terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Arte e Poesia em «Modus Vivendi»

30 de novembro de 2009

Paul Cesar Helleu

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requebro ao fim da tarde

Passado

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Remexo o passado: amasso papéis
ao lixo. Desconsidero. Ocorro saber
sobre o nada. Esconder em histórias
a fantasia do homem em glórias.
Remexo instantes e receio séculos
de ignorâncias. Futuro atravessado
à passagem. Interrompo o andarilho
e o desconsidero como obstáculo.
Recrio o passado em inversões
necessárias à sobrevivência: sou
o personagem
e minha é a lástima.
Repasso atos reproduzidos
em cadáveres e me vejo
olhar aquém da importância.
Remexo o suficiente para me dizer perdido
em amizades: ouso esquecer a cena
dissolvida em homenagens.
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Pedro Du Bois
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29 de novembro de 2009

O outro lado V

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Despedi-me de ti há pouco tempo,
mas continuo a ver-te, ignorando
por que me agrada ainda a sensação
de ter morrido mais um pouco. A vida
vai arrastar-me ao longo de outras vidas
entre o maelström dos bares onde irei afogar
esta ansiedade exausta – não é grave,
eu sei que não é grave e que entre nós
há-de restar p'lo menos a sombra de um anjo
que nos segrede uma palavra mágica
e saiba prolongá-la em tudo o que algum dia
- talvez daqui por meses, anos, séculos –
ainda formos capazes de sentir.
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Fernando Pinto do Amaral
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Paul Cesar Helleu

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fim de tarde
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Clássico

Deixarás de temer quando deixares de ter esperança.
Séneca
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O outro lado IV

Não hei-de conseguir: por mais que tente,
por mais que me desprenda ou desaprenda
os ritos e os ritmos do corpo ou da alma,
hei-de lembrar-me dos teus olhos vagos
e hei-de supor que estavam procurando
dizer-me qualquer coisa. Apenas o silêncio
poderia falar como eles
nessa plena doçura de existir
na maior paz do mundo. E contudo, p'ra mim
cada palavra se conjuga sempre
com outras palavras, e assim por diante
até ao infinito, até formarem
por exemplo um poema como este
- inútil quer p'ra mim, quer p'ra ti
ou p'ra qualquer leitor que nele ainda
pretendesse encontrar alguns vestígios
dessa tão pobre e má sabedoria
à qual, já só por hábito literário,
gostamos de chamar o coração.
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Fernando Pinto do Amaral
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28 de novembro de 2009

Albert Lynch

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elegância (quase) intemporal
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O outro lado III

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Aquilo que vislumbro a esta hora
são rápidos reflexos de uma silhueta
que só podes ser tu
entre o céu e o mar, nessa noite
de lua cheia, quando abandonámos
um restaurante junto ao Guincho. Eu queria
ficar também assim, unir-me devagar
à linha do horizonte, sem saber
distinguir as fronteiras de coisa nenhuma.
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Fernando Pinto do Amaral
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Herbert Schmalz

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quase no inverno...
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27 de novembro de 2009

O outro lado II

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Não há nada a fazer, no entanto:
o facto é que, apesar de algum amor,
eu não me chamo Pedro,
mas sou ainda demasiado humano
para me libertar. Ainda não despertei,
ainda não tenho trinta e cinco anos
como Siddharta no momento em que
terá visto o vazio, escutado o inaudível.
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Fernando Pinto do Amaral
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Albert Lynch

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porque a primavera há-de voltar...
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O outro lado I

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Não consigo dormir. Há poucas horas
despedi-me de ti - «every time
we say goodbye I die a little».

Devo habituar-me
às fases dessa lua a que obedeces,
às estranhas marés de cada instante
que tu sabes viver como se fosse
o único, o melhor da tua vida
isente de remorsos e de apegos,
tão próxima de tudo. A minha dor
vai-se apagando à medida que um anjo
desce ao meu quarto e começa a torná-lo
fugaz imitação de um paraíso
em que até o meu nome se alterasse.
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Fernando Pinto do Amaral
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Paul Cesar Helleu

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onda em tons de vermelho
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