hélder moura
O Paraíso com que todos sonhávamos e que nos foi, tem sido e continua a ser anunciado como estando aí mesmo a chegar à porta.
“Todos, salvo os idiotas, sabem que se devem manter pobres as classes baixas, caso contrário nunca trabalhariam”.
Entrámos oficialmente na era das Fábricas às Escuras — instalações de produção altamente avançadas e totalmente automatizadas que operam sem trabalhadores ou sem necessidade de iluminação, que garantem uma operação contínua 24 horas por dia, 7 dias por semana, com um consumo mínimo de energia.
O Paraíso chegou.
O Paraíso com que todos sonhávamos e que nos foi, tem sido e continua a ser anunciado como estando aí mesmo a chegar à porta, para além das diversas interpretações socio-religiosas que o têm acompanhado, vem quase sempre ligado ao aparecimento de um perturbador salto tecnológico.
Foi assim, por exemplo, com a introdução da máquina a vapor nas fábricas (1), apresentada como propiciadora para a libertação do trabalho humano, mas que devido ao ritmo que imprimia, ‘obrigou’ ao nascimento do sistema fabril em grande escala (organização eficiente e correspondente divisão de trabalho), com o consequente aumento de produção. As máquinas, que poderiam ter tornado mais leve o trabalho, fizeram-no pior.
Os proprietários sabiam que tinham de tirar tudo da máquina o mais depressa possível (também a máquina seria explorada ao máximo), porque com as novas invenções elas podiam tornar-se logo obsoletas. O que fazia que os operários tivessem de acompanhar o ritmo das máquinas.
Os dias de trabalho eram de 16 horas. Quando os trabalhadores conseguiram o direito de trabalhar em dois turnos de 12 horas, a satisfação foi imensa.
Mas, mais do que o tempo de trabalho (nas suas vidas estavam habituados a trabalharem o mesmo), a maior dificuldade que os trabalhadores tiveram foi a de se adaptarem à disciplina da fábrica: entrarem a horas certas nuns dias e a outras horas noutros, manter o ritmo de movimento das máquinas sob as ordens e supervisão de um capataz.
Os salários eram os menores possíveis. E como as mulheres e crianças podiam cuidar das máquinas, ganhando menos que um homem, estes acabaram por ficar em casa sem trabalho. No princípio os donos das fábricas iam buscar as crianças pobres aos orfanatos. Mais tarde, como os salários do pai e da mãe já não eram suficientes para manter a família, as crianças que tinham casa viram-se obrigadas a trabalhar nas fábricas e minas.
Até se chegar aos tempos de hoje em que encaramos como normal quase tudo o que “temos”, todo este processo foi de uma violência extraordinária, mas finalmente estamos quase a conseguir o Paraíso. Desses tempos de luta, perdura emblematicamente apenas a observação de Arthur Young (1741- 1820):
“Todos, salvo os idiotas, sabem que se devem manter pobres as classes baixas, caso contrário nunca trabalhariam”.
E assim foi, até agora, em que oficialmente entrámos na era das Fábricas às Escuras (Dark Factories) — instalações de produção altamente avançadas e totalmente automatizadas que operam sem trabalhadores ou sem necessidade de iluminação, que garantem uma operação contínua 24 horas por dia, 7 dias por semana, com um consumo mínimo de energia.
Durante as operações normais, estas fábricas não requerem intervenção humana e funcionam sem luzes, pois os robôs e as máquinas com inteligência artificial não necessitam de orientação visual.
Os sistemas robotizados com inteligência artificial gerem as linhas de produção de forma autónoma e a logística automatizada gere o stock, a cadeia de abastecimento e o transporte de produtos acabados sem intervenção humana.
São óbvias as vantagens para a prução: como as máquinas trabalham 24 horas por dia, 7 dias por semana, sem interrupções, reduzindo o tempo de inatividade, dá-se um aumento da eficiência da produção; como os trabalhadores não são humanos não se pagam salários, a que acresce um menor consumo de energia, logo custos operacionais reduzidos; como a monitorização é baseada em IA, garante um fabrico preciso e produtos sem defeitos, logo um controle de qualidade consistente; como operam a velocidades muito mais altas, garantem uma maior produção com custos reduzidos, permitindo ainda uma produção escalável, adaptando-se instantaneamente às flutuações da procura; como os robôs não precisam de pausas, sono ou trocas de turno, estas fábricas podem produzir bens continuamente, sem interrupções, maximizando a produção com uma operação 24/7.
Vantagens acrescidas para os trabalhadores (devido à expansão da automação serão despedidos deixando assim de enfrentarem milhões de deslocações para o emprego; serão ajudados pelos governos e empresas através de programas de requalificação profissional a fazerem a transição para novas funções; terão mais tempo disponível para dedicarem à família e ao lazer, uma vida mais estável; outras) e para a humanidade no geral (os sistemas automatizados de iluminação, aquecimento e arrefecimento otimizam a utilização de energia, reduzindo o impacto ambiental; a gestão de recursos baseada em IA garante o mínimo de desperdício e baixas emissões de carbono; as fábricas automatizadas otimizam a utilização de energia e a eficiência dos materiais, reduzindo o desperdício; a logística orientada pela IA minimiza os custos de transporte e a pegada de carbono; outros).
Desta vez, finalmente o Paraíso está mesmo aí! Aliás, sempre esteve aí, nunca aqui.
1.Blog de 3 de novembro de 2021, “Pensamentos sobre a Revolução Industrial”.3
https://otempoemquevivemosotempoemquevivemos.blogs.sapo.pt/
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