a literatura, especificamente a literatura de qualidade, não tem como sobreviver com concorrentes tão poderosos.

9. E os leitores? Você tem esperança? Lá em Buenos Aires o Joca Reiners Terron retomou aquele argumento dele — da Curitiba Literária —, de que o leitor brasileiro tem de ser reconhecido de alguma forma, de que devemos instituir prêmios para os nossos escassos leitores... Como é a sua relação com eles? Você se sente compreendido? Ou tem as mesmas reclamações do Joca (de falta de leitura)? Será que a nossa época é — mesmo — a de um monte de gente falando e pouca gente escutando? Como vamos solucionar isso? Com mais barulho? Como melhores editores/críticos/filtros? Você se incomoda com a oferta crescente de conteúdo? As editoras (novas ou velhas) publicam cada vez mais — o que é bom para os autores —, mas será que isso é bom para os leitores? Falando em ciclos, novamente: será que, em algum momento, vamos ter de rever essa explosão?

Sim, é no leitor onde mais entrevejo esperança. O problema é que se confunde o leitor com uma noção estranha e mal formulada de público leitor. Eu não me interesso por essa categoria abstrata. Eu me interesso é por aquela pessoa que toma contato com o meu livro e, de alguma forma, nos aproximamos. Meus livros são sempre um diálogo, nunca um monólogo. Não me sinto incompreendido nem distante dos leitores, por pouquíssimos e invisíveis que possam ser — dos escritores talvez sim, por tantos e tão visíveis que sejam. A falta de leitura é sempre relativa e vejo muita gente reclamando de barriga cheia. Também não vejo vantagens nem desvantagens em premiar leitores — acredito mesmo é no básico: educação de qualidade, nada mais. Educação de qualidade quer dizer: possibilitar o autoconhecimento e a auto-realização. É aí que o escritor entra, como um aprofundador radical desse caminho "espiritual" do leitor — cada livro é senão uma janela para si mesmo — um professor às avessas, que desensina. Não é, portanto, o leitor que tem responsabilidades com o escritor, e sim o contrário.

E aí, talvez tenhamos que inverter a sua pergunta — a questão é: será que o escritor está afinal preparado para o leitor? Será que o que ele escreve dá conta da responsabilidade, a que se refere Hölderlin, de intermediar homens e deuses? Será que as palavras por ele escolhidas podem tirar o leitor de seu espaço luminoso e, como um pai severo, obrigá-lo aos caminhos por vezes escuros, para chegar do outro lado alguém melhor? Acho que o escritor deveria pensar um pouco nessas coisas, se o que o interessa de fato é o leitor e não ele mesmo. Não cabe exigir do leitor atenção, seja qual for a resposta a esse questionamento. Não quero dizer com isso que o escritor não precise ser reconhecido ou que ele deva adequar sua escrita ao público, mas sim que o reconhecimento precisa vir pelo diálogo. Pode até parecer prepotência, mas a verdade é que não penso muito nisso, nesse público leitor, apesar de sempre me preocupar com quais rumos meus livros estão tomando.

O meu último livro, Intradoxos, teve certo reconhecimento, menos do que acho que o livro merece, mas bem mais do que eu esperava. Muitos elogios, algumas resenhas e até um ensaio acadêmico, mas as vendas não foram algo extraordinário — o que já esperava, pelo fato de ser poesia, de ser um livro pouco convencional e de ter uma distribuição limitada ao eixo Rio-São Paulo. Mas estou contente com tudo o que tem acontecido a ele, levando em consideração que foi lançado há menos de um ano: já teve partes traduzidas para o finlandês, o francês e o inglês, e em breve ganhará uma tradução integral no Reino Unido. Além do fato de que está agora sendo adaptado para o cinema pela Paula Gaitán, que é uma grande cineasta e pensadora das imagens. Sobretudo, a Paula é também uma grande leitora, e foi isso que nos aproximou. Acho que as coisas vão andando porque têm que andar e, quando perceber, mais pessoas estarão lendo meu livro.

10. Você é jovem mas eu acho que já tem uma experiência valiosa. O que diria para o jovem autor — que quer se desenvolver — e que está te lendo agora? Ele deve te mandar seus originais? (Ou você, como tantos outros editores, não quer nem ouvir falar de originais?) O que você mudaria na sua trajetória até agora (se é que mudaria alguma coisa...)? O caminho é esse mesmo: internet e, depois, livro? Voltando àquela pergunta: o quanto se deve ler antes de publicar? Ou deve haver algum Rimbaud por aí — que não precisa de nada disso? A faculdade de letras valeu a pena para você se tornar escritor/editor? Ou, se pudesse, você faria outra? Acredita, como o Carpinejar, que faltam cursos específicos para escritores no Brasil (e por isso ele montou o seu)? Enfim, quais são os seus conselhos para essa horda de escrevinhadores se debatendo para subsistir?

Eu diria para não encarar a poesia como um dom individual, mas como um dom humano que se alcança através da autocontemplação. Antes de mandar os originais para qualquer editora, é preciso ler muito, escrever muito e refletir muito sobre si mesmo e sobre sua escrita. É um caminho cansativo, exige dedicação, envolve desapego da imagem já pré-formulada do escritor e questionamentos profundos que dizem respeito até mesmo à compreensão do seu papel no mundo.

A chegada é vizinha da loucura. É preciso sair da própria razão para encontrar a razão absoluta — a sabedoria do louco, pois talvez só os loucos tenham direito a escrever poesia. Essa travessia guarda um segredo profundo, conhecido somente por aquele que o atravessa. E aí, superada, não importa idade, não importa título, não importa curso de escrita — ainda que cada uma dessas coisas só venha a acrescentar. Todo o resto — editora, livros publicados, oportunidades e leitores — virá como decorrência natural desta caminhada e já não fará tanta diferença, pois antes de ser um ofício de subsistência ou de realização, ele será um ofício do humano. Talvez tudo isso seja um pouco romântico, mas é assim que vejo.

Para ir além
Márcio-André

Julio Daio Borges
São Paulo, 4/2/2008
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segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

Profissão: Escritor ?

Quinta-feira, 21/2/2008
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Blog
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Redação

Curso de Criação Literária

Para quem se interessa em aprimorar a escrita, tanto de prosa quanto de poesia, e ainda participar de seminários e palestras sobre literatura pode aproveitar a abertura de inscrições para o curso de Criação Literária promovido pela Academia Internacional de Cinema. O curso começa no dia 3 de março e tem duração de um ano, dividido em dois semestres. Serão estudadas técnicas e conceitos dos três principais gêneros literários: poesia, ficção (romance, conto, novela) e não-ficção (biografia, ensaio, crítica).

Os alunos terão aulas com Michel Laub, Rodrigo Petrônio, Márcia Tiburi, Marcelo Rezende, Nelson de Oliveira, Flávia Rocha (fundadora e diretora da AIC), Wagner Carelli e outros autores que serão convidados ao longo dos semestres. No segundo semestre, cada participante irá desenvolver um projeto de livro, além de poder participar como voluntário na edição de uma antologia em livro, reunindo os melhores textos produzidos no decorrer do curso.

Para ir além
Site da AIC



por Débora Costa e Silva
21/2/2008 às
16h42
Mistérios Literários

(Escritor) Não é profissão, não. E talvez poesia não seja nem literatura. É uma coisa tão extemporânea, tão fora das normas que ou a poesia é a pura literatura ou ela não é literatura.

Ferreira Gullar

* * *

Parece que o romance se tornou o ponto culminante na vida espiritual de um homem. Qualquer pessoa, seja ela um ministro, um assassino de bebês ou uma prostituta, para realizar-se plenamente em qualquer uma dessas especialidades, escreve um romance. Todos se tornaram romancistas. Mas a gente confunde o fato de estar alfabetizado com o fato de ser escritor. A narrativa é uma arte que tem suas regras, como a pintura, como a música, não é um puro vômito confessional nem resultado de uma experiência rica ou particular.

Juan José Saer

* * *

Antes, para ser escritor, um jornalista precisava abandonar a sua profissão; hoje, se alguém quer ser escritor de sucesso, precisa antes ser jornalista; mais do que isso, precisa ter espaço cativo em grandes jornais; ou não existe. Todos os escritores de sucesso no Brasil atual têm espaços fartos de mídia... Na maior parte das vezes o jornalista é um carteiro, o sujeito que leva a mensagem ao destinatário. Nada mais. É uma profissão não necessariamente criativa. Já a literatura não pode ser profissão, pois só funciona como iluminação, ruptura, invenção. O resto é negócio.

Juremir Machado da Silva

Todos no volume Literatura e Jornalismo, da coleção Mistérios da Criação Literária, onde eu também dou meu depoimento (ainda apareço no volume Por que escrevo?; obrigado, Brito!).



por Julio Daio Borges
21/2/2008 à
00h45
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Apartheid contra a pessoa com deficiência

Fevereiro 23, 2008

Apartheid contra a pessoa com deficiência

Existem várias pessoas que, apesar de serem gente, da mesma espécie científica dos homo sapiens, parecem invisíveis e não são facilmente associadas às questões que envolvem direitos humanos. Por Ana Paula Crosara de Resende (*).

Vivemos em um mundo onde muito se fala sobre Direitos Humanos, mas o desrespeito permanece em pauta para muitos dos humanos. Na maioria das vezes, no imaginário coletivo, quando se fala em direitos humanos, associamos com cadeias lotadas, práticas cruéis e de tortura para presos. Ocorre que existem várias pessoas que, apesar de serem gente, da mesma espécie científica dos homo sapiens, parecem invisíveis e não são facilmente associadas às questões que envolvem direitos humanos.

Estou falando das pessoas com deficiência, que em muitos casos não cometeram nenhum crime e que ainda pagam impostos, mas são excluídas da possibilidade de usufruir de direitos humanos básicos, simplesmente por conviverem diariamente com uma deficiência que receberam de "presente da vida".

Importante esclarecer que a deficiência dessas pessoas é só mais uma característica dentre as várias que todo mundo possui, mas comumente é representativa dessas pessoas, como se a pessoa fosse sua deficiência, o que é um absurdo!

Muitos dos meus leitores vão dizer que não, que as pessoas com deficiência também são sujeitos de direitos, inclusive os humanos e universais, e que a legislação brasileira e até a nossa Constituição não fala em diferentes níveis de cidadania.

Tudo muito lindo até aparecer uma pessoa com deficiência no mundo real e que queira estudar na sua escola, ler os livros que você publicou, trabalhar na sua empresa, divertir-se no seu estabelecimento de lazer, até mesmo freqüentar a sua igreja, assistir a um casamento ou fazer uma visita à sua casa ou local de trabalho.

O pânico aumenta se essa pessoa se recusar a ser carregada ou se simplesmente apontar que o problema é a escada, a falta de livro no formato acessível, a ausência de áudio-descrição na propaganda linda que você colocou na televisão, ou a falta de acessibilidade virtual no sítio da sua empresa. Bom, a sua casa estaria resguardada não fosse aquela vontade incontrolável de sua visita que, depois de uns aperitivos precisa, como toda pessoa, usar o banheiro.

E agora? Você não sabia e não foi informado/a que em uma porta de 60 centímetros não passa uma cadeira de rodas? Você não tem obrigação de saber que o livro impresso não atende todas as necessidades de todos os leitores e que isso pode ser considerado, pelo código do consumidor, um defeito? E você que é o responsável pela igreja esqueceu que a porta lateral – aquela onde tem a rampa exigida pela Prefeitura – precisava estar aberta? Será que pedir desculpas vai adiantar alguma coisa ou só vai piorar a raiva pela exclusão tácita que a pessoa está sentindo?

A escola não pode recusar a matrícula porque é crime, mas ela cria tanta confusão na hora em que é informada sobre a deficiência da criança que muitos pais preferem não expor seus filhos a tamanha discriminação.

É por isso que afirmamos que vivemos num APARTHEID silencioso contra as pessoas com deficiência. Ninguém diz que não se pode entrar na igreja, só que a porta, quando existe, está trancada e ninguém tem a chave e ainda pior, ninguém pensa em como abrir a porta, mas em como se livrar daquela pessoa com deficiência ou em como evitar a presença dela para não mostrar a incoerência entre o discurso e a prática.

Naquele momento o problema é a presença da pessoa com deficiência e simplesmente é bastante complexo para a pessoa, nessas situações de "crises", que só quer participar, mostrar que o problema é a falta de acessibilidade ou o desrespeito aos direitos daquele ser humano ali diante de você.

E no imaginário coletivo e na vida real vamos criando mais e mais barreiras para separar essas pessoas do nosso convívio. Transporte acessível? Só especial e separado porque não podemos imaginar que uma pessoa queira sair de sua casa e viver... E por falar nisso, quando encontramos alguém com deficiência que está aí no mesmo lugar que você, batalhando por sua independência como a maior parte dos brasileiros e das brasileiras, logo rotulamos – EXEMPLO DE VIDA, não queremos saber de fato o que ela faz, mas para segregar colocamos em outra categoria dos que devem ser admirados... Porque assim fica mais fácil deixá-los longe de nosso convívio.

Mas ainda nos resta uma esperança que a Convenção Sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, primeiro Tratado Internacional de Direitos Humanos, elaborada pela ONU e com caráter vinculante, seja ratificada pelo Brasil, com quórum qualificado para dar visibilidade a 14,5% da população, de acordo com o Censo Demográfico do IBGE de 2000, para que possa ser usada como arma de enfrentamento mundial desse terrível APARTHEID silencioso e que você pode contribuir e muito para sua manutenção se continuar omisso e fazendo de conta que não vê tudo o que disse acima.

Por isso e muito mais, queremos que essa Convenção seja rotulada como a Convenção contra o APARTHEID das pessoas com deficiência.

(*) Ana Paula Crosara de Resende é advogada, especialista em Direito Administrativo e Direito Empresarial. Mestre em Geografia, Secretária do Instituto dos Advogados de Minas Gerais/Seção Uberlândia. Membro da Comissão de Acessibilidade da APARU – Associação dos Paraplégicos de Uberlândia. Membro do Departamento Jurídico do CVI-Brasil (Conselho Nacional dos Centros de Vida Independente). Autora e Coordenadora das campanhas educativas Uberlândia Sem Barreiras e Eleições Sem Barreiras. Representou o Brasil no 2º ITP Curso de Direitos Humanos e Deficiência para a América Latina (Suécia, 2007). Responsável pelos Quadros "De Igual para Igual" e "Questão de Direitos" no Programa ‘Trocando em Miúdos’ da Rádio Universitária de Uberlândia. Artigo publicado originalmente em www.emdiacomacidadania.com.br


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