* Natália Correia
COSMOCÓPULA
I
Membro a pino
dia é macho
submarino
é entre coxas
teu mergulho
vicio de ostras.
II
O corpo é praia a boca é a nascente
e é na vulva que a areia é mais sedenta
poro a poro vou sendo o curso de água
da tua língua demasiada e lenta
dentes e unhas rebentam como pinhas
de carnívoras plantas te é meu ventre
abro-te as coxas e deixo-te crescer
duro e cheiroso como o aloendro.
(Inédito)
(“Antologia de Poesia Portuguesa – Erótica e Satírica” de Natália Correia. Ponto de Fuga, 2019)
*
DA CLARA À NEGRA CIÊNCIA
Uma laranja cai
E o chão impede
Que ela infinitamente caia.
Impedimento
Ou o invento
De uma ciência
Que já foi gaya
E agora é triste-
Mente astronómica.
Raios a partam
A bomba atómica!
*
DURANTE O DEBATE DA LEI CONTRA O ALCOOLISMO
Num pais de beberrões
Em que reina o velho Baco
Se nos tiram os canjirões
Ficamos feitos num caco.
E querem os deputados
Com um ar de beatério
Que fiquemos desmamados
Quais anjos num baptistério.
Se o verde e o tinto são
As cores da nossa bandeira,
Ai, lá se vai a nação
Se acabar a bebedeira.
De abstemia não se faça
A lex neste plenário
Que o direito à vinhaça
Esse é consuetudinário.
*
NO SERVO ANINHA—SE O DÉSPOTA
A um deputado do PSD, ferozmente anti-comunista que, no seu fanatismo partidário, batia o mais grosseiro estalinista
Do pequeno-burguês tem, na medula,
A vérmina sabujo-partidária.
A fossanguice teimosa tem da mula
Em estalinismo de instrução primária.
Só perante o patrão é mole, é lula
Sua mínima alma funcionária.
Mas com a vara na mão, o vilão pula
E dá ordens em couces de alimária.
Comigo tal marmanjo baixe a bola
Que a palmatória desse mestre-escola
Eu lha faço engolir pelo bocal
Por onde expulsa asneiras a vapor;
Pois versos não me faltam nem humor
Para, com sátiras, forrar este animal.
*
«O acto sexual é para fazer filhos»
— disse ele
Um poema de Natália Correia
A João Morgado (CDS)
«O acto sexual é para ter filhos» — disse, com toda a boçalidade, o deputado do CDS no debate anteontem sobre a legalização do aborto. A resposta em poema, que ontem fazia rir todas as bancadas parlamentares, veio de Natália Correia. Aqui fica:
«Já que o coito — diz Morgado —
tem como fim cristalino,
preciso e imaculado
fazer menina ou menino;
e cada vez que o varão
sexual petisco manduca,
temos na procriação
prova de que houve truca-truca.
Sendo pai só de um rebento,
lógica é a conclusão
de que o viril instrumento
só usou — parca ração! —
uma vez. E se a função
faz o órgão — diz o ditado —
consumada essa excepção,
ficou capado o Morgado.»
in Diário de Lisboa, 5 de Abril de 1982
*
UMA SÓ VOZ DE INUMERÁVEIS BOCAS?
De Eva a mulher astronauta
vivo todas as idades,
um fausto de lua lauta
no brilho das brevidades.
Canta-me um louco na pauta,
demónios e divindades
compartilham essa flauta
das minhas variedades.
O universo inventado
de noutros me perceber.
Tanto tempo utilizado
numa manhã, por nascer!
Sujeitos a estranhas leis
com a sua loucura a sós
solitários como os reis
os poetas dizem: nós.
E pela mesma magia
que ainda ninguém entendeu,
no côncavo da poesia
um deus que falta diz: eu.
(“O Sol nas Noites e o Luar nos Dias II”, Natália Correia. Projornal, 1993)
https://temposdecolera.blogs.sapo.pt/natalia-correia-cem-anos-121181
Sem comentários:
Enviar um comentário