* Carlos Coutinho
ASCENSO Simões, uma personagem vila-realense com futuro imprevisível, é um ex-deputado meu patrício que postou na sua página no Facebook a convicção íntima e profunda de que, para se evitar que André Ventura tome conta das autarquias da Área Metropolitana de Lisboa, é urgente haver aí muitos mais Ricardos Leão. Escreveu mesmo:
“Eu não gosto do Chega, mas não fecho os olhos à sua existência e, principalmente, aos problemas que lhe dão razões.”
Nas tintas para as famílias que o energúmeno de Loures mandaria dormir para debaixo da pontes e viadutos, o Ascenso transmutado em Descenso desatou a pregar que “Leão não é um autarca fora-da-lei, como alguns dos seus camaradas quiseram fazer acreditar nos últimos dias. Leão tem é a realidade do seu lado e, se nada fizer, um dia teremos Loures, Amadora e ouros concelhos governados pela extrema-direita.”
Alguns notáveis do PS bem instalados na vida, vieram a terreiro apoiar o maronês meu conterrâneo, destacando-se em solidariedade David Amado, que sucedeu a Marta Temido na presidência da concelhia de Lisboa do PS, assim como o antigo secretário de Estado dos Desportos e atual deputado João Paulo Correia.
Outro impensável apoiante foi Carlos Pereira, vice-presidente do grupo parlamentar do PS, tal como o ex-deputado Pedro Cegonho que em tempos também foi presidente da Associação Nacional de Freguesias. Tudo abencerragens de alta estirpe, como se vê. Só faltou o brado do falecido espingardeiro Edmundo Pedro que levou as 79 G3 furtadas para o PS de Soares.
As razões do Leão de Loures são tão cruciais para o PS que até o deputado e secretário-geral Pedro Nuno Santos se furtou a qualificá-las, não obstante o coro de discórdia escondida que também se levantou nas fileiras do PS, com a refilona deputada e comentadora política Alexandra Leitão à cabeça.
A jornalista Ana Sá Lopes chamou um figo a este gague outonal e desenterrou a história Oswald Mosley, o presidente da União Britânica dos Fascistas, que foi fundar e comandar, depois de se pirar do Partido Trabalhista.
Mussolini fez o mesmo, de resto, ao se inverter como dirigente do Partido Socialista Italiano para fundar o Partido Nacional Fascista, o que levou Salazar a manter até ao fim da sua carreira, na mesa de trabalho, atravancada de telefones, carimbos, livros e dossiês, uma única fotografia, a do il duce, em moldura dourada e antografada.
Ruge, Leão, ruge, que o teu rugir tem muito de história por trás. Para isto o grande poeta brasileiro Carlos Drumond de Andrade tinha um comentário cruel:
“As dificuldades são o osso estrutural que entra na construção do caráter.”
Dão que pensar, tanto a descoberta do poeta como a voz visceral da fera saloia.
Embrenhado nesta ressurreição de frases com história, fui descobrir umas palavras confluentes com estas realidades num livro de Jean-François Steiner, “Treblinka”, prefaciado por Simone de Beauvo'r, um fragmento do discurso proferido pelo reichsführer SS Heinrich Himmler, mês e meio depois de eu nascer, no Congresso dos Generais, em Posen, Alemanha, no dia 4 de outubro de 1943:
“Gostaria também de vos falar agora com a maior franqueza acerca de um assunto extremamente importante. Aqui, entre nós, vamos abordá-lo sem disfarces, mas nunca, nunca, deveremos falar dele em público. (…) Vós sabeis, todos vós sabeis o que se sente ao ver um monte de cem, de quinhentos, de mil cadáveres. Foi isso – suportar essa prova e continuar a ser um homem correto, descontando, claro, as exceções devidas à fragilidade da própria natureza humana –, foi isso o que nos tornou duros. É uma página gloriosa da nossa história que nunca foi escrita, nem jamais o será.”
Netanyahu – e quem o sustenta – não dirá hoje algo diferente. É de reter que Simone de Beauvoir, no seu texto de preparação para a leitura de “Treblinka”, garante:
“Em todos os tempos e em todos os países, com raras exceções, os notáveis colaboraram sempre com os vencedores: é um caso de classe. Mas em Treblinka – embora alguns judeus fossem menos maltratados do que outros –, não havia distinções de classe. Nem sequer entre os homens dos comandos e os que desembarcavam na estação para serem conduzidos às câmaras de gás.”
E Jean-François Steiner regista:
“O domingo passou-se num turbilhão de festas. Ninguém dormiu nessa noite. Na segunda-feira, os prisioneiros seguem para o trabalho quando se ouve o silvo doloroso da locomotiva. Galewski está no cais quando os deportados se apeiam. Muitos estão feridos, outros queimados. Os alemães e os ucranianos tratam-nos com uma selvageria terrível, acabando com s feridos à coronhada, mutilando os homens válidos. (…) Nesse dia, a selvajaria dos alemães e dos ucranianos manifesta-se livremente. No Caminho do Céu, Ivan, um enorme brutamontes de vinte anos, abre verticalmente o ventre das mulheres com um grande sabre. Outras são atiradas vivas para as fogueiras. Primeiro lançam-lhes os filhos para as chamas, depois mandam-nas ir ter com eles. Umas precipitam-se imediatamente, outras hesitam. Dizem-lhes então que não têm instinto maternal e empurram-nas para fogo.”
Como se estivessem agora na Faixa de Gaza, ou em Kursk, ou em Beirute, esteja na Casa Branca quem estiver.
Tomem bem nota: segundo este ex-deputado do PS, são precisos mais Ricardos Leão…
2024 11 16
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