terça-feira, 24 de setembro de 2024

João Vasconcelos-Costa -- SEMÂNTICA?

 * João Vasconcelos-Costa

2024 09 24
 
Num grupo de amigos que ainda teimam em refletir sobre coisas antigas e esquecidas, falava-se deste ciclo comemorativo do cinquentenário do 25 de Abril. Há meses, foi celebrado o dia memorável, o que, na minha idade, me faz dizer que valeu a pena viver na nuvem de tempo que passou também por essa data. Mas o processo foi complexo e envolveu outras datas que não podemos esquecer, até para o mais importante: tirar lições para hoje e amanhã.
Já passou entretanto uma efeméride muito importante: 27 de julho, um dia de fel e vinagre para Spínola, obrigado a vir perante as câmaras anunciar a lei da descolonização e o reconhecimento por Portugal do direito à autodeterminação, com todas as suas consequências, incluindo a aceitação da independência das colónias.
Daqui a quatro dias, o 28 de Setembro (o dia em que regressei a Portugal, depois de um ano de estadia na Suíça e em que muitos soldados simpáticos, nas barricadas, tiveram pena de mim e me dispensaram da revista ao carro, atulhado de bagagem). Foi a data da primeira tentativa de regresso ao salazar-fascismo, cavalgada por Spínola. Não me consta que vá ter comemoração oficial, mas a Associação 25 de Abril vai fazer uma sessão evocativa.
Para o ano, o 11 de Março, as eleições de 25 de abril para a Constituinte, as independências das colónias e, finalmente, a data mais controversa, o 25 de Novembro.
Não é um simples acontecimento do passado. Ainda estão vivos muitos dos que, empenhados a fundo no processo revolucionário, vieram a sofrer, com prisão ou graves prejuízos de carreira, as consequências desse acontecimento. Mas, ao mesmo tempo, também já se passou tempo para fechar feridas, refazer entendimentos ancorados em Abril, reconhecer – mesmo os vencedores do dia – que se falhou em coisas essenciais, a manutenção da unidade no MFA e na sua ligação ao movimento popular e que (sem discutir a honestidade das motivações e dos princípios democráticos convencionais do campo vencedor) houve cedências muito graves e perigosas a forças reacionárias e a ingerências estrangeiras, bem como na resistência ao revanchismo da hierarquia em relação aos militares revolucionários.
E não são só os militares, os que no campo da esquerda militar (esquerda não esquerdista) sofreram as consequências, que provaram o sabor amargo da derrota. A minha geração civil também se dividiu. Muitos consideram o 25 de Novembro como positivo. Não ponho no mesmo saco os reacionários saudosistas do fascismo e aqueles que discordavam de um processo que ia contra as suas posições antifascistas muito moderadas, que não eram as minhas mas que respeito – o sentimento democrático mas espartilhado pela conceção formal, liberal, da democracia, a justiça social mas no quadro do sistema capitalista. Para mim, que tenho uma visão revolucionária da História, foi um dia amargo, que interrompeu um processo aliciante. Mas também, devo admiti-lo, um processo histórico (no sentido de incontrolável à escala humana) com muito do que costumo chamar o "sindroma chileno", as perversões perigosas derivadas do esquerdismo, do sectarismo, do voluntarismo irrealista. Como talvez tenha acontecido com muitos revolucionários no Terror ou depois de Outubro, por vezes perguntava-me se, na sociedade que se construiria naquela via, eu que não escondia as minhas críticas ao que considerava como erros perigosos (e, à Talleyrand, um erro é pior do que um crime) não viria a ser preso político ou, noutros tempos, guilhotinado?
O que é hoje importante é enquadrar esse acontecimento num processo global, para extrair ensinamentos, porventura ainda importantes para a situação atual.
Isto tem a ver com o título desta nota. Na tal conversa, veio à tona, por natural lapso de língua, a expressão "comemorar (ou celebrar) o 25 de Novembro". Retorqui que não devíamos dizer isso, mas sim "evocar", um termo neutro, situado no domínio cognitivo, sem a carga emotiva de "comemorar". Creio que pode ter ficado a ideia de esta minha observação ser um preciosismo, uma mera questão semântica.
Como até Eanes disse uma vez, as datas divisivas não se comemoram. Já basta o que se tem visto e se vai ver ainda mais, até daqui a dois meses, como tentativa reacionária para oficializar, até a nível parlamentar, a celebração do 25 de Novembro, quase que a par do 25 de Abril.
Aproveitemos a data para refletir serenamente e pensar, lembrando a metáfora pitoresca de Cunhal, que, no processo histórico, há sempre curvas muito apertadas no caminho. O verão de 1975 e o que se lhe sucedeu até 25 de Novembro foi um caso desses, assim como hoje, não só em Portugal, vivemos tempos escuros de contradição, perigo, perplexidade e até, sem que isto seja delírio catastrofista, a ameaça de uma tragédia final, de guerra nuclear.
Muitos anos depois do 25 de Novembro, os militares souberam reencontrar-se e relembrarem o essencial do que os unia, e isto sem cedências de convicções, de parte a parte. A Associação 25 de Abril é hoje um símbolo dessa unidade no essencial, que ainda não tem equivalente na área civil, política e social. Pela lei da vida, este importante símbolo, corre o risco de falecimento, tanto quanto os seus membros ativos. Um papel mais ativo da A25A neste ciclo de comemorações e evocações pode contribuir para a passagem de testemunho para as gerações seguintes. Já estamos a viver tempos que justificam a formalização de um movimento antifascista. Passa por entendimentos institucionais, entre partidos, mas também pela ação da sociedade civil. Que não se desperdice um instrumento já existente e com enorme valor simbólico, a A25A. Eu sou sócio. E tu?

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