segunda-feira, 26 de maio de 2025

Hugo Dionísio - Eleições em Portugal: O espelho de uma União Europeia em ruínas


(Hugo Dionísio, in Strategic Culture Foundation, 22/05/2025, Revisão da Estátua)


Em “Médiarquia”, Yves Citton desmonta a máquina de influência política que está a encerrar a discussão política naquele que podemos considerar o campo tradicional da direita. Segundo Citton, em termos muito simples, a média dominante cria os ambientes propícios à produção de um determinado estado mental, de ressentimento, desilusão ou impotência, e depois, através de um exército de comentadores e outras figuras com exposição pública, produz e transmite o discurso que vai responder, precisamente, ao ambiente de medo provocado, cujas constituintes estão dissociadas dos mais graves problemas que os trabalhadores têm.

Neste sentido, considera Citton que o regime em que vivemos – a democracia liberal – já não é uma democracia, mas uma mediarquia ou, até, uma “publicocracia”, uma vez que a média produz as figuras públicas – através da sua entrada em programas de entretenimento – em que mais tarde o público vai associar ao discurso que lhe foi plantado na cabeça como coincidente com o mesmo. Daí que estas pessoas se mobilizem mais pelo ódio aos migrantes asiáticos, à corrupção – endémica do capitalismo -, do que em relação aos problemas da habitação, trabalho, educação, saúde ou até à possibilidade de guerra. O que eles procuram é a coincidência do discurso, a confirmação do problema e não a solução em si.

Isto, bem vendo, nada tem de novo, uma vez que o fenómeno da exposição pública associado ao discurso amplificado pelas redes sociais, há muito que foi identificado como se tratando de um estratagema para influenciar o voto, do qual as sondagens, a escolha criteriosa das notícias, os comentários sobre as mesmas e muitos outros elementos comunicacionais, são as peças de uma máquina de ganhar eleições, à disposição da classe detentora do poder económico. Não é de admirar que este fenómeno, no tempo das televisões públicas apenas nas mãos dos governos e dos seus apoiantes, tenha transitado para centros de interesses privados, extremamente poderosos e, muitas vezes, em aparente dissociação com o poder instituído.

Citton reflecte muito também na necessidade de resposta a esta máquina infernal. Como é que as forças democráticas enfrentarão e encontrarão os instrumentos para responder a esta máquina de conquistar votos e influenciar o eleitorado, ao ponto de este tomar decisões aparentemente irracionais, emocionais, pré-reflexivas, contra os seus próprios interesses? Citoon aponta para a necessidade de maior escrutínio da comunicação social e dos seus funcionamento, mas esse caminho é pouco plausível na medida em que ela se trata de um instrumento de poder, usado para tal e como tal. A questão, a meu ver, que não sou especialista na matéria, passa mais por perceber, porque razão, este instrumento funciona como funciona, para depois o podermos atacar na base.

A resposta não é fácil e merece uma análise profunda às condicionantes históricas do nosso tempo, usando o melhor instrumento e referencial que temos à nossa disposição: a experiência histórica. Para chegarmos à resposta necessária, teremos de perceber por que razão estas convulsões sociais se produzem e, mais ainda, por que razão são elas, nos dias que correm, tão características da sociedade ocidental, dos EUA e da União Europeia, ou das sociedades que se regem pelos princípios “liberais”.

A produção de um ambiente propício à tomada de decisões irracionais e emocionais, de tipo comumente designado como “reaccionário” – na fase reactiva superficial – não se pode dissociar do ambiente económico em que as forças capitalistas dominantes se encontram e dos desafios, metas e objectivos que enfrentam. Afinal, a instabilidade nas nossas vidas, a sensação de perenidade, a efemeridade das condições, são resultados directos do tipo de economia em que vivemos, das suas necessidades e das políticas que promove junto do Estado que controla.

São estas forças que promovem o discurso dominante, que valorizam determinada ameaça em detrimento de outra, que massificam a informação, hoje através das redes sociais e da imprensa mainstream, como ontem tal era feito através da igreja e das instituições de poder, de forma directa. Voltando à experiência histórica, o que ela nos diz é que não é a primeira vez que a classe trabalhadora se sente perdida, acossada e isolada perante as ameaças cuja existência percepciona.

Na designada primeira revolução industrial, aquando da introdução do tear mecânico, na primeira metade do século XIX, os Luditas (ataque ao tear mecânico) ou os “Swing Rioters” (destruição das debulhadoras agrícolas) destruíam as máquinas, vendo nelas uma ameaça ao emprego da sua força de trabalho. Para agravar o sentimento de perda, as más condições de salubridade, segurança, salários e a outras condições de vida também contribuíram para este tipo de reacção. Contudo, não podemos, uma vez mais, dissociar esta atitude da pequena burguesia. Dos pequenos proprietários que viram os preços dos cereais baixar e não tinham condições económicas para mecanizar a sua exploração agrícola; dos pequenos artesãos que não conseguiam investir nas novas tecnologias e dependiam da tecelagem manual; do papel da igreja que via a sociedade a transformar-se de forma muito rápida e propagava um discurso reaccionário sobre o assunto.

A pequena burguesia, os sectores da burguesia mais tradicional que se viram ultrapassados pela burguesia tecnológica da altura, forças conservadoras e reaccionárias avessas à mudança operada, manuseando uma classe trabalhadora que se sentia acossada, sentindo em perigo aquela que constituía a sua única forma de sustento, face à agressividade do capitalismo industrial emergente, mais dinâmico e empreendedor e com maior poder sobre a decisão política, financiado por um capital financeiro também emergente, criou o caldo social que levou à reacção emocional violenta, à raiva e ao ódio à inovação tecnológica.

Julgo que este momento talvez seja o mais parecido e com as constituintes materiais mais análogas e similares ao que vivemos hoje. Um processo de transição tecnológica baseado na digitalização, inteligência artificial e automação avançada que é vendido como que ameaçando o emprego, podendo provocar desemprego em massa; um capitalismo financeirizado e globalizado que ameaça a qualidade do emprego, os salários, a estabilidade e a previsibilidade da vida, acentuando a sensação de descontrolo; um processo de atomização das relações de trabalho que individualizam, resultado da terciarização da economia e da sua terceirização por recurso ao “Outsorcing”, produzindo postos de trabalho cada vez mais isolados, em que o fenómeno organizacional é mais difuso e desconexo; a emergência de empresas ligadas ao “cloud capital” que operam além-fronteiras, sem conexão física, acentuando a sensação de alienação, não apenas em relação ao produto do trabalho, mas também em relação ao próprio trabalho em si. Tudo isto a uma velocidade estonteante e apresentado como tendo um potencial disruptivo incrível.

Em virtude do avanço deste capitalismo muito agressivo e financeiramente poderoso, sobre o Estado, intervindo na decisão política e apropriando-se de monopólios naturais, influenciando processos de crescente privatização de serviços públicos essenciais, negando ao sistema democrático o poder de regular as reais alavancas económicas, exigindo impostos mais baixos ou mesmo nulos, que se traduzem em perdas sucessivas de capacidade de investimento público, os trabalhadores deste novo enquadramento económico vêem adicionar ao trabalho precário, aos turnos e longas jornadas, aos baixos salários (porque fazem apenas o que as máquinas não conseguem), à insegurança perante a vida, a crise dos sistemas de saúde, da educação, da habitação. E, para agravar e somar à perda de empregos por via do “ajuste tecnológico”, assistem à abertura das fronteiras pelos mesmos que lhes capturaram os votos através da sua máquina de propaganda. A sensação de alienação existe também em relação à sua noção de cultura, etnia e Nação.

O ser humano valoriza a estabilidade, a previsibilidade, pela sensação de controlo da situação que essas condições possibilitam. Os que dizem valorizar a “flexibilidade” e a “mudança” dizem-no porque se sentem no controlo. É só tirar-lhes o tapete e lá vão eles de volta para o refúgio seguro.

Um jovem diz que não quer estabilidade até se juntar com alguém, constituir família e ter despesas fixas para pagar. Enquanto sabemos que isto é assim, temos um capital globalista que vende o contrário, vende a “flexibilidade” que mascara a desregulação da vida, vende a ideia de “liberdade” contratual, que ilude a precariedade da fonte de rendimento.

Para este trabalhador do século XXI, a sensação de que pode perder as constantes da sua vida, sejam elas a sua única moeda de troca – o trabalho – ou o seu único porto seguro, a casa, a Nação, etnia ou religião, não será muito diferente do que terão sentido os seus homólogos da primeira metade do século XIX. Com as constantes da sua vida em causa, um mundo de inovação em versão acelerada e difícil de entender e a percepção criada de que as organizações existentes, as instituições colectivas de classe, não correspondem às suas necessidades, colocam estes trabalhadores numa situação de fragilidade total, que nem no Estado se podem refugiar, uma vez que vêem a falência dos serviços públicos, das próprias finanças estatais, por todo o lado.

Podemos estar horas a discutir se actualmente as organizações de classe existentes representam, ou não – eu penso que existem -, esses trabalhadores, mas, o que mais importa, é a percepção desses trabalhadores e não a nossa. Para eles tudo parece estar em causa, ao ponto de votarem em quem não defende os seus interesses, apenas porque têm a esperança de que esse alguém crie uma ruptura e destrua uma realidade que consideram opressiva. Então, tal como os seus homólogos do passado tiveram uma reacção emocional de ataque à tecnologia, não percebendo que poderiam, de forma organizada, usá-la em seu favor para obter melhores condições de trabalho, também os de hoje têm uma atitude desenfreada de tudo querer partir, ainda cegos perante a possibilidade de usarem essa força de forma organizada para, efectivamente criarem uma ruptura, mas dessa feita, com um plano viável de reconstrução de um mundo que responda às suas necessidades. Porque, convenhamos, o modelo que anula eleições na Roménia ou isola a Hungria, não responde também a essas necessidades, pelo contrário, trouxe-nos a este ponto.

Nesta fase de reacção emocional, provocada por um fenómeno psicopolítico conhecido e abordado por gente como Byung Chul Han, este trabalhador acossado, vendo ruir tudo à sua volta torna-se, nesse sentido, alvo fácil da demagogia “mediarquica”. Um bloco imperialista ocidental em que a classe capitalista tradicional, ligada aos sectores tradicionais e até aqui no controlo, se sente ameaçada pela transição do centro económico para a Ásia, tal como os capitalistas e classes detentoras do início do século XX se viram acossados pela perspectiva da perda das colónias. Desta feita, a transição do centro de poder para a Ásia, não apenas muda o paradigma económico, em que o poder transita do opressor para o oprimido. Ao mesmo tempo, estas classes dominantes vêem ruir o projecto neo-colonial, criado após a Segunda Guerra Mundial, como contingência da perda das colónias e das concessões sociais decorrentes da existência de uma coisa chamada URSS, cuja existência, associada à decadência do Império britânico, do mundo anglo-saxónico europeu e à emergência dos EUA, tinha, a par de outras coisas, desencadeado o recurso às doutrinas fascistas e sionistas.

Nesta mescla social também entram os taxistas, ameaçados pela Uber e atacando os condutores asiáticos, ao invés de atacarem os que deixaram esta lógica empresarial parasita destruir as suas empresas e postos de trabalho. Deveria mesmo ser estudado o efeito que a entrada da Uber na UE, a forma ilegal como entrou, a conivência dos poderes estatais com a sua entrada e o recurso a mão-de- -obra migrante de origem asiática, teve na propagação deste tipo de racismo. Ainda por cima, a classe dos taxistas não era conhecida, na UE, por ser a mais esclarecida e a vanguarda da classe trabalhadora. Nem por sombras. Por outro lado, foram eles quem desabafou nos seus táxis todas as suas frustrações a milhões de clientes que usavam os seus serviços, muitos deles humildes, uma vez que os mais ricos usavam, por ser sinónimo de sofisticação, a Uber.

Já os lojistas ameaçadas pela Amazon, Aliexpress ou Temu, os restaurantes ameaçados pelos franchisings de fast-food, os pequenos empresários ameaçados pela capacidade de investimento dos grandes conglomerados industriais internacionais, os operadores logísticos ameaçados pelas UPS, DHL e Express Mail, também terão tido a sua quota parte. Estes são a correia de transmissão para os seus trabalhadores. Estes terão cumprido o mesmo papel que cumpriu o tecelão, o pequeno agricultor, o artesão pré-industrial. Uma vez mais, vivemos uma era de luta entre facções do capital, na qual os trabalhadores são instrumentalizados.

Prova de que estas percepções são plantadas é que os problemas que os trabalhadores desiludidos elegem como fundamentais, não são os seus problemas reais, mas os daqueles que se viram ameaçados com a chegada de emigrantes em massa para trabalhar para a Uber, como o caso dos taxistas, que perderam as suas pequenas empresas para a Uber e para as sociedades unipessoais que trabalham para a Uber (e não só). Estes migrantes desenvolvem actividades que os indígenas não querem desenvolver ou as consideram menores, caso da agricultura.

Aliás, a profusão de explorações agrícolas de culturas de exportação, facilmente perecíveis, associadas a necessidades massivas de mão-de-obra barata a transportar e instalar em locais do interior, desertificados, muito subdesenvolvidos e pouco populosos, também terá tido a sua quota parte. Imaginem o que é chegarem cem trabalhadores asiáticos a uma aldeia com 50 pessoas, e tentem perceber o ambiente de invasão e insegurança que sentirão. Agora, imaginemos que os que prometeram combater a desertificação tinham desenvolvido o interior de Portugal e, ao invés destes 100 migrantes entrarem numa aldeia com 50 residentes, a aldeia teria 500. Tudo seria diferente, certo? E mais diferente seria se, ao invés de culturas de exportação, produzíssemos culturas autóctones, mais rentáveis e destinadas à nossa alimentação. Tudo isto foi obra de governos submissos às políticas antipatrióticas da UE, que andaram, nos últimos 20 anos, a vender consecutivamente uma ilusão de desenvolvimento que nunca chegou. E fizeram-no enquanto ganhavam eleições à custa da máquina mediocrática, prometendo resultados para os quais nunca trabalharam.

Daí que não nos possamos admirar que tudo se comece a precipitar para o abismo. Se, no passado, a amplificação do discurso dominante era feita pela Igreja e pelas suas organizações sociais, na actualidade, a amplificação do discurso dominante é provocada pela Imprensa mainstream e pelas redes sociais e os seus bots, comprados com todo o dinheiro que esta gente pode comprar. Já não é na organização de classe, na associação de bairro, na colectividade ou, sequer, na taberna, que o trabalhador, o pequeno proprietário, bebem a sua informação. Ao invés de o fazerem em grupo, fazem-no no isolamento do seu smartphone. Sem contradição, questionamento ou reflexão profunda. Do entricheiramento provém o fanatismo, do fanatismo a reacção. Das certezas absolutas e inequívocas só advêm maus resultados. Da depressão mental, só podem advir reacções emocionais imponderadas. Um animal acossado e isolado num canto morde em qualquer direcção e foge para qualquer lado, apenas querendo sair da situação de aperto.

Uma vez mais, portanto, temos trabalhadores e camadas proprietárias de pequena dimensão aliados a facções do capital que se sente em perigo. Mas todas as reacções têm um fim e conduzem à necessária acção. À resposta emocional, imponderada, à sua ineficácia, surgirá necessariamente, por razões que a própria necessidade e natureza das coisas exigem, uma acção pensada, ponderada, um plano viável, compreensivo e adaptado à realidade superveniente. E hoje, podemos dizer que, nesse aspecto, a classe trabalhadora e os pequenos empresários já estão mais avançados que antes. Como disse Umberto Eco, o mundo avança entre movimentos de acção e reacção. Marx falava em dialéctica materialista entre relações de forças construídas por movimentos sociais opostos, que se resolviam em avanços civilizacionais quando a favor dos trabalhadores; Elias Jabour fala de saltos de um ponto de equilíbrio para outro. Todas elas surgem na sequência da tese-antítese-síntese de Hegel, tal como surgiram de Heraclito e do seu “ninguém se pode banhar na mesma água do rio duas vezes”. Ou seja, tudo é movimento constante, de salto em salto, de acção em reacção para acção outra vez. É assim que o conhecimento se constrói, é assim que a natureza evolui, é assim que as sociedades se desenvolvem.

Da primeira revolução industrial, da reacção emocional inicial, saíram conquistas organizacionais extremamente importantes, fundamentais para as conquistas do século XX e para a derrota do nazi-fascismo dos anos trinta e quarenta. Tais conquistas permitiram um estado de bem-estar social nunca antes visto na civilização humana. À entrada do século XIX, como disse antes, os trabalhadores não possuíam ainda as suas próprias organizações, organizações que falassem por eles, que respondessem aos seus problemas concretos, que agregassem a sua força. Dessa reacção e da acção que lhe sucedeu surgiram as respostas à contradição estabelecida entre um movimento opressor organizado e profundamente poderoso, face à fraqueza, isolamento e incapacidade de resposta congruente e consequente dos trabalhadores. A resolução da contradição dá-se com a criação dos sindicatos, primeiro e dos partidos e movimentos de classe (anarquistas, socialistas, comunistas), depois. Depois da conduta reactiva, manipulada e emocional, sucedeu-se a conduta racional, planificada. Típica da serenidade de quem já descarregou a sua raiva e procura, após o escape, a solução efectiva para os problemas identificados.

Destas formas organizacionais nasce a capacidade de resposta ao movimento reaccionário e a agregação da força individual em força colectiva. Daí surgiram revoluções como a Russa, Cubana, Portuguesa, Chinesa, catalisadores de mudança que associados à capacidade destas organizações, obrigaram, mesmo no Ocidente capitalista, à concessão do estado social europeu. Aquele que hoje todos sentimos em causa e ameaçado. Aquele que o capital ameaçado cobiça, por poder proporcionar-lhe, aquando nas suas mãos, incontáveis lucros, também compensatórios da perda de poder à escala mundial.

É por isso que digo que, mesmo que a narrativa dominante tenha transmitido aos trabalhadores que as organizações existentes não falam por si, aos poucos, o isolamento, a necessidade de compreensão e a procura de acções mais eficazes na mudança do estado de coisas, fará reconectar toda esta força com as suas organizações. Estas, como é óbvio, também terão de a atrair e representar, exigindo tal resposta uma coragem verdadeiramente revolucionária, capaz de imprimir um movimento dialéctico de adaptação, primeiro, e resposta e transformação ás condições materiais existentes, hoje tão travestidas de novas roupagens. Chamemos-lhes uma “batata”, vestidos de azul ou vermelho, será em organizações de classe, de pendor revolucionário que a classe trabalhadora encontrará, uma vez mais, a libertação.

Não será um caminho fácil, a prosseguir num Ocidente decadente e em colapso. Não podemos desligar da sensação de perda que as populações desiludidas sentem, o sentimento de ameaça às suas raízes, à sua cultura, aquele que foi um movimento constante e ainda muito presente, de transferências sucessivas de dimensões da nossa soberania nacional. Se as fronteiras da migração se abriram, foi porque a UE assim o decidiu, uma vez que, nos termos do Tratado de Lisboa, esta matéria é da sua competência; se o trabalho se degradou, foi porque a UE nos destinou uma economia de baixo perfil, voltada para o turismo e os serviços; se a moeda compra menos e tudo parece mais caro, tal sucede porque perdemos a soberania monetária; se sentimos que os serviços públicos se degradam, tal sucedeu porque transferimos a soberania orçamental e financeira, limitando a liberdade de investir nos serviços públicos e de construir um sector público capaz de impulsionar a economia; se sentimos a energia cara, os combustíveis dispendiosos, tal sucede porque transferimos a soberania económica, sujeitando-nos à agenda privatizadora e deslocalizadora da UE; se sentimos o país a ficar para trás, os jovens a abandonar-nos, tal se deve à agenda de mobilidade que visa fornecer de mão-de-obra qualificada os países mais ricos.

A prova de que este movimento é meramente reactivo, reaccionário, por mais explicável e compreensível que pareça ser, reside no facto de nenhuma das dimensões que causam esta reacção, ter resposta no programa dos partidos “populistas” ou “demagógicos” que agregam estes votos, demonstrando que apenas beneficiam da máquina mediocrática, tal como os seus irmãos do centrão e da esquerda fofinha. Se se tratasse, efectivamente, de um processo de mudança, todos estes problemas contariam com uma resposta e, à excepção dos migrantes asiáticos, que se pretendem expulsar, nenhum dos reais problemas sociais que causam esta sensação de insegurança encontra resposta nos programas das AfD, de Trump, da AD, de Simeon ou Le Pen. Tal como se vê agora com Meloni.

A resposta a este estado de coisas exige muito mais do que falar mal de tudo e todos, exige a coragem e capacidade de romper, efectivamente, com os poderes instituídos. Sejam eles o da UE, direita neoliberal reaccionária, mas globalista, sejam os da “nova direita” Trumpista, reaccionária, mas tradicionalista, que opta por atrair os trabalhadores, atacando outros trabalhadores mas nunca quem os explora ou quem os escraviza.

Sem esta resposta, no caso português, uma procura das suas origens, da sua história e raízes e uma viragem para o mundo, sem intermediários ou paizinhos – a este respeito o Chega nem a fractura faz com a NATO e é isso que o torna “tolerável” face à AfD ou a Le Pen –, beneficiando das pontes construídas outrora, das relações com os países de língua portuguesa, com as regiões como Goa ou Macau que nos conectam às superpotências da actualidade e do futuro, Portugal continuará a ser carne para canhão de países decadentes que procuram segurar-se tratando-nos como o seu “pátio das traseiras”.

Procurar essa resposta implica a coragem necessária para dizer que esta UE falhou, que se trata de um resquício da guerra fria e nenhuma função mais lhe sobra do que a instrumentalização das nações mais pequenas, a extensão artificial das fronteiras da NATO e o esgotamento dos nossos parcos recursos, para seu benefício, para benefício dos directórios de poder que a alimentam e controlam. É bem visível a instrumentalização que França e Alemanha estão a fazer da União Europeia, num momento de corrida às armas, usando-a como extensão das suas estratégias belicistas.

Símbolo desta UE perdida no mundo e em si própria é, uma vez mais, o advento de um poderoso movimento reaccionário, russófobo e neocolonial no seu seio. Seja ele alimentado pela ganância globalista imposta pelas agendas destrutivas de Von Der Leyen ou pelo Trumpismo isolacionista da “nova direita”.

Quanto mais depressa o clarificarmos, mais depressa construiremos o novo mundo que surgirá destas ruínas

https://strategic-culture.su/news/2025/05/22/eleicoes-em-portugal-o-espelho-de-uma-uniao-europeia-em-ruinas/

Agostinho Neto - "Quitandeira" e "Kinaxixi"


Hipólito de Andrade - Quitandeira



* Agostinho Neto

Quitandeira 

A quitanda
Muito sol
a quitandeira à sombra
da mulembá

- Laranja, minha senhora
laranja boa!

A luz brinca na cidade
de claros
o seu quente jogo
e a vida brinca
em corações aflitos
o jogo da cabra-cega

A quitandeira
que vende fruta
vende-se

- Minha senhora
Laranja, laranjinha boa!

Compra laranjas doces
Compra-me também o amargo
desta tortura:
a vida a restejar.

Compra-me a infância de espírito
este botão de rosa
que não abriu;
princípio impelido ainda para um início.

Ah!
Laranja, minha senhora!
Esgotaram-se os sorrisos
Com que chorava
Eu já não choro.

E aí vão as minhas esperanças
como foi o sangue dos meus filhos
amassado no pó das estradas,
enterrado nas roças
e o meu suor
embebido nos fios de algodão
que me cobrem;
como o esforço foi oferecido
à segurança das máquinas,
à beleza das ruas asfaltadas,
de prédios de vários andares
e à comodidade de senhores ricos.

à alegria dispersa por cidades

e eu
me fui
com os próprios problemas da existência.

Aí vão as laranjas
como eu me ofereci ao álcool
para me anestesiar
e me entreguei às religiões
para me insensibilizar
e me atordoei para viver.

Tudo tenho dado
até mesmo a minha dor
e a poesia dos meus seios nus
entreguei-a aos poetas.

Agora,
vendo-me eu própria.
- Compra laranjas,
minha senhora!

Leva-me para as quitandas da Vida.
O meu preço é único:
- sangue.

- Laranja, minha senhora
laranja boa!

Talvez vendendo-me
eu me possua.

- Compra laranjas! 

Kinaxixi  

Gostava de estar sentado
num banco do kinaxixi
às seis horas duma tarde muito quente
e ficar...

Alguém viria
talvez sentar-se
sentar-se ao meu lado

E veria as faces negras da gente
a subir a calçada
vagarosamente
exprimindo aus6encia no kimbundu mestiço
das conversas

Veria os passos fatigados
dos servos de pais também servos
buscando aqui amor ali glória
além uma embriagues em cada álcool

Nem felicidade nem ódio

Depois do sol posto
acenderiam as luzes
e eu
iria sem rumo
a pensar que a nossa vida é simples afinal
demasiado simples
para quem está cansado e precisa de marchar.

domingo, 25 de maio de 2025

Domenico Losurdo - A indústria da mentira, parte da máquina de guerra do imperialismo


Brasil 111

* Domenico Losurdo

Na história da indústria da mentira, parte integrante do aparelho industrial militar do imperialismo, 1989 é um ano de viragem. Nicolae Ceausescu ainda está no poder na Roménia. Como derrubá-lo? Os meios de comunicação ocidentais difundem de modo maciço junto à população romena informação e imagens do "genocídio" cometido em Timisoara ...

Os cadáveres mutilados

O que acontecera na realidade? Beneficiando da análise de Debord sobre a "sociedade do espectáculo", um ilustre filósofo italiano (Giorgio Agamben) sintetizou de modo magistral a história de que aqui se trata:

"Pela primeira vez na história da humanidade, cadáveres sepultados ou alinhados sobre mesas das morgues foram desenterrados às pressas e torturados para simular frente às câmaras o genocídio que devia legitimar o novo regime. O que o mundo viu em directo como verdade real, no écran da televisão, era a não verdade absoluta. Embora a falsificação fosse óbvia, ela todavia era autenticada como verdadeira pelo sistema mundial dos media, porque estava claro que agora a verdade não era senão um momento do movimento necessário do falso. Assim, a verdade e a mentira tornaram-se indiscerníveis e o espectáculo legitimava-se unicamente mediante o espectáculo.

Timisoara é, neste sentido, a Auschwitz da sociedade do espectáculo: e como já foi dito que depois de Auschwitz é impossível escrever e pensar como antes, da mesma forma, depois de Timisoara não será mais possível ver um écran de televisão do mesmo modo" (Agamben, 1996, p. 67).

No ano de 1989 a transição da sociedade do espectáculo para o espectáculo como técnica de guerra manifestou-se à escala planetária. Algumas semanas antes do golpe de Estado, ou seja, da "revolução Cinecittà" na Roménia (Fejtö 1994, p 263), a 17 de Novembro de 1989, a "revolução de veludo" triunfava em Praga agitando uma palavra de ordem de Gandhi: "Amor e Verdade". Na realidade, um papel decisivo coube à divulgação da notícia falsa de que um aluno fora "brutalmente assassinados" pela polícia. Vinte anos mais tarde, revela satisfeito um "jornalista e líder da dissidência, Jan Urban", protagonista da manipulação: a sua "mentira" havia tido o mérito de suscitar a indignação em massa e o colapso de um regime já periclitante (Bilefsky 2009).

Algo semelhante acontece na China: em 08 de Abril de 1989 Hu Yaobang, secretário do PCC até há um par de anos, sofreu um enfarte durante uma reunião da Comissão Política e morreu uma semana depois. Para a multidão na Praça da Paz Celestial a sua morte está ligada ao duro conflito político verificado no decorrer naquela reunião (Domenach, Richer, 1995, p 550.), De qualquer modo ele se torna vítima do sistema que se tenta derrubar. Em todos os três casos, a invenção e a denúncia de um crime são chamados a suscitar a onda de indignação de que o movimento de revolta tem necessidade. Se se consegue o êxito completo na Checoslováquia e na Roménia (onde o regime socialista havia-se seguido ao avanço do Exército Vermelho), esta estratégia falhou na República Popular da China que brotou de uma grande revolução nacional e social. E aqui é que tal fracasso se torna o ponto de partida de uma nova e mais maciça guerra mediática, que é desencadeada por uma superpotência que não tolera rivais ou potenciais rivais e que ainda está em pleno desenvolvimento. Fica definido que o ponto da viragem histórica está em primeiro lugar em Timisoara, "a Auschwitz da sociedade do espectáculo".

A "anunciar bebés" e o corvo marinho

Dois anos depois, em 1991, verificou-se a primeira Guerra do Golfo. Um corajoso jornalista estado-unidense explicou como se deu "a vitória do Pentágono sobre o media", ou seja, a "derrota colossal dos media por obra do governo dos Estados Unidos" (Macarthur 1992, pp. 208 e 22).

Em 1991, a situação não era fácil para o Pentágono (nem para a Casa Branca). Tratava-se de convencer da necessidade da guerra um povo sobre o qual ainda pesava a memória do Vietname. E então? Espertezas várias reduziram drasticamente a possibilidade de jornalistas falarem directamente com os soldados ou reportarem directamente a partir da frente. Na medida do possível, tudo deve ser filtrado: o fedor da morte e sobretudo o sangue, o sofrimento e as lágrimas da população civil não devem invadir as casas dos cidadãos dos EUA (e dos habitantes do mundo inteiro) como no tempo de guerra Vietname. Mas o problema central mais difícil de resolver era outro: como demonizar o Iraque de Saddam Hussein, que ainda há alguns anos era considerado digno aos olhos dos EUA, agredindo o Irão que brotara da revolução islâmica e anti-americana de 1979 e inclinado a fazer proselitismo no Oriente Médio. A demonização teria sido muito mais eficaz se ao mesmo tempo a sua vítima fosse angelical. Operação nada fácil, e não apenas pelo facto de no Kuwait ser dura e impiedosa a repressão de todas as formas de oposição. Havia algo pior. Para executar as tarefas mais humildes os imigrantes eram sujeitos a uma "escravatura de facto" e uma escravatura de facto que muitas vezes assumia formas sádicas: não despertou particular emoção casos de "servos arremessado a partir do terraço, queimados ou cegados ou espancados até a morte " (Macarthur 1992, pp. 44-45).

E ainda assim... Generosamente ou fabulosamente recompensada, uma agência de publicidade encontra remédio para tudo. Essa denunciou o facto de que os soldados iraquianos cortavam as "orelhas" dos kuwaitianos que resistiam. Mas o golpe de teatro desta campanha era outro: os invasores haviam irrompido num hospital, "removendo 312 bebés das suas incubadoras e deixando-os morrer no chão frio do hospital de Kuwait City" (Macarthur 1992, p 54). Proclamada repetidamente pelo presidente Bush Sr., confirmado pelo Congresso, endossado pela imprensa de referência, e até mesmo pela Amnistia Internacional, esta notícia tão horripilante, mas mesmo assim circunstanciada para indicar com precisão o número de mortes, não poderia deixar de provocar uma onda avassaladora de indignação: Saddam Hussein era o novo Hitler, a guerra contra ele era não só necessária como também urgente e aqueles que se opusessem a ela ou fossem recalcitrantes deveriam ser considerados como cúmplices mais ou menos conscientes do novo Hitler! A notícia era obviamente uma invenção habilmente produzida e distribuída, mas foi para isso que a agência de publicidade bem merecera o seu dinheiro.

A reconstrução desta história está contida em um capítulo do livro aqui citado com um título adequado: "Publicitar bebés" (Selling Babies). Na verdade, o "anunciado" não foram apenas os bebés. Logo no início das operações militares foi difundida por todo o mundo a imagem de um corvo marinho que se afogava no petróleo a jorrar de poços explodidos pelo Iraque. Verdade ou manipulação? A causa da catástrofe ecológica era Saddam? E há realmente corvos marinhos naquela região do globo e naquela estação do ano? A onda de indignação, autêntica e habilmente manipulada, varreu a última resistência racional.

A produção do falso, o terrorismo da indignação e o desencadeamento da guerra

Façamos um novo salto alguns anos em frente e chegamos assim à dissolução, ou melhor, ao desmembramento da Jugoslávia. Contra a Sérvia, que historicamente fora a protagonista do processo de unificação deste país multi-étnico, nos meses que antecederam o bombardeamento total desencadeou-se uma onda de bombardeamentos multimedia. Em Agosto de 1998, um jornalista americano e um alemão

"Referem-se à existência de valas comuns contendo 500 cadáveres de albaneses, incluindo 430 crianças, perto de Orahovac, onde se combateu duramente. A notícia foi retomada por outros jornais ocidentais com grande destaque. Mas era tudo falso, como evidenciado por uma missão de observação da UE " (Morozzo Della Rocca 1999, p. 17).

Nem por isso a fábrica de falsificações entrava em crise. No início de 1999, os meios de comunicação ocidentais começaram a bombardear a opinião pública internacional com fotografias de cadáveres empilhados no fundo de um penhasco e, por vezes, decapitados e mutilados; as legendas e artigos que acompanhavam tais imagens proclamavam que se tratava civis albaneses inermes massacrados pelos sérvios. Só que:

"O massacre de Racak é horrendo, com mutilações e cabeças decepadas. É um cenário ideal para despertar a indignação da opinião pública internacional. Mas alguma coisa parece estranha nesta modalidade de carnificina. Os sérvios matam habitualmente sem fazer mutilações [...] Como ensina a guerra na Bósnia, as denúncias de brutalidade sobre corpos, sinais de tortura, decapitações, são uma arma da propaganda difundida [...] Talvez não fossem os sérvios, mas sim os guerrilheiros albaneses que mutilaram os corpos" (Morozzo Della Rocca 1999, p. 249).

Ou, talvez, os corpos das vítimas de um dos inumeráveis confrontos entre grupos armados tivessem sido submetidos a um tratamento sucessivo, a fim de fazer acreditar numa execução a frio e num desencadeamento de fúria bestial, da qual era imediatamente acusado o país que a NATO se preparava para bombardear (Saillot 2010, pp. 11-18).

A encenação de Racak foi apenas o culminar de uma campanha de desinformação obstinada e cruel. Alguns anos antes, o bombardeamento do mercado de Sarajevo havia permitido à NATO erguer-se como suprema autoridade moral, que não se podia permitir deixar impune a "atrocidade" sérvia. Hoje em dia pode-se ler, mesmo no Corriere della Sera, que "foi uma bomba de paternidade muito duvidosa a fazer o massacre no mercado de Sarajevo provocando a intervenção da NATO" (Venturini 2013). Com este precedente anterior, Racak aparece hoje como uma espécie de reedição de Timisoara, uma reedição prolongada por alguns anos. E no entanto, também neste caso, houve êxito. O ilustre filósofo que em 1990 havia denunciado "o Auschwitz da sociedade do espectáculo" verificado em Timisoara, cinco anos depois alinhava-se ao coro dominante, trovejando de forma maniqueísta contra "o deslizamento repentino da classe dirigente ex-comunista no racismo mais extremo (como na Sérvia, com o programa de limpeza étnica)" (Agamben 1995, pp. 134-35). Depois de haver agudamente analisado a trágica indiscernibilidade da "verdade e falsidade" na sociedade do espectáculo, ele acaba, involuntariamente, por confirmá-la, aceitando de modo precipitado a versão (ou seja, a propaganda de guerra) difundida no "sistema mundial dos media", que anteriormente apontara como a fonte principal da manipulação. Depois de ter denunciado a redução do "verdadeiro" para "momento do movimento necessário do falso", feito pela sociedade do espectáculo, ele limitava-se a conferir uma aparência de profundidade filosófica a esse "verdadeiro" reduzido a "momento do movimento necessário do falso".

Por outro lado, um elemento da guerra contra a Jugoslávia, mais do que em Timisoara, nos leva de volta à primeira Guerra do Golfo. É o papel desempenhado pelas relações públicas:

Milosevic. "Milosevic é um homem tímido, não gosta de publicidade, não gosta de se mostrar ou fazer discursos em público. Parece que aos primeiros sinais de desagregação da Jugoslávia, a Ruder&Finn, empresa de relações públicas que trabalhara para o Kuwait, em 1991, apresentou-se a oferecer os seus serviços. Foi recusada. A Ruder&Finn foi ao invés contratada de imediato pela Croácia, pelos muçulmanos da Bósnia e pelos albaneses do Kosovo por 17 milhões de dólares por ano, a fim de proteger e promover a imagem dos três grupos. E ela fez um óptimo trabalho!

James Harf, diretor da Ruder&Finn Global Public Affairs , afirmou numa entrevista [...]:

"Fomos capazes de fazer coincidir na opinião pública sérvio e nazista [...] Nós somos profissionais. Tínhamos um trabalho a fazer e fizemos. Não somos pagos para fazer moral" (Toschi Marazzani Visconti 1999, p. 31).

Chegamos agora à segunda Guerra do Golfo: nos primeiros dias de Fevereiro de 2003, o secretário de Estado dos EUA, Colin Powell, mostrava à plateia do Conselho de Segurança da ONU as imagens de laboratórios móveis para a produção de armas químicas e biológicas que o Iraque dispunha. Algum tempo depois o primeiro-ministro britânico, Tony Blair, redobrava a dose: não só Saddam tinha essas armas como já havia feito planos para usá-las e era capaz de activá-las "em 45 minutos." E mais uma vez o espectáculo, nada mais que o prelúdio para a guerra, constituía o primeiro acto de guerra, pondo em guarda contra um inimigo de que o género humano se devia absolutamente desembaraçar.

Mas o arsenal das armas da mentira executadas ou prontas para o uso foi muito além disso. A fim de "desacreditar o líder iraquiano aos olhos do seu próprio povo", a CIA propunha-se a "divulgar em Bagdad, um filme revelando que Saddam era gay. O vídeo devia mostrar o ditador iraquiano tendo relações sexuais com um garoto. "Devia parecer feito a partir de uma câmara oculta, como se fosse uma gravação clandestina". A ser estudada estava também "a possibilidade de interromper a transmissão da televisão iraquiana com uma pretensa edição extraordinária do telejornal contendo o anúncio de que Saddam havia renunciado e que todo o poder fora retirado de seu filho Uday, temido e odiado" (Franceschini 2010).

Se o Mal deve ser mostrado e marcado em todo o seu horror, o Bem deve aparecer em todo o seu esplendor. Em Dezembro de 1992, fuzileiros navais dos EUA desembarcaram na praia de Mogadiscio. Para maior exactidão, desembarcaram duas vezes e a repetição da operação não se deveu a dificuldades militares ou logísticas imprevistas. Era preciso mostrar ao mundo que, mesmo antes de ser um corpo militar de elite, os fuzileiros eram uma organização beneficente e caridosa que trazia esperança e um sorriso ao povo somali devastado pela miséria e pela fome. A repetição do desembarque-espectáculo destinava-se a emendá-lo nos seus pormenores errados ou defeituosos. Um jornalista e testemunha explicou:

"Tudo o que está a acontecer na Somália e que se verá nas próximas semanas é um show militar-diplomático [...] Uma nova época na história da política e da guerra começou realmente, na noite bizarra de Mogadíscio [...] A "Operação Esperança" foi a primeira operação militar não apenas filmada em directo pelas câmaras, mas pensada, construída e organizada como um show de televisão" (Zucconi 1992).

Mogadíscio era a contrapartida de Timisoara. Há alguns anos de distância da representação do Mal (o comunismo que finalmente desmoronou) seguiu-se a representação do Bem (o império americano, que emergia do triunfo alcançado na Guerra Fria). São agora claros os elementos constitutivos da guerra-espectáculo e do seu êxito.

Referências bibliográficas

Giorgio Agamben 1995

Homo sacer. Il potere sovrano e la nuda vita, Einaudi, Torino

Giorgio Agamben 1996

Mezzi senza fine. Note sulla politica, Bollati Boringhieri, Torino

Dan Bilefsky 2009

«A rumor that set off the Velvet Revolution», in International Herald Tribune del 18 novembre, pp. 1 e 4

Jean-Luc Domenach, Philippe Richer 1995

La Chine, Seuil, Paris

François Fejtö 1994 (em colaboração con Ewa Kulesza-Mietkowski)

La fin des démocraties populaires (1992), tr. it., di Marisa Aboaf, La fine delle democrazie popolari. L’Europa orientale dopo la rivoluzione del 1989, Mondadori, Milano

Enrico Franceschini 2010

«La Cia girò un video gay per far cadere Saddam», La Repubblica, 28 maggio, p. 23

John R. Macarthur 1992

Second Front. Censorship and Propaganda in the Gulf War, Hill and Wang, New York

Roberto Morozzo Della Rocca 1999

«La via verso la guerra», in Supplemento al n. 1 (Quaderni Speciali) di Limes. Rivista Italiana di Geopolitica, pp. 11-26

Fréderic Saillot 2010

Racak. De l’utilité des massacres, tome II, L’Hermattan, Paris

Jean Toschi Marazzani Visconti 1999

«Milosevic visto da vicino», Supplemento al n. 1 (Quaderni Speciali) di Limes. Rivista Italiana di Geopolitica, pp. 27- 34

Franco Venturini 2013

«Le vittime e il potere atroce delle immagini», in Corriere della Sera del 22 agosto, pp. 1 e 11

Vittorio Zucconi 1992

«Quello sbarco da farsa sotto i riflettori TV», in La Repubblica del 10 dicembre


https://www.facebook.com/profile.php?id=100013444540574

segunda-feira, 19 de maio de 2025

CDU . Sobre os resultados das Eleições Legislativas de 2025

Declaração de Paulo Raimundo, Secretário-Geral do PCP

Sobre os resultados das Eleições Legislativas de 2025

18 Maio 2025, Lisboa

Nesta campanha eleitoral, nesta luta por tudo quanto importa na vida dos trabalhadores, do Povo, da juventude e do País, afirmámos a CDU como força de coragem, de seriedade e de confiança.

Saudamos os activistas da CDU, e em particular os nossos companheiros de coligação o Partido Ecologista “Os Verdes” e a associação Intervenção Democrática.

Saudamos os comunistas, ecologistas, mulheres e homens sem filiação partidária que fizeram desta campanha eleitoral uma notável jornada em defesa de um novo rumo para o País.

Saudamos a juventude, a quem nos dirigimos de forma particular ao longo da campanha e que com a sua participação deu força, alegria, criatividade a uma campanha eleitoral assente na denúncia dos problemas e nas soluções para o País. 

Saudamos todos os que votaram na CDU e em particular os que o fizeram pela primeira vez.

O resultado da CDU marcando resistência num quadro particularmente  exigente e face a múltiplos vaticínios, não reflecte nem a expressão de apoio e reconhecimento que a campanha mostrou, nem o que a situação do país exigia de uma CDU mais reforçada para  responder aos problemas, para enfrentar as forças e projectos reaccionários. 

Um resultado inseparável de factores objectivos e subjectivos em que pesaram a difusão de elementos de preconceito, a recorrente falsificação e menorização da CDU e das suas propostas, uma opção eleitoral ditada não pela resposta aos problemas de cada um mas condicionada por  alegadas disputas de maiorias eleitorais.  

Como afirmamos em toda a campanha, cada voto na CDU conta. 

Nenhum voto na CDU será desperdiçado. 

Nenhum voto na CDU será traído. 

Cada voto na CDU é uma expressão de compromisso com um outro rumo na vida política nacional, um voto de exigência de ruptura com a política de direita e que contarão para enfrentar com coragem a direita e a extrema-direita e os interesses do capital.

Podem os trabalhadores e o povo contar com iniciativa e intervenção da CDU para dar resposta e solução aos problemas que aí estão. 

Salários, pensões, saúde, habitação, educação, direitos das crianças e dos pais, das mulheres, da juventude, o ambiente, a conservação da natureza, a solidariedade com a Palestina. 

Podem contar com a CDU para defender a liberdade, democracia, a constituição e a Paz. 

A composição da Assembleia da República tem uma evolução negativa, marcada pelo crescimento da AD (PSD e CDS), do Chega e da IL.

O resultado obtido pela AD foi alcançado a partir da instrumentalização da ideia de “estabilidade governativa” a partir de uma política que promove todos os dias a instabilidade na vida de cada um, do uso e abuso ilegítimo de actos de um governo em gestão, da vitimização que procurou fomentar, associado à falta de credibilidade do PS que, não só não assumiu uma perspectiva de caminho e soluções distintas às da AD como, antecipadamente se mostrou disponível para viabilizar um seu governo.

O resultado obtido pelo Chega é inseparável dos meios – financeiros, mediáticos e outros - que hoje estão colocados pelo capital ao serviço da promoção de um quadro de valores reaccionário e anti-democrático, favorecendo forças que alimentam a demagogia, a mentira, a manipulação e o ódio, elementos amplamente evidentes nesta campanha.

O quadro institucional agora resultante, com uma maioria na AR de PSD, CDS, Chega e IL, independentemente dos arranjos que venham a verificar-se entre estas forças, comporta o perigo da intensificação da agenda retrógrada, neoliberal e anti-social. 

Este é o momento para cada um dizer com clareza e coragem, sem tactismos, ao que está e ao que vem.  

Face a estes resultados eleitorais que não subestimamos, este não é tempo de conformação ou de entendimento com a direita e as suas concepções reaccionárias, retrógradas e antidemocráticas. Este não é o tempo de dar a mão à direita, de dar suporte à sua política anti-popular.  

Este é o tempo de combate à política de baixos salários e pensões, de ataque aos direitos dos trabalhadores e aos serviços públicos, de negação do direito à habitação, de privatizações e outras grandes negociatas, de mais e mais injustiças e favores ao capital, de submissão nacional e corrida aos armamentos. 

Este é o tempo de democratas e patriotas assumirem o caminho da resistência e da luta contra o retrocesso e abrir o caminho de que Portugal precisa.

Desenganem-se os que acham que o neoliberalismo e a acção reaccionária se vão impor, que a luta dos trabalhadores e do povo vai deixar arrasar os seus direitos e fazer regredir o País. 

A situação evidencia ainda mais o papel decisivo da luta dos trabalhadores e do povo, a necessidade da acção comum de democratas e patriotas, a importância da CDU e dos seus deputados para enfrentar a política de  direita e o governo que a concretize, para enfrentar os projectos reaccionários e a revisão subversiva da Constituição da República.

Os trabalhadores, o povo e a juventude, contam com o PCP e a CDU e nós contamos e confiamos na sua força, capacidade e luta.

 https://www.pcp.pt/sobre-resultados-das-eleicoes-legislativas-de-2025

Bruno de Carvalho - Sobre as Legislativas 2025

* Brkuno de Cargvalhoç


Não se desenganem. O Chega vem mesmo para mudar o país. Para pior. O partido de André Ventura é o sonho molhado dos grandes grupos económicos e financeiros. Poder, finalmente, ajudar contas, de forma aberta e sem pudor, com as conquistas sociais da revolução de Abril é o desígnio do Chega. Ontem à noite, na RTP, João Cotrim Figueiredo, da Iniciativa Liberal, e Pedro Frazão, do Chega, admitiam juntos que querem mudar a Constituição da República Portuguesa para acabar com o seu preâmbulo e alterar a parte que define a organização económica do país porque, e cito, atribui ao Estado “a obrigação de ser ele o prestador dos serviços públicos” (ao fundo ouve-se Pedro Frazão a gritar “exactamente!”).

O desmantelamento das funções sociais do Estado é, sem dúvida, uma hecatombe mas vem já sendo operada ao longo de décadas pelo PS e PSD. Essa é, aliás, uma das principais razões para a votação avassaladora no Chega. Os partidos que até agora nos governaram, fingindo defender a democracia, favoreceram sempre as elites. O partido de André Ventura, fingindo estar contra este sistema, quer favorecer as mesmas elites. O povo que se lixe.

Eu dizia, há uns dias, que antes de melhorar isto ainda vai piorar. Mas só vai melhorar com a resistência dos trabalhadores (sim, também com muitos dos que votaram no partido de André Ventura). Muita gente vota no Chega porque sente que esse é o voto de protesto contra a sua vida miserável. E sim, é absolutamente chocante que haja mais de um milhão de eleitores de um partido abertamente fascista e que muitos tenham como objectivo expulsar indostânicos, tornar a vida num inferno aos portugueses ciganos e retirar direitos às mulheres. Tudo menos tocar nos interesses de quem de facto é responsável pelas nossas vidas miseráveis: os grandes grupos económicos e financeiros. Acreditam que André Ventura está mesmo contra este sistema. 

Que votem num partido de ladrões, corruptos e pedófilos, de aldabrões encartados que dizem uma coisa hoje e amanhã o seu contrário, não significa que não tenham razão em estar revoltados. Sabemos bem que o Chega foi levado em ombros pela comunicação social que, de forma irresponsável, mas consciente e deliberada, virou todos os focos para a extrema-direita, dando gás ao seu discurso racista e xenófobo. Os donos de jornais, rádios e televisões nunca o fizeram com o PCP, por exemplo, porque sabiam que os comunistas, ao contrário do Chega, estão de facto contra este sistema.

É certo, a palavra esquerda significa, hoje, pouco para os portugueses porque a identificam com partidos como o PS que sempre disseram uma coisa e fizeram outra. Muitos identificam-na também com uma esquerda folclórica que sempre preferiu viver mais da estética do que do conteúdo, que prefere priorizar direitos individuais e secundarizar direitos colectivos, cavalgando a onda liberal, procurando a divisão da classe trabalhadora.

Os sinos têm de tocar a rebate porque a gravidade é evidente. PS e PSD tenderão, como noutros países, a convencer-nos de que a democracia se defende votando neles. Não, a democracia defende-se melhorando as condições de vida dos trabalhadores, das mulheres, dos jovens e dos reformados. A tarefa do futuro é a construção de uma resistência onde caibam todos os que queiram verdadeiramente lutar contra este sistema. Devemos apontar o dedo ao Chega mas também aos que nos trouxeram aqui: as políticas do PS e PSD, a comunicação social e as redes sociais. Para lá da internet, onde também é importante saber comunicar, temos de reconstruir a nossa vida colectiva onde ela mais importa: conectando-nos com outros nos locais de trabalho, no sindicato, na colectividade, na associação de moradores, etc.

O tempo que vivemos é de resistência. Num dos seus poemas, Manuel Gusmão perguntou “quem somos nós?” e respondeu, em relação aos comunistas, que “somos a esperança que não fica à espera”. Muitos só vão perceber o engodo do Chega quando a nossa vida piorar ainda mais. Vão ter de bater de frente com os sindicatos mas os sindicatos sem trabalhadores não são mais do que quatro paredes e um telhado. É importante que entendamos que a resistência se faz connosco. Não se faz apenas nas redes sociais. Faz-se nas ruas e nos locais de trabalho. Muitos direitos vão ficar em causa, sobretudo dos trabalhadores e das mulheres, e cabe-nos mostrar que somos muitos e capazes de colectivamente enfrentar as ameaças. Mas defender o que temos não basta. Precisamos de assentar as bases para que no futuro nos tenhamos a todos, lado a lado, a construir um país soberano, socialmente justo e de progresso.

2925 05 19

https://www.facebook.com/pedro.bala

sábado, 10 de maio de 2025

Trump e Karp querem nos vigiar a todos

10 de maio de 2025

O homem mais perigoso da América não grita, ele codifica. O nome dele é Karp.

O que o torna tão perigoso não é apenas sua tecnologia, mas seu sistema de crenças. Karp fala de “transformação de sistemas” e “reconstrução institucional”

Ele quer quebrar os códigos, destruir a sociedade civil para criar uma sociedade militar. Temos de quebrar o antigo regime que significava que a sociedade civil, isto é, as pessoas de baixo, produziam o sistema; o sistema deve ser produzido de cima, pelos senhores.

Tecnologias de vigilância antes projetadas para zonas de combate agora monitoram clientes, funcionários e cidadãos. Karp não quer apenas alimentar o Pentágono. Ele quer que a Palantir esteja nas ruas, escolas, hospitais, tribunais e bancos.

Por trás do tom messiânico há algo assustador: a convicção de que as restrições democráticas — deliberações desordenadas, resistência pública, prudência moral — devem ser contornadas.


Ele é a favor de um mundo de vigilância, um mundo algorítmico no qual o humano não é o objetivo final e a medida de todas as coisas, kantianas ou bodinianas, mas o obstáculo à eficácia da governança que está a serviço somente do Poder para si mesmo.
Ele quer quebrar os códigos, destruir a sociedade civil para criar uma sociedade militar.

Karp vende um futuro onde guerras e elites governantes não precisam de apoio público, elas só precisam de apoio financeiro . Graças ao apoio financeiro, eles controlam tudo.

Macron é um emulador deste homem. Ele quer quebrar os códigos, destruir a sociedade civil para criar uma sociedade empresarial enquanto espera pela sociedade militar. A polícia já está militarizada e a moralidade foi terceirizada para códigos e suas regras; cada interação humana se torna um ponto de dados a ser processado, anotado e um dia posto em prática. A moralidade está desaparecendo, a transgressão generalizada é a ferramenta que nos permite fragmentar a sociedade civil, dividi-la, desintegrá-la.

A Comissão Europeia compartilha dessa filosofia perversa, e é por isso que ela quer impor a moeda peg-and-click, a moeda personalizada e a moeda digital. Seu objetivo é o controle social, trata-se de eliminar, de uma vez por todas, qualquer possibilidade de resistência à tirania, privando essa resistência de qualquer meio de financiamento.

A moeda digital é o Panóptico de Jeremy Bentham: transparência para alguns na base e opacidade total para outros no topo.

Semelhante ao que está sendo tentado atualmente contra partidos políticos não conformistas - como o RN - ou seja, extremistas. A luta contra a Sociedade Civil, que é qualificada de extremista e, portanto, terrorista, está a acontecer a este nível, ao nível do financiamento.

João MacGillian

8 de maio de 2025

Se Orwell nos avisou sobre o Big Brother, o CEO da Palantir, Karp, está construindo discretamente sua sala de controle com tecnologia de IA

Karp não parece ser um belicista. O CEO da Palantir é frequentemente fotografado usando óculos excêntricos e um corte de cabelo selvagem, citando Santo Agostinho ou Nietzsche como se estivesse fazendo um teste para uma palestra do TED sobre tecno-humanismo.

Mas por trás das digressões poéticas e posturas filosóficas existe uma verdade simples: Karp está construindo o sistema operacional para uma guerra perpétua. E ele está vencendo.


Publicada por Pena Preta à(s) sábado, maio 10, 2025 

https://asiatimes.com/author/john-mac-ghlionn/

https://foicebook.blogspot.com/2025/05/trump-e-karp-querem-nos-vigiar-todos.html#more

Artur Queiroz - Dia da grande vitória


sábado, 10 de maio de 2025
 

*  Artur Queiroz
 Luanda >

O Presidente Putin disse hoje em Moscovo, Dia da Vitória, que a Federação Russa está novamente a lutar contra o nazismo. Na luta contra o III Reich até à sua queda, todos os combatentes contaram, desde os resistentes franceses aos sitiados de Estalinegrado, a maior batalha da II Guerra Mundial, que decorreu entre 23 de Agosto de 1942 e 2 de fevereiro de 1943. Foi uma espécie de Batalha do Cuito Cuanavale e teve os mesmos resultados. Os nazis e seus aliados fizeram dois milhões e meio de mortos na cidade. O mesmo que toda a população da província de Benguela. 

Depois o Exército Vermelho avançou desde as estepes russas até entrar triunfalmente em Berlim, no dia 2 de Maio 1945. Pelo caminho as tropas soviéticas foram libertando os prisioneiros dos campos de concentração nazis. E os países ocupados.

O melhor é passar a palavra ao embaixador da Federação Russa em Angola, Vladimir Tararov:

 “A Grande Guerra Patriótica do povo soviético contra o Terceiro Reich começou dois anos após o início da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), sendo parte integrante e o seu teatro de operações principal. Os nossos pais e avós não apenas defenderam a liberdade da URSS, mas também desempenharam o papel fundamental na libertação da Europa da ‘peste castanha´. Graças à façanha do povo da União Soviética foi devolvida a soberania nacional aos países europeus.

Durante a II Guerra Mundial, a maioria dos países europeus estava sob opressão do Terceiro Reich: Áustria, Albânia, Bélgica, Grécia, Dinamarca, Luxemburgo, Países Baixos, Noruega, Polónia, França, Checoslováquia e Jugoslávia. De facto, os aliados da Alemanha - Hungria e Roménia - perderam a independência, e eram governados por regimes fascistas. A Bulgária e Finlândia, bem como a Itália, estavam dependentes da Alemanha. Nos territórios ocupados os nazis estabeleceram o regime cruel.

Em Março de 1944, perseguindo o inimigo que recuava, o Exército Vermelho cruzou a fronteira soviético-romena, iniciando a libertação dos países da Europa da ocupação alemã. Quilómetro por quilómetro, povoado por povoado, cidade por cidade, as tropas soviéticas avançavam e traziam a esperança para a vida pacífica aos povos oprimidos pelos nazis”.

A União Soviética sofreu as maiores perdas humanas na II Guerra Mundial, 27 milhões de mortos dos quais dez milhões soldados soviéticos e 17 milhões civis. São mais de metade de todos os mortos no conflito.  Os EUA registaram 405 mil mortos em combate.

França e Reino Unido declararam guerra à Alemanha após as tropas nazis invadirem a Polónia. No final do conflito, Londres contou 383.700 militares mortos e 67.200 civis. Paris contou 210.000 militares mortos e 390.000 civis (Resistência). Os dois países tiveram metade dos mortos em Estalinegrado. Alemanha nazi registou cinco milhões de militares mortos e três milhões de civis. Menos de um terço dos mortos soviéticos. Polónia, 240.000 mortos militares e 5.820.000civis quase todos judeus. A República Popular da China perdeu dez milhões de civis e quatro milhões de militares. A Jugoslávia perdeu dois milhões de “partisans”, comandados pelo Marechal Tito. Hitler criou no território, o Estado da Croácia. 

Em 1991, a OTAN (ou NATO) e os oligarcas da União Europeia atacaram a Jugoslávia. Durante dez anos destruíram o país. Os oligarcas europeus e os terroristas da Casa dos Brancos logo no início da guerra vingaram Hitler e tornaram a Croácia “independente”. Hoje faz parte da União Europeia e da OTAN (ou NATO). Instalaram no Kosovo uma base militar e fizeram do bocado um “país”. Os oligarcas de Bruxelas dizem que os russos, após a paz no final da II Guerra Mundial, reacenderam a guerra na Europa em 2023, com a operação militar na Ucrânia.

Mentira. Os oligarcas de Bruxelas e os terroristas da Casa do Brancos decidiram, em 1991, fazer na Rússia o mesmo que fizeram na Jugoslávia. Guerra militar e guerra económica. A União Soviética tinha acabado. À boleia da “globalização” atacaram e destruíram países com recursos naturais. O objectivo final, declarado, é submeter a Federação Russa. 

Oligarcas de Bruxelas e terroristas dos EUA roubaram os fundos soberanos do Iraque, mataram o Presidente e destruíram o país. Roubam o petróleo. Roubaram fundos soberanos à Líbia, mataram o Presidente, roubam o petróleo. Servem-se do seu “sargento” no Médio Oriente para meter medo e destabilizar a região. Roubaram os fundos soberanos da Venezuela e fazem tudo para destruir o país.

A Federação Russa é o alvo final. Os oligarcas de Bruxelas e os terroristas da Casa do Brancos impuseram uma guerra económica a Moscovo. Até hoje, Dia da Vitória. Roubaram 350 mil milhões de euros dos fundos soberanos depositados nos EUA e na Europa. Fizeram um atentado terrorista contra o gasoduto Nord Stream II, no mar Báltico, que liga a Federação Russa à Alemanha, com 1.234 quilómetros.  Impõem dezenas de sanções para destruir a economia russa. No passado houve guerras sangrentas por muito menos. 

Os russos aguentam. Mesmo estando sob fogo cerrado dos nazis, como há 80 anos. 

Nazis de Sempre

Hitler ocupou a França logo no início da guerra. Colaboracionismo mas também resistência. A Ucrânia teve um papel importante no III Reich. Os ucranianos serviram na polícia (SS), na administração pública e 250.000 nas forças armadas: Destacamentos Militares Nacionalistas, Irmandades dos Nacionalistas Ucranianos, Divisão SS Galícia, Exército de Libertação Ucraniano e o Exército Nacional Ucraniano. Só no “Reichskommissariat Ukraine”, as SS empregavam 238 mil policiais ucranianos, especialistas em tortura e extermínios. Hoje está tudo na mesma. Obedecem a Berlim, Bruxelas, Paris, Londres e Casa dos Brancos.

A Letónia forneceu à Divisão Waffen SS oficiais e soldados letões. Eram estes que cometiam as mais terríveis crueldades e torturas, nos campos de concentração e extermínio alemães realizando actos de crueldade indescritíveis, nos campos de concentração e extermínio. Verdade histórica: O ditador fascista Kārlis Ulmanis começou a construir campos de concentração muito antes de Hitler, em 1934.

Campos de concentração e extermínio na Letónia: Mezaparks Camp Kaiserwald próximo de Riga,  Daugavpils, Lenta, Liepaja, Strazdu Manor, Dundaga, Jelgava, Valmiera, Salaspils e Jumpravmuita. Mais de 80.000 judeus foram exterminados nestes campos da Letónia. Os nazis estão de regresso ao poder neste país báltico. 

Estónia. Os judeus conseguiram fugir ante da chegada dos tanques dos nazis. Mas 1.500 que se recusaram a abandonar as suas casas e o seu país foram assassinados pelos nazis estónios, aliados do III Reich. Durante a II Guerra Mundial foi criada a Divisão SS e o Batalhão 287 de Polícia. Autênticos exterminadores. Os nazis hoje no poder em Talin anseiam pela vingança. Nunca se conformaram com a vitória dos soviéticos e a consequente derrota do III Reich.

A Estónia tinha muitos campos de concentração e extermínio alemães. Guardas e torturadores eram estónios que rivalizavam em crueldade com os nazis. Tomem nota dos campos de extermínio criados no país durante a II Guerra Mundial: Auvere, Aseri, Dorpat, Ereda, Goldfields, Idu-Virumaa, Illinurme, Jagala, Johvi, Kalevi-Liiva, Kivioli, Klooga, Kukruse, Kunda, Kuremae, Lagedi, Narva, Narva-Joesuu, Petschur, Putki, Saka, Stara Gradiska, Sonda, Soski, Tartu, Vaivara, Viivikonna e Wesenburg. Entre 1939 e 1945 os nazis da Letónia exterminaram os ciganos. Hoje querem exterminar os russos. Kaja Kallas, chefe da diplomacia da União Europeia, é a nazi estoniana mais famosa.

A Lituânia alinhou com os nazis no extermínio de seres humanos. Os nazis lituanos mataram 220.000 pessoas, sobretudo judeus. Poucos sobreviveram nos campos de concentração e extermínio de Kovno (Kaunas), Kauen, Slobodka, HKP em Vilna e Prawienischken.

Grupos de extermínio começaram a atacar os judeus antes da chegada dos alemães, em Junho de 1941. Os auxiliares lituanos da Einsatzgruppe e a Polícia de Segurança da Lituânia chacinaram cruelmente milhares de pessoas por professarem o judaísmo.

Império da Política

A Rússia nasceu em 882 quando o príncipe Oleg conquistou Kiev Cidade-Estado. As crónicas da época chamam-lhe Rus’Kiev território dos vikings da região e dos eslavos orientais. Essa matriz continuou até aos dias de hoje. O Estado que então se formou, seguiu a Igreja Católica Ortodoxa, originária do Império Romano do Oriente. Essa influência moldou definitivamente a matriz russa. Outro contributo importante veio dos mongóis, que ocuparam o território entre o Século XIII e o final do Século XV, quando Ivan III, o Grande, expulsou os ocupantes.

A Identidade Nacional Russa ganhou nova expressão e a partir da derrota dos mongóis nasceu uma nova visão. O que é a Rússia? A resposta veio com as teorias do Ocidentalismo, do Eslavofilismo e o Eurasianismo. Mas os pilares eram o Czar e a Igreja Ortodoxa. 

O Império Czarista aglutinou todos e durou do século XVI ao Século XX. Caiu com a Revolução de Fevereiro e depois a Revolução de Outubro, em 1917. Assim nasceu a União Soviética e o Patriotismo Soviético. Tudo pela Mãe Rússia! O Comunismo aparece como a ideologia unificadora de todos os povos do mundo. (Proletários de Todos os Países Uni-vos!). 

A União Soviética é hoje Federação Russa. As transformações políticas, económicas e sociais acompanharam a globalização. Uma aproximação de Moscovo ao ocidente, mas a mensagem russa não foi compreendida. O eurocentrismo não deixou as capitais europeias ver as potencialidades da aproximação. 

O aproveitamento abusivo dos EUA para imporem um mundo unipolar, tornou as reformas na Federação Russa dispensáveis e supérfluas. Ma também nasceu a falsa e perigosa ideia de que a Federação Russa é facilmente submetida aos interesses da Casa dos Brancos, da OTAN (ou NATO) e União Europeia.

Assim nasceu o avanço das tropas da OTAN para Leste num cerco de morte à Federação Russa. A propaganda ocidental engana as opiniões públicas e os líderes do ocidente alargado fazem tudo para imporem uma “derrota estratégica” à Federação Russa, numa guerra por procuração passada à Ucrânia. Até desenterraram os velhos fantasmas da “guerra fria”. Vendem um regime político na Federação Russa que não existe. Voltaram ao tempo de proclamar a destruição dos comunistas.

.O partido no poder é o Rússia Unida, do Presidente Putin. Uma maioria esmagadora conquistada em eleições democráticas. O maior partido da oposição é o Partido Comunista da Federação Russa (PKRF), liderado por Gennady Zyuganov. 

 O partido Rússia Unida tem maioria absoluta na Duma (parlamento) e lidera grande parte dos governos regionais.  Outro partido da oposição é o Partido Liberal Democrata da Rússia (LDPR), ultranacionalista. O Partido Comunista da União Soviética (PCUS) foi banido em 1991 pelo então presidente russo Boris Ieltsin. 

Também existe o partido “Comunistas da Rússia”, liderado por Maxim Suraykin. Não tem representação parlamentar. Partido Os Verdes de Andrey Nagibin. Partido Rússia Justa Pela Verdade (socialismo democrático) de Sergey Mironov. Partido Russo da Liberdade e Justiça (social democracia) liderado por Maksim.  Partido Alternativa Verde liderado por Victoria Dayneko. Todos estão representados na Duma.

O partido Rússia Unida (nacionalismo conservador) nas últimas eleições elegeu 343 deputados em 450. O Partido Comunista 48 deputados em 450. O Partido Socialista (RJPV) tem 19 deputado em 450. Os outros elegeram entre 1 e 5 deputados. Registaram votações residuais.

A Alemanha nazi foi derrotada há 80 anos. Até 2023 era o motor económico da União Europeia. Daí para cá o motor gripou. Não funciona. As grandes potências ocidentais estão no mesmo estado. Mas olham para a Federação Russa com os mesmos óculos e os mesmos modelos. Não pode. Ao apostarem tudo na guerra contra a Federação Russa estão a lançar milhões de seres humanos para a miséria, a fome e a morte.

Os oligarcas de Bruxelas e os terroristas da Casa do Brancos hoje perceberam que o Dia da Vitória em Moscovo provou o seu fracasso total. A Federação Russa não está isolada. A economia russa não sucumbiu às sanções. A parada militar mostrou uma potência que esmaga os inimigos num instante. 

Combatentes das FAPLA que participaram na Guerra pela Soberania Nacional e Integridade Territorial, com o apoio de soviéticos e cubanos, foram a Moscovo e participaram nas comemorações do Dia da Vitória. João Lourenço frequentou uma academia militar soviética. No final deram-lhe um papel de licenciado em História. Feito Presidente cuspiu no prato e ajoelhou aos pés dos terroristas da Casa dos Brancos. Ainda bem que não esteve em Moscovo A comemoração do Dia da Vitória contra os nazis não é para kaxikos.

* Jornalista

at maio 10, 2025 
https://paginaglobal.blogspot.com/2025/05/dia-da-grande-vitoria-artur-queiroz.html